As “aldeias de tendas” são a forma de luta encontrada pela Resistência Popular palestiniana para combater a instalação de novos colonatos nos territórios ocupados, anunciada pelo governo israelita. Para os ativistas palestinianos, cada aldeia é uma “declaração do nosso direito, enquanto palestinianos, de regressar às nossas terras e aldeias” e de “afirmar a soberania sobre as nossas terras sem pedir permissão a quem quer que seja”.
A primeira destas aldeias nasceu em janeiro deste ano e recebeu o nome de Bab al-Shams, que significa “Porta do Sol”. Foi erigida em território de propriedade de palestinianos, mas que está dentro de uma faixa demarcada pelas autoridades israelitas entre a Cisjordânia e Jerusalém. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou no final de 2012 a intenção de construir nesta faixa de terreno, que está classificada como “E-1”, 3.000 residências de colonos, o que terá como consequência separar completamente Jerusalém do resto da Cisjordânia.
Bab al-Shams durou apenas alguns dias, antes de a polícia e o Exército de Israel a desmantelarem à força, mas o exemplo vingou e quando, no mês de março, o presidente dos Estados Unidos esteve em Israel, numa visita que incluiu uma passagem-relâmpago pela Cisjordânia, já existiam outras aldeias de tendas e uma delas, a de Ahfad Younis, fora expressamente montada numa colina perto de Jerusalém, onde os ativistas exibiram cartazes que diziam: “Obama: está do lado errado da História” e “Obama: prometeu esperança e mudança – deu-nos colonatos e apartheid”.
Construída nas imediações da pioneira Bab al-Shams, Ahfad Younis foi desmantelada no dia 24 de março, numa ação da polícia israelita em que foram presos Mustafa Barghouti, presidente da Iniciativa Nacional Palestiniana, e outros três ativistas. Todos foram libertados horas depois.
Manifestações semanais
A instalação das aldeias de tendas vem na sequência de outra forma de luta, a das manifestações semanais, levada a cabo em diversas localidades da Cisjordânia, para denunciar o arbítrio e a apropriação ilegal de terras pelos colonos judeus ou como consequência da construção do infame muro que supostamente serviria para garantir a segurança dos colonatos.
O exemplo mais antigo desta luta de paciência, determinação e persistência vem da aldeia de Nabi Saleh, onde vivem cerca de 550 palestinianos. Em 2008, colonos vindos de Halamish, um colonato das imediações, cercaram e expropriaram uma fonte de água situada em terras de propriedade de habitantes palestinianos da aldeia, contando com o apoio do Exército israelita.
Halamish foi fundado por membros do grupo nacionalista messiânico Gush Emunim em 1977. A fonte pertencera por gerações aos habitantes de Nabi Saleh e de outra aldeia vizinha, mas no verão de 2008, jovens do colonato construíram a primeira de uma série de piscinas e reservatórios para desviar as suas águas. Em 2009, começaram as manifestações do povo de Nabi Saleh, sempre às sextas-feiras, depois das orações do meio-dia, que denunciam não só a apropriação ilegal da fonte como também todo o sistema de controlo que Israel mantém na região – permissões de passagem, postos de controlo, muros, prisões.
Desde então, não houve uma só sexta-feira em que não se realizassem protestos, e a aldeia tornou-se num exemplo nacional de resistência e combatividade. Mais de cem dos seus habitantes já foram presos, mas cerca de uma dúzia de outras aldeias da Cisjordânia seguiram o seu exemplo.
Todas as sextas-feiras, os habitantes saem em cortejo do centro da aldeia em direção à fonte – que fica distante menos de um quilómetro. E todas as sextas-feiras os soldados israelitas barram-lhes o caminho com gás lacrimogéneo, balas de borracha e jatos de um líquido conhecido como “skunk”, com uma composição química que exala um cheiro muito forte a fezes. Parece incrível, mas é a pura verdade.
