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Trabalho temporário e contratos a prazo: precariedade não se resolve com ajustes

As agências de trabalho temporário lucram com o aluguer de trabalhadores a outras empresas. É uma atividade que não deveria existir, nem estar legalizada. A informação sobre necessidades de mão de obra deveria ser prestada como serviço público, a partir de instituições como o IEFP, que deveriam ser reconfiguradas para a poderem realizar sem prejuízo para os trabalhadores. São, por isso, positivas todas as medidas que introduzem formas de controlo e limitações às ETT. Compensações por contrato a prazo voltam a valor pré-troika.
Foto de Ana Candeias.

Foram aprovadas várias propostas do governo de alteração ao regime jurídico do exercício e licenciamento das ETT (Decreto-Lei n.º 260/2009), com votos favoráveis de PS, PCP e Bloco e a oposição do PSD. São mudanças que preveem: reforço de exigências para o licenciamento das agências de trabalho temporário; aumento de cauções; maior responsabilização de sócios, gerentes, diretores e administradores; multas por intermediação laboral ilegal; possibilidade de proibição de atividade em ETT e suspensão de licenças. O Bloco votou a favor destas exigências reforçadas, ressalvando ter uma posição hostil face às agências de trabalho temporário.

Melhorias nos contratos de trabalho temporário 

Foram aprovadas, com votos contra da direita, propostas do governo que fazem as seguintes alterações: quando a empresa de trabalho temporário não tenha a licença obrigatória, passa a considerar-se que o contrato de trabalho é um contrato sem termo com a empresa utilizadora, onde o trabalhador exerce a atividade (e não com empresa de trabalho temporário); alarga-se a proibição de contratos sucessivos com a mesma empresa de trabalho temporário às empresas do mesmo grupo (é comum haver várias empresas e os patrões recorrerem ao esquema de irem variando a que contrata); reduziu-se a quatro o limite para renovações do contrato de trabalho temporário (eram seis desde 2019, e antes disso não havia qualquer limite, o que permitia até contratos diários ilimitados); estabeleceram-se contra-ordenações em várias normas cujo incumprimento não tinha associada qualquer sanção. 

PS e PSD chumbaram propostas do PCP para eliminar alguns fundamentos para trabalho temporário e foi aprovada, por unanimidade, a proposta do PCP que clarifica que o trabalhador temporário goza dos mesmos direitos de quem está na empresa utilizadora, em termos de férias, subsídios de férias e natal, e outras prestações em dinheiro (é entendimento geral que tal já resultava da lei, mas assim fica sublinhado no Código).

Aperto do crivo para contratação a prazo impedido pelo PS

Foram chumbadas pelo PS e pela direita todas as propostas do Bloco para limitar os fundamentos dos contratos a prazo, para reduzir a sua duração e para revogar os contratos de muito curta duração (contratos verbais, sem direito a compensação).

Proibição de sucessão é alargada aos contratos com a mesma atividade

Foi aprovada uma proposta relativa a contratos a prazo, da autoria do Governo, que impede a sucessão de contratos não apenas para o mesmo posto de trabalho, como já estava na lei, mas também para a mesma “atividade profissional”, evitando assim que se finja que se trata de outro posto sendo a atividade a mesma. Foi ainda incluída nesta proibição de sucessão o recurso a “prestação de serviços”, combatendo-se assim a fuga ao impedimento de ter sucessivos contratos a prazo através da alternância entre contrato a prazo e recibo verde. A proposta do governo teve os votos favoráveis do PS, do PCP e do Bloco. PSD e IL votaram contra.

“Compensações por contrato a prazo voltam a valor pré-troika”

Foi aprovada a correção do suposto erro da proposta do governo que acabaria com a obrigatoriedade de pagar compensação pelo fim do contrato a prazo, quando este termine por verificação do prazo estabelecido. Esta clarificação, colocada na lei em 2019, na sequência do grupo de trabalho contra a precariedade criado quatro anos antes entre PS e Bloco, cairia agora, privando milhares de trabalhadores desta compensação. Perante a denúncia pública feita por um grupo de juristas e a insistência do Bloco, o PS validou a correção, mantendo-se a atual redação da norma (versão de 2019) e aumentando a compensação dos atuais 18 dias por cada ano trabalho para o valor pré-troika (24 dias - ou nessa proporção, se contratos forem inferiores a um ano).

Quem contrata também tem de pagar Segurança Social

A co-responsabilização das entidades contratantes pelo pagamento de uma parte da segurança social dos trabalhadores independentes (entre 7% e 10%) é alargada às entidades que beneficiem da atividade de empresários em nome individual e de empresas unipessoais (titulares de estabelecimento individual de responsabilidade limitada).

