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330 mil vítimas de abuso sexual da igreja católica em França

Os números revelados por uma comissão independente chocaram o mundo e dizem apenas respeito ao período após a década de 1950. Relatório aponta cerca de três mil abusadores entre o clero francês.
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Foto da diocese de Reims/Flickr

O relatório sobre a pedofilia na igreja católica em França resultou de mais de dois anos de investigações e da audição de 6.400 testemunhos, bem como de inquéritos e da consulta de arquivos. E as conclusões estão a chocar o mundo, ao acabarem com o manto de silêncio sobre a prática de abusos sexuais de menores ao longo de décadas em instituições dirigidas pelos religiosos. Na prática, conclui o relatório, o risco de abuso sexual nestas instituições era o triplo das restantes.

Os números avançados são apenas previsões, mas de uma dimensão devastadora. E a prática dos abusos nas instituições católicas não se cingia aos membros do clero: dos 330 mil casos, eles foram responsáveis por dois terços dos abusos - 216 mil - com os restantes a serem cometidos por leigos, voluntários ou funcionários nos estabelecimentos de ensino católico ou campos de férias. A comissão estima entre 2.900 a 3.200 membros do clero envolvidos em crimes de abuso sexual de menores em França no período avaliado. 80% das vítimas eram meninos. Há seis meses, o presidente da comissão estimava em 10 mil casos de abusos sexuais no mesmo período, mas já suspeitava que esses eram apenas uma pequena parte do número real.

Aos que na igreja católica contestavam que este se tratava de um fenómeno especialmente associado à sua obediência religiosa, mas sim presente no conjunto da sociedade, estes números vêm desmentir essa ideia. A taxa de prevalência dos abusos sexuais de menores é de 1.16% na igreja católica (0.82% praticados pelo seu clero), bem acima das colónias de férias (0.36%), escolas públicas (0.34%) ou atividades desportivas (0.28%). A grande fatia dos abusos relatados (56%) ocorreu até à década de 1970, caindo para 22% até à década de 1990 e 8.7% desde o ano 2000, o que reflete também a perda de centralidade da igreja na educação e organização dos tempos livres dos jovens franceses. Outra hipótese colocada pelos investigadores é que o medo e a vergonha ainda afetem as vítimas mais recentes de abusos, tendo em conta as décadas que passaram até que os mais velhos ganhassem coragem para denunciar os abusos de que foram vítimas.

Jean-Marc Sauvé, o presidente desta comissão independente nomeada pelos bispos franceses, apelou a uma “ação vigorosa” por parte da igreja católica face a esta realidade, em contraste com a atitude de encobrimento promovida até agora, fazendo do silêncio das vítimas uma condição para a sua indemnização. “A Igreja pode e deve fazer tudo para restaurar o que foi danificado e reconstruir o que foi rompido”, defendeu Sauvé na apresentação do relatório, que apresenta 45 recomendações à hiera

O relatório aponta ainda que "durante muito tempo, a Igreja Católica preocupou-se principalmente em proteger-se como instituição e mostrou uma indiferença total e até cruel para com aqueles que tinham sido agredidos." As 45 recomendações vão desde acolher e ouvir as vítimas até à reforma da lei canónica, reconhecer as infrações cometidas, estejam ou não prescritas e fazer a reparação necessária pelos danos causados. E propõe medidas sobre questões de teologia, eclesiologia e moral sexual, ao considerar que certas interpretações ou distorções favoreceram os abusos cometidos. Também faz propostas nas áreas da governação da igreja, formação do clero, prevenção de abusos e acompanhamento dos abusadores.

O arcebispo de Reims e presidente da Conferência Episcopal, Éric de Moulins-Beaufort, reconheceu a extensão "assustadora" da violência na Igreja e prometeu conclusões para o plenário da Conferência em novembro. Também o papa Francisco reagiu através do diretor do Gabinete de Imprensa da Santa Sé. “O seu pensamento dirige-se primeiramente para as vítimas, com grande tristeza, pelas suas feridas, e gratidão, pela sua coragem em denunciar, e para a Igreja na França, para que, consciente desta terrível realidade, unida ao sofrimento do Senhor por seus filhos mais vulneráveis, possa empreender um caminho de redenção", afirmou Matteo Bruni, citado pela imprensa do Vaticano.

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