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Artistas transformam Constituição fascista em poesia de Abril

Virar o lápis azul da censura contra si próprio e criar poesia, pegar na Constituição de 1933 e fazer surgir dela palavras de liberdade "Reconstituição Portuguesa" é um livro de vários artistas com lançamento neste 25 de Abril.
Capa do livro Reconstituição Portuguesa.
Capa do livro Reconstituição Portuguesa.

Vai ser lançado no dia 25 de abril pelas 11 horas no Museu do Aljube, em Lisboa, o livro “Reconstituição Portuguesa”. Trata-se de um trabalho coletivo que pretende ser um manifesto que “transforma um símbolo do fascismo em gritos poéticos de Liberdade”.

O projeto vira o lápis azul da censura contra si próprio, pegando na Constituição de 1933, símbolo da ditadura salazarista, e fazendo surgir dela “poemas e ilustrações exaltando os valores de Abril: humanidade, liberdade, justiça, igualdade”. A técnica que inspira a composição é chamada “blackout poetry”. Trata-se de riscar palavras de um texto existente até que um novo sentido dele emerja.

Viton Araújo, poeta e diretor criativo deste livro que junta com cerca de trinta artistas, diz à Lusa que se trata de “censurar a censura”. E explica como teve esta ideia junto com Diego Tórgo, diretor de arte dela: “em abril do ano passado tivemos a ideia, que não é publicitária, de homenagem a este país que nos acolheu. Somos dois brasileiros, apesar de já termos cidadania portuguesa, e surgiu. Eu também tenho trabalho poético e já fiz um ‘workshop’ de ‘blackout poetry’, que é essa técnica de rasurar um texto já existente para criar um poema novo. Então, por que não escrever com lápis azul, numa crítica ao que foi a ditadura do Estado Novo e numa ode à liberdade de expressão e à poesia e à arte no geral?”.

Pretende-se “reinventar o trauma da violência colonialista”. E fez-se isso a partir da diversidade: “há poetas de género homem e mulher, há pessoas trans, há pessoas de todas as idades” e de várias nacionalidades. “Tivemos o cuidado de escolher não só pessoas que conhecemos e admiramos, mas também de diversidade, já que no Estado Novo as mulheres poderiam fazer pouco mais do que estar em casa, os direitos dos homossexuais também não existiam. Então aqui temos uma diversidade muito grande de pessoas e vozes para que possamos ter um manifesto que seja justo com a diversidade que há hoje em dia”, explica o poeta luso-brasileiro.

Muitos dos criadores não estavam familiarizados com esta técnica que resultou em 58 poemas diferentes acompanhados de ilustrações mas acabaram por compor “uma colcha de retalhos composta por gritos, ora de indignação, ora de dor, mas sempre de liberdade. Se celebrar a Revolução de Abril sempre foi importante, em tempos de ameaça à democracia por parte da extrema-direita torna-se fundamental”, escrevem os autores na introdução.

Nele se podem ler as palavras libertadas pelo angolano Lucerna do Moco: “Ser delinquente/é permitido/em cargos públicos/e profissões privadas./Os cidadãos são gados/sem harmonia/com a Natureza”. E as de Viton Araújo: “A vida/mercadoria/administrativa/do império colonial português”.

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