 O objetivo desta norma é impedir a fuga em direção a estas duas figuras legais por parte de entidades que assim se isentam de assumir estas responsabilidades contributivas, dinâmica que vem na sequência das obrigações contributivas para entidades contratantes negociadas entre Bloco e PS em 2018.

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Neste dossier:

Trabalho digno? Mudanças importantes sobre fundo de estagnação

Ao longo de cinco meses e mais de vinte reuniões, o Parlamento debateu a alteração às leis laborais. As confederações patronais mostram-se zangadas com o resultado e ameaçam romper o acordo que António Costa lhes ofereceu, embrulhado numa inédita borla fiscal, em outubro passado. O governo andou aos ziguezagues entre a pressão dos patrões e as exigências da esquerda. O resultado final é agora conhecido. 

Parlamento aprova alterações às leis laborais

A chamada Agenda do Trabalho Digno foi aprovada com votos do PS e abstenção do PSD. Bloco sublinha que voto contra não desvaloriza alterações para as quais contribuiu decisivamente mas “dá expressão política ao repúdio pelo bloqueio do PS a mudanças estruturais” de que depende o reconhecimento da dignidade do trabalho em Portugal.

Algumas mudanças, mantendo o desequilíbrio

O deputado José Soeiro, que conduziu a intervenção do Bloco no processo de alteração às leis do trabalho, apresenta dez notas para um balanço desta reforma laboral.

PS e direita juntos contra mudanças de fundo

No essencial, permanecem intocados os cortes da troika nas férias, no trabalho suplementar e no descanso compensatório. O mesmo para bancos de horas e adaptabilidades de horário, exceto para trabalhadores com filho menor até três anos ou com filho com deficiência ou doença crónica. PS e PSD voltam a adiar aplicação das 35 horas semanais no privado.

Patrão dos patrões despede-se com carta a atacar as propostas do Bloco nas leis laborais

Na carta enviada aos empresários, o líder da CIP aponta baterias às propostas que o Bloco conseguiu aprovar na discussão na especialidade da Agenda do Trabalho Digno. A irritação de António Saraiva "mostra que os patrões estão muito mal habituados pelo Governo", diz o deputado bloquista José Soeiro.

O longo pavor do PS perante o lóbi das plataformas digitais

Prevaleceu o reconhecimento do direito ao contrato de trabalho com as plataformas, incluindo TVDE. A imposição de contrato com intermediários fica sujeita a decisão em tribunal. Empresas são obrigadas a informar trabalhadores sobre uso de algoritmos e inteligência artificial. Marcada pelo intenso lóbi das plataformas, a elaboração da nova lei foi uma novela de avanços e recuos do PS sobre uma questão central: a figura do intermediário, alma deste negócio. PS defendeu nada menos do que quatro posições diferentes. PCP também foi mudando.

Parlamento Europeu aprova negociação sobre regulação laboral das plataformas digitais

A maioria dos eurodeputados votou a favor do mandato de conversações com os Estados-membros sobre o vínculo laboral dos trabalhadores das plataformas digitais. "A diretiva estabelece o que todos sabíamos: o trabalho de plataformas é trabalho. Agora tem de ser trabalho com direitos", afirmou o eurodeputado do Bloco José Gusmão.

O novo artigo 12.º-A e a presunção de laboralidade do trabalho nas plataformas digitais

É bastante positivo que o Direito do Trabalho acolha estes novos prestadores de serviços via plataformas no seu seio, construindo um regime laboral próprio e ajustado às características destas novas formas de prestar serviços. Mas, sublinhamos, um regime laboral. Artigo de Teresa Coelho Moreira.

Teletrabalho: contratos definirão despesas a reembolsar

Foi uma das vitórias do Bloco neste processo. O acréscimo de despesas do trabalhador em teletrabalho terá, por regra, uma compensação mensal fixa, inscrita no contrato, individual ou coletivo. Se for aferido por comparação de faturas, esse valor resultará da comparação com o mês homólogo em trabalho presencial e não com o do ano anterior. Pagamento obrigatório de subsídio de alimentação não foi aprovado.

Compensações por despedimento: PS cede aos patrões

Com o apoio da direita, PS chumbou as propostas para reposição da regra de 30 dias de compensação por cada ano trabalhado. Única mudança já era curta - aumento de 12 para 14 dias - e ficou insignificante quando o PS cedeu aos patrões, e recuou na sua própria proposta de aplicação dos 14 dias ao trabalho prestado desde 2014. Mantém-se a regra indigna que impede o trabalhador de contestar um despedimento ilícito se já tiver recebido a compensação. 

