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Grada Kilomba construiu um barco em Lisboa para falar do apagamento da escravatura

A artista revisita o passado para “atuar no presente” porque “há feridas que nunca foram devidamente contadas e se isto continua a acontecer, a barbárie repete-se, o fascismo, a desumanização, a opressão repete-se".
Grada Kilomba junto à sua obra. Foto de Nuno Fox/Lusa.
Grada Kilomba junto à sua obra. Foto de Nuno Fox/Lusa.

Foi apresentada esta sexta-feira na Praça do Carvão do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa, a obra “O Barco” de Grada Kilomba. Os 140 blocos de madeira queimada, dispostos em forma de embarcação, são uma homenagem aos corpos desaparecidos no mar ou vítimas da escravatura e “uma metáfora para 500 anos de História da escravatura em que a política, a filosofia e as artes confirmaram a prática da escravatura e fizeram um apagamento dos escravizados" explicou a artista nesta apresentação que foi também um dos momentos de abertura da Bienal de Arte Contemporânea.

Grada Kilomba é uma escritora, artista e professora portuguesa residente em Berlim que tem trabalhado sobre o racismo, o colonialismo e as questões de género. Em 2008 publicou “Memórias da plantação: episódios de racismo quotidiano". Segundo conta a agência Lusa, neste evento evocou os 12 milhões de pessoas vendidas ao longo de cinco séculos num comércio que chegou, a partir de 1444, a ser “liderado pelos portugueses” e lembrou que “os monumentos do período colonial que se encontram em várias cidades europeias, e também em Lisboa, são como icebergues. Mostram apenas uma parte da História, fazem uma glorificação de um período, de uma aventura, e, no fundo, estão os oprimidos, os corpos que viajaram aos milhares no fundo dos barcos”.

Foi com isto em mente que, ao longo de três anos de “pesquisa intensa, da História, da linguagem, que tem muita importância na criação das identidades, imagens, sons e movimentos”, foi criando uma obra que, para além da parte da escultura, é também instalação e conta com uma performance em três atos que aconteceu esta sexta-feira às 18 horas e também se vai realizar nos dias 25 de Setembro às 17h e 17 de Outubro às 16h. Várias gerações de afro-descendentes da grande Lisboa protagonizarão um momento artístico à volta das noções de cerimónia e ritual com produção musical de Kalaf Epalanga.

Há espaço também para a poesia gravada em vários dos blocos de madeira em português, inglês, árabe, crioulo, crioulo, ioruba, quimbundo e tsuana, frases como “uma dor é uma revolução", "uma alma uma memória", “uma morte, uma dor", "uma ferida, uma morte, um esquecimento".

A artista diz que olha para o passado esclavagista de forma a “criar um futuro para produzir nova memória”. Ou seja, quer “atuar no presente” porque “há feridas que nunca foram devidamente contadas e se isto continua a acontecer, a barbárie repete-se, o fascismo, a desumanização, a opressão repete-se". E usa “a beleza e a poesia” porque só assim “se consegue abraçar as pessoas” e “suscitar reflexão”.

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