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Falar através da máscara? Afinal não soa assim tão mal

Quais os efeitos no som produzido quando falamos com a máscara posta? E o facto de não se poder fazer a leitura dos lábios afeta assim tanto a compreensão para a população não-surda? Neste artigo, o especialista Dominic Watt diz o que concluiu a partir dos testes realizados até agora.
pessoas com mascara a conversarem
Foto de Pedro Gomes Almeida.

O grande debate sobre o uso de máscara terminou com a maior parte das pessoas a concordarem que é boa ideia usá-la para prevenir o contágio da covid-19. E enquanto não tivermos uma vacina, podemos prever que os conselhos dos governos e da Organização Mundial de Saúde para as usarmos irão manter-se durante algum tempo.

Isso signfica que podemos comunicar uns com os outros de forma muito diferente nos próximos meses ou anos. Conversar com uma máscara posta pode ser incómodo - muitas vezes fica mais difícil perceber as posturas e emoções do portador de máscara e estão bem documentadas as dificuldades enfrentadas pela população surda, impedida de ler os lábios de quem usa máscara.

Mas também devemos lembrar uma terceira forma de potenciais mal-entendidos quando ouvimos um discurso através da máscara: o efeito abafador que elas provocam no próprio sinal sonoro. Nos últimos anos, a nossa equipa de investigadores forenses estudou as diferentes maneiras como as máscaras faciais afetam a clareza da fala. Eis o que descobrimos.

O que precisávamos de saber

Num estudo de 2013, testámos uma gama de diferentes coberturas bucais para comparar os efeitos de falar enquanto se usa uma máscara cirúrgica de papel com os de falar enquanto se usa um capacete de motocicleta, dois tipos de balaclava (um com um buraco na boca, o outro sem), um niqab, uma combinação de capuz e lenço, e uma máscara de borracha de cabeça inteira como aquelas que alguns assaltantes armados escolhem.

Concentrámo-nos na articulação de sons do orador. Teorizámos que as máscaras podem interferir com os movimentos da sua boca: os movimentos labiais necessários para as consoantes "labiais" - p, b, w, f, v, m - e as vogais "arredondadas" que encontramos em palavras como “sul” ou “sol” podem ser limitados. A liberdade de baixar o maxilar ao produzir vogais "abertas" como em “gato” ou “calma” pode também ser mais limitada.

Analisámos depois como os diferentes tipos de material na máscara facial poderiam impedir a corrente de ar que emana da boca do orador durante a fala. Tecidos mais espessos e menos porosos podem bloquear significativamente a corrente de ar, diminuindo a energia acústica - que inclui o volume de um som - transmitida através do ar para o ouvido do ouvinte. Medimos as propriedades de "perda de transmissão" dos tecidos de vestuário facial separadamente, colocando um altifalante e um microfone calibrado com precisão em ambos os lados das nossas amostras de tecido.

Finalmente, tivemos de considerar a influência da máscara na forma como os ouvintes percebem a fala. O efeito combinado das máscaras afetando a articulação, impedindo a corrente de ar, e a absorção do som pelo tecido era uma coisa, mas no fim do que os linguistas chamam a "cadeia da fala" está o ouvinte. Sabemos que mesmo para as pessoas que não são surdas ou duras de ouvido, ajuda ver a pessoa que está a falar. Se não formos cegos ou amblíopes, somos todos leitores de lábios, em certa medida.

Mas será que mascarar a boca do orador é o mesmo que ser incapaz de ver a pessoa que fala? Para testar esta dúvida, apresentámos aos nossos participantes imagens de vídeo de oradores mascarados a falar, bem como a banda sonora de áudio por si só.

O que descobrimos

Os nossos resultados revelaram algumas surpresas. De todos os tipos de máscara facial que testámos, nenhum interferiu muito com a articulação e os efeitos na corrente de ar pareceram na sua maioria bastante pequenos.

Alguns tecidos absorviam mais energia sonora do que outros. Embora com máscaras cirúrgicas, partes do espectro de frequência sonora foram na verdade amplificadas. É possível que os nossos oradores estivessem inconscientemente a compensar as máscaras que usavam, falando mais alto ou articulando com mais cuidado, mas não temos a certeza.

Também descobrimos que os nossos participantes podiam identificar os sons da fala com mais precisão simplesmente por conseguirem ver a imagem vídeo do orador, mesmo quando a boca é efetivamente invisível e não se podiam ver movimentos labiais ou maxilares, como no caso da máscara cirúrgica e da balaclava só para os olhos.

O vestuário facial que testámos teve, portanto, efeitos surpreendentemente pequenos na clareza da fala.

As máscaras que as pessoas usam durante a actual pandemia são frequentemente feitas em tecido caseiro e não em produtos disponíveis no mercado. Muitas são feitas de múltiplas camadas de tecidos espessos e rígidos e podem abafar a fala do utilizador de forma mais intensa do que as peças de vestuário que testámos.

A nossa investigação, embora ainda em curso, terá dificuldade em acompanhar a explosão na diversidade do vestuário facial. Mais do que nunca, porém, este trabalho ajudar-nos-á a compreender qualquer fonte de potenciais mal-entendidos que advenham do uso de máscaras.

E por agora as notícias são boas - se estiver a falar através de qualquer tipo de máscara facial, é provável que seja compreendido.


Dominic Watt é docente em Ciência da Fala Forense na Universidade de York, em Inglaterra. Artigo publicado no portal The Conversation e traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.

 

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