360 graus: após tentativa de recuo, PS regressa a medida do Bloco

Depois de ver aprovada a proibição da renúncia dos créditos sobre salários ou subsídios por parte dos trabalhadores no fim do contrato, o líder dos patrões protestou e o PS voltou atrás. Depois prometeu voltar a aprovar a medida, com uma nuance.

Contratação coletiva alargada aos trabalhadores em outsourcing, mas caducidade continua

PS remete tudo para arbitragem: sem acordo, as confederações passam a poder requerer que a convenção coletiva se prolongue até decisão em tribunal arbitral; este validará, ou não, os fundamentos invocados pelos patrões para a denúncia da convenção. Chumbada a reposição da regra, em que, na ausência de acordo, mantinha-se as convenções em vigor, a caducidade dos contratos permanece, embora mitigada pela possibilidade de evitar vazios através de arbitragem.

Contratação coletiva e arbitragem na “Agenda do Trabalho Digno”

Jurista e professor da Universidade de Coimbra, João Leal Amado valoriza duas alterações à lei: a obrigatoriedade de fundamentação da denúncia da convenção coletiva, que passa a precisar de confirmação por tribunal arbitral, e a atribuição às associações sindicais ou patronais do direito de, na ausência de acordo para nova convenção, requererem a arbitragem necessária e assim manter a sobrevigência da convenção até decisão arbitral.

Trabalho temporário e contratos a prazo: precariedade não se resolve com ajustes

As agências de trabalho temporário lucram com o aluguer de trabalhadores a outras empresas. É uma atividade que não deveria existir, nem estar legalizada. A informação sobre necessidades de mão de obra deveria ser prestada como serviço público, a partir de  instituições como o IEFP, que deveriam ser reconfiguradas para a poderem realizar sem prejuízo para os trabalhadores. São, por isso, positivas todas as medidas que introduzem formas de controlo e limitações às ETT. Compensações por contrato a prazo voltam a valor pré-troika.

Serviço Doméstico: ainda fora do Código mas com menos discriminações

Apesar de chumbada a necessária integração no Código do Trabalho, a revisão da lei do serviço doméstico eliminou discriminações sobre subsídio de natal, horário semanal, repouso noturno, feriados e compensação na cessação de contrato a prazo. Discriminação mantém-se na proteção social e no subsídio de desemprego.

Trabalhadores por turnos e noturnos ficam sem resposta

Quase um quinto das pessoas que trabalham fazem-no por turnos mas o PS recusa qualquer mudança na lei que regula este pesado regime de trabalho. Quanto à licença para laboração contínua, são permitidos motivos que qualquer empresa poderá alegar. Portugal continuará a ter fábricas de rolhas ou de batata frita a operar 24/24 horas.

Cuidadores: nova licença anual de cinco dias terá regras muito apertadas

A licença anual, não remunerada, terá de ser marcada com antecedência de dez dias e gozada numa única vez. Outras normas reconhecem direitos: a horário flexível, a proteção em caso de despedimento, a dispensa de prestação de trabalho suplementar e ao trabalho a tempo parcial, embora por apenas quatro anos.

Reforma das leis laborais: um balanço provisório

Henrique Sousa regista que esta reforma não elimina ou enfraquece direitos dos trabalhadores - dado o histórico -, embora falhe numa ambição reformista mais exigente. A crítica maior é ao que não está e devia estar e à oportunidade assim perdida de se ir mais longe. Agora será preciso vencer, pela acção colectiva, muita inércia, rotina e a resistência patronal nas matérias em que há avanços.

Sindicatos com mais direitos, novos mecanismos de inspeção

Sindicatos poderão entrar nas empresas mesmo que lá não haja sindicalizados. Autoridade para as Condições do Trabalho, Fisco e Segurança Social poderão cruzar dados no combate à precariedade. ACT e Ministério Público passam a poder suspender despedimentos ilícitos. Mesmo depois dos escândalos sobre abusos contra trabalhadores imigrantes na agricultura, PS chumba proposta que responsabilizaria empresas utilizadoras pelos abusos cometidos por intermediários sobre trabalhadores ao serviço daquelas.

Proibidos estágios abaixo do salário mínimo

Estagiários passam a beneficiar de cobertura integral na segurança social. Em contrapartida, mantém-se o alargamento do período experimental - símbolo do compromisso de António Costa com a precariedade -, apenas com mínimas alterações. Mais informalidade também na contratação de estudantes em período de férias, ficando dispensado qualquer escrito.

Mais uma oportunidade perdida no apoio à parentalidade

PS fez um truque de publicidade enganosa sobre o aumento da licença parental exclusiva do pai. PS e direita chumbam propostas para promover amamentação e proteger pais de bebés prematuros.