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Dinheiro de grandes fortunas e altos executivos: como cresceu a extrema-direita espanhola

O Vox, partido-irmão do Chega em Espanha, foi ajudado por grandes interesses económicos por via de um grupo ultra-conservador católico, revela o jornal espanhol Público com base em informação proveniente do WikiLeaks.
Comício do Vox em Vigo. Foto de Contando Estrelas/Flickr.
Comício do Vox em Vigo. Foto de Contando Estrelas/Flickr.

Uma nova fuga de documentos publicada pela WikiLeaks deu a conhecer 17.000 documentos internos do grupo ultra-conservador católico Hazte Oír e do CitizenGo a sua plataforma de promoção de petições. O jornal Público espanhol revelou em exclusivo alguns dos documentos, datados entre 2001 e 2017, que mostram como, a partir daquele grupo, o recém-criado Vox, partido da extrema-direita espanhola, conseguiu crescer com o apoio de grandes fortunas e altos executivos.

O WikiLeaks chamou ao novo projeto The Intolerance Network, a rede da intolerância, e escolheu como parceiros para a divulgação e trabalho jornalístico dos documentos, para além do já referido Público, o jornal italiano Il Fatto Quotidiano, o alemão Taz e o mexicano Contralínea. De entre o acervo documental enorme, estes selecionaram comunicações sobre campanhas de propaganda e captação de fundos, instruções internas sobre gestão de informação, cartas dirigidas a organizações internacionais com as mesmas finalidades.

Em 2001, Ignacio Arsuaga Rato, amigo íntimo de Santiago Abascal, a figura mais conhecida do Vox, fundou o Hazte Oír. Dois anos mais tarde, criou o CitizenGo que opera em cerca de meia centena de países e tem sedes em 15 cidades. O documento mais importante encontrado serão os ficheiros Excel onde constam os financiadores do grupo que abriu caminho ao Vox.

Para além de milhares de pequenos doadores, há a fatia mais importante: a dos grandes doadores nos quais estão incluídos milionários e executivos. Entre estes estão os dadores do Congresso Mundial das Famílias que se realizou pela primeira em Espanha em 2012, um evento mundial organizado pelo grupo ultra-conservador The Howard Center for Family que tem contado com presença de políticos de extrema-direita como Orban ou Salvini. Da lista desses “grandes grandes doadores” que contribuíam com milhares de euros, constam 209 nomes. A lista é liderada por David Álvarez Díez do grupo de serviço Eulen, que tem mais de 84.000 empregados numa dezena de países, e que contribuiu com 20.000 euros. Em segundo lugar, surgem Esther Koplowitz que herdou a empresa de construções Fomento de Construcciones y Contratas e dona dos Hóteis Ritz, que deu 10.000 euros, e Isidoro Álvarez, já falecido e que foi presidente do El Corte Inglés. Juan Miguel Villar-Mir, da construtora Obrascón Huarte Lain entre várias outras empresas, deu metade desta quantia.

Outra folha de Excel, referente ao mesmo ano, mostra donativos de muitos mais milionários e vários executivos de empresas importantes: Bernard Meunier, então conselheiro-delegado da Nestlé para a Península Ibérica, hoje vice-presidente executivo desta empresa; Ignacio Esquer De Oñate, do Conselho de Administração da multinacional de fertilizantes Feriberia); Javier Javaloyes (do Grupo Reacciona de serviços jurídicos, intermediação de crédito e consultoria); Luis Vilaclara Pont (administrador de uma dezena de empresas do setor imobiliário). O resultado é que o Hazte Oír chega ao final de 2013 com um orçamento de cerca de dois milhões de euros. No mesmo ano, o governo de Rajoy decide atribuir ao grupo o estatuto de “associação de utilidade pública” passando a beneficiar de benefícios fiscais. De então até 2019, as doações renderam-lhes mais de 17 milhões de euros.

Para além das figuras endinheiradas nacionais, o Hazte Oír tentou angariar fundos no estrangeiro. Numa carta de abril de 2013, revelada pelo Público, Arsuaga pede 100.000 euros a Konstantín Maloféyev, um oligarca russo dono de um fundo de capital de risco, o Marshall Capital, e presidente dos grupo de meios de comunicação Tsargrady, de extrema-direita.

Estes são apenas os primeiros documentos de uma série que o jornal promete revelar. O Hazte Oír terá mais recentemente entrado em rota de colisão com o Vox e Abascal decidiu também manter distância deste depois de, em 2017, terem sido publicadas notícias que ligavam a organização à sociedade secreta mexicana de extrema-direita ultra-católica​ El Yunque.

Antes disso, o grupo foi um importante megafone das causas do Vox quando este era irrelevante politicamente. Para além da agenda política comum impulsionada em sincronia e das amizades, ambos foram partilhando vários quadros que estavam ligados às duas organizações. E ainda antes de existir Vox, em 2012, já Abascal ganhava o prémio Hazte Oír. Um prémio atribuído depois disso a várias figuras do partido.

Uma extensa investigação da Fundação Rosa Luxemburgo sobre a extrema-direita espanhola, intitulada Dos neocon aos neonazis. A direita radical no Estado Espanhol recorda ainda factos como que a apresentação do Vox em Madrid, feita entre outros por Santiago Abascal, foi difundida pelo canal de vídeo do Hazte Oír em direto. Miquel Ramos escreve que “nos anos seguintes, o acesso a cargos de responsabiliade no Vox de membros do HO, suas plataformas associadas ou organizações congéneres é um gotejar contínuo” e lembra ainda que a Fundação DENAES, dirigida por Abascal antes do Vox, participava conjuntamente “em muitas campanhas e iniciativas” deste grupo. Ao CitizenGO caberia o papel de apoiar “indiretamente” o Vox. Exemplo disso foi a campanha “vota valores” que dirigia o voto para o partido de extrema-direita, criticando o Partido Popular por não aderir totalmente à sua agenda.

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