Didier Raoult tornou-se conhecido em todo o mundo por defender no início da pandemia, contra o consenso médico prevalecente, que a hidroxicloroquina, um medicamento utilizado no tratamento da malária, curaria a Covid-19. Esta alegação foi impulsionada pelo apoio de muitos negacionistas e de setores da extrema-direita e levada à prática por Bolsonaro. Depois de vários desmentidos da sua tese, agora são as suas próprias equipas que denunciam a falsificação.
O portal noticioso francês Mediapart teve acesso a testemunhos de mais de uma dezena de integrantes do IHU, o instituto dirigido por Raoult, entre as quais biólogos e médicos, que denunciam “práticas científicas e éticas lamentáveis” e mesmo a falsificação dos resultados dos estudos que pretendiam provar a eficácia deste medicamento no tratamento da Covid-19.
Estas declarações foram prestadas às instituições que tutelam a instituição, Universidade de Aix-Marselha, Hospital de Marselha, Instituto de Investigação para o desenvolvimento e Inserm, o Instituto Nacional para a Saúde e Investigação Médica.
Segundo se conta, os resultados de testes PCR foram manipulados de forma a possibilitar as conclusões que Raoult queria tirar à partida. Algo que não terá sido caso único. Um dos testemunhos declarou que “os resultados apresentados devem corresponder às hipóteses apresentadas por Didier Raoult. Caso contrário, as pessoas em causa podem ser desvalorizadas publicamente e as suas competências descredibilizadas”. Outro explicou que os biólogos foram afastados do planeamento “para que pudessem descansar” e um software passou a lançar resultados automaticamente sem validação prévia dos especialistas.
A diferença de sensibilidade dos testes PCR aplicados, entre o grupo de controlo, em Nice, o qual não tinha sido tratado com hidroxicloroquina, e o grupo de Marselha, ao qual esta substância foi aplicada, fazia toda a diferença para poder chegar às conclusões que se queria. De tal modo que, com o mesmo resultado, um paciente poderia ser declarado negativo em Marselha mas positivo em Nice.
O interesse do médico na promoção desta substância seria o lucro imediato. O IHU prescreveu este medicamento em quantias cujo custo ascenderá a dezenas de milhões de euros, segundo o Libération. Já no Brasil, a Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da pandemia mostrou que a Prevent, uma rede privada de saúde e a maior impulsionadora no país da cloroquina com o beneplácito do presidente Bolsonaro, também tinha manipulado os estudos sobre este medicamento com a mesma finalidade de lucrar com os tratamentos.
Raoult está igualmente a ser investigado por práticas anteriores como ter feito ensaios clínicos não autorizados sobre a tuberculose da qual resultaram graves consequências médicas. Outro dos médicos que prestou declarações sob anonimato declara: “não há verdadeira ciência por detrás das publicações do IHU desde há anos”.