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Brasil: Travar o golpismo de Bolsonaro
O Brasil viveu na quinta-feira, 11 de agosto, uma jornada de manifestações em defesa da democracia e contra as ameaças golpistas que pairam sobre as instituições consagradas na Constituição de 1988 e especificamente sobre as próximas eleições. No início da jornada, na manhã desta quinta-feira, em São Paulo, na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, foi apresentada no pátio interno da Faculdade a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, documento que em poucos dias já conta com a assinatura de mais de um milhão de pessoas.
Pouco antes, no salão nobre da mesma Faculdade, fora apresentada uma outra carta, conhecida como a dos empresários, que foi articulada pela Fiesp (a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a mais poderosa federação empresarial do país) e reúne o apoio da Febraban (a federação empresarial dos bancos), de centrais sindicais como a Força Sindical, a CUT ou a Intersindical, a Academia Brasileira de Ciências, Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), a UNE (União Nacional dos Estudantes), o Instituto Marielle Franco e a Amnistia Internacional. No total, assinam, até a manhã desta sexta-feira, 12 de agosto, 107 entidades.
Defesa da Democracia
As duas cartas têm em comum a defesa das instituições criadas pela Constituição de 1988, a defesa do Judiciário, nomeadamente os Tribunais superiores (STF e TSE) e do sistema eleitoral brasileiro (a urna eletrónica), todos eles alvo dos ataques do presidente Jair Bolsonaro, que já nem se dá ao trabalho de esconder as suas intenções golpistas, caso não vença as eleições presidenciais, cujo primeiro turno é já no dia 2 de outubro. As intenções das cartas são claras, mas os termos cautelosos. Por exemplo, em nenhuma das duas existe a palavra “golpe” nem uma alusão direta a Bolsonaro.
A carta da Faculdade de Direito evoca uma outra Carta aos Brasileiros, lida por uma jurista famoso em 1977, em plena ditadura militar no Brasil, que denunciava a ilegitimidade do governo e pedia o restabelecimento do Estado de Direito e a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Quarenta e cinco anos depois, a nova carta destaca que a democracia no Brasil “cresceu e amadureceu”, mas reconhece que ainda há muito que fazer no país, citando a saúde, habitação, educação e segurança pública.
Urnas eletrónicas seguras e confiáveis
O documento destaca como positiva a digitalização do sistema eleitoral: “Nossas eleições com o processo eletrónico de apuração têm servido de exemplo no mundo” E sustenta: “Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrónicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral”. Esta alusão explícita às urnas eletrónicas é uma resposta à campanha que Bolsonaro vem fazendo contra o sistema digital de voto.
Recordando os acontecimentos de dia 6 de janeiro no Capitólio em Washington, Estados Unidos, o documento aponta para o perigo de um acontecimento semelhante ocorrer no Brasil, onde “ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira.” Em alusão direta às ameaças e chantagens golpistas de Bolsonaro, embora evitando nomeá-lo, o texto afirma que “são intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à rutura da ordem constitucional”.
E conclui garantindo que “Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.”
Empresários rompem com Bolsonaro
Já a carta articulada pela Fiesp é ainda mais moderada. Sempre procurando apresentar um ponto de vista positivo, o documento afirma: “Nossa democracia tem dado provas seguidas de robustez. Em menos de quatro décadas, enfrentou crises profundas, tanto económicas, com períodos de recessão e hiperinflação, quanto políticas, superando essas mazelas pela força de nossas instituições.”
“Elas foram sólidas o suficiente para garantir a execução de governos de diferentes espectros políticos”, diz a carta, sublinhando que “são as nossas instituições que continuam garantindo o avanço civilizatório da sociedade brasileira.”
A carta dos empresários passa então a fazer a defesa intransigente do poder judiciário, um dos principais alvos das críticas de Bolsonaro:
“As entidades da sociedade civil e os cidadãos que subscrevem este ato destacam o papel do Judiciário brasileiro, em especial do Supremo Tribunal Federal, guardião último da Constituição, e do Tribunal Superior Eleitoral, que tem conduzido com plena segurança, eficiência e integridade nossas eleições respeitadas internacionalmente, e a todos os magistrados, reconhecendo o seu inestimável papel, ao longo de nossa história, como poder pacificador de desacordos e instância de proteção dos direitos fundamentais.”
Depois de afirmar o seu objetivo de um “país próspero, justo e solidário, guiado pelos princípios republicanos expressos na Constituição”, o documento conclui que “todos os que subscrevem este ato reiteram seu compromisso inabalável com as instituições e as regras basilares do Estado Democrático de Direito, constitutivas da própria soberania do povo brasileiro (…).
Apesar da sua moderação e de sequer fazer referência às ameaças golpistas de Bolsonaro, a cara deixa bem clara a vinculação dos subscritores ao Estado de direito, à defesa da democracia e aos princípios republicanos da Constituição. Aliás, ao aceitar que a divulgação das duas cartas fosse feita no mesmo dia, os seus articuladores de facto aceitaram a vinculação dos dois documentos e a rotura, apesar de não explícita, com as ameaças golpistas de Bolsonaro.
Ora essa rotura representa o afastamento do grande capital industrial e bancário em relação ao presidente, o que é sem dúvida uma péssima notícia para ele.
Presidente ironiza as cartas
Bolsonaro reagiu com ironia – e uma mentira – às cartas pela democracia. Classificou-as como “um pedaço de papel e, exibindo uma Constituição de 1988, criticou Lula por ter assinado a carta divulgada na quinta-feira, afirmando que, em 1988, “a bancada toda do PT não assinou essa carta à democracia (a Constituição) e agora quer assinar essa cartinha à democracia", destacou.
Mais uma vez Bolsonaro faltou à verdade. Em 1988, os deputados constituintes do PT foram orientados a votar contra o texto, mas a assinar a Constituição. Todos os 16 assinaram o texto.
Amplo apoio
As manifestações em defesa da democracia e contra o golpismo conseguiram mobilizar um amplo espectro político num momento em que um eventual golpe militar pró-Bolsonaro já é discutido abertamente. Mostraram que uma eventual aventura golpista não tem apoio social no país.
Além das duas manifestações em São Paulo (uma no Largo São Francisco e outra à tarde, na avenida Paulista, foram organizadas manifestações em 21 capitais e no Distrito Federal.
Pelo menos 77 faculdades de Direito realizam manifestações em defesa da democracia e com a leitura da Carta da USP, e foram marcadas pelos também pelos protestos contra Bolsonaro.
Mas o dia 11 de agosto não teve ainda a participação maciça que será a melhor barreira contra o golpismo. No próximo 7 de setembro, Bolsonaro joga uma das suas últimas cartas com uma nova rodada de manifestações pró-golpe, e isto no dia em que se comemoram os 200 anos da independência do Brasil.
A resposta terá de vir rapidamente. A esquerda e todos os que se opõem ao golpismo Bolsonarista precisam mostrar que são a maioria no país.
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