Ao fim de quatro anos de manifestações, a posse da fonte ainda não foi obtida, mas há outros casos em que a mesma tática resultou. Foi o caso de Budrus, a 20 minutos de Nabi Saleh, que em 2003 corria o risco de ver cortado o acesso ao resto da Cisjordânia pelo muro do apartheid. Os seus habitantes começaram a manifestar-se, ganharam o apoio de ativistas israelitas e estrangeiros, e Fatah e Hamas uniram-se no apoio à sua causa. O exército reagiu à bruta, mas, ao fim de 55 manifestações (!) o governo israelita acabou por ceder e desviou o trajeto do muro. O triunfo fez com que a tática passasse a ser seguida por outras aldeias, e formou-se mesmo uma coordenação, a Resistência Popular.
Não se pense porém que, por ser uma forma de luta de massas, não-violenta, esta tática é menos arriscada. O exército israelita teme-a e não sabe lidar com ela, reagindo quase sempre com extrema violência. Mais de 20 pessoas já foram mortas pela repressão às manifestações. Em Nabi Saleh, Rushdi Tamimi foi morto em dezembro de 2012, cerca de um ano depois de Mustafa Tamimi, ambos quando participavam em manifestações pacíficas
Governo é dos colonos
A expansão dos colonatos judaicos na Cisjordânia voltou à ordem do dia depois das últimas eleições de janeiro em Israel e a formação do novo governo de Netanyahu, após complicadas negociações. No entender de Sérgio Yahni, do Centro de Informação Alternativa, o governo de Israel já não é só um gabinete pró-colonatos: os próprios colonos tomaram conta do governo.
Acontece que os colonatos – junto com as estradas de acesso, as bases militares e as zonas de treino – já cobrem 60% do território da Cisjordânia, transformando as cidades palestinianas em bantustões, cantões isolados sem qualquer continuidade geográfica. Como esperar que daqui possa sair qualquer Estado palestiniano? Ora, não contente com isso, o novo governo de Netanyahu prepara-se para mais uma expansão.
A nova coligação de governo é composta pelo Leikud-Beiteinu, de Netanyahu, pelo Yesh Atid, um partido liberal dirigido pelo ex-jornalista Yair Lapid, pela formação de extrema-direita Casa Judaica, do milionário Naftali Bennet, e também pelo novo partido liderado pela ex-ministra dos Negócios Estrangeiros Tzipi Livni. Esta grande coligação garante ao governo o apoio de 68 dos 120 deputados do Knesset (Parlamento).
Na distribuição de cargos do novo gabinete, o Ministério da Construção e Habitação ficou com a Casa Judaica, representada por Uri Ariel, um percursor dos colonatos judaicos nos territórios ocupados desde que foi viver no colonato de Mishor Adumim, em 1975. No seu currículo consta a participação no Amana, o movimento de colonos ligado ao grupo religioso Gush Emunim, e o cargo de secretário-geral do Conselho Yesha, a organização que representa todos os colonatos judaicos na Cisjordânia. Agora no governo, cabe-lhe o planeamento das promoções imobiliárias do Estado para oferecer habitação barata aos cidadãos israelitas. Desde 1967 que este ministério é o responsável por planear os projetos de construção de colonatos na Cisjordânia, em Jerusalém oriental e nas colinas do Golan, ocupadas à Síria.
Visita de Obama e colonatos
Em março, dias depois da posse do novo gabinete de Netanyahu, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez uma viagem oficial a Israel, com direito a uma visita-relâmpago aos territórios ocupados. Foi um exemplo de retórica vazia, com declarações rituais sobre a paz e sem quaisquer propostas concretas. Também aqui, a questão dos colonatos ocupa um lugar central: mesmo a ala mais conciliadora das lideranças palestinas recusa-se a negociar seja o que for diante da ameaça de instalação de novos colonatos.
É certo que Obama disse que “os israelitas têm de reconhecer que a contínua construção de colonatos é contraproducente para a causa da paz”. Mas, afirma o site “Palestine Monitor” em editorial, “a sua declaração sobre os colonatos é talvez a mais hipócrita de todas. Por pressão da administração Bush, toda a construção da área de colonatos E-1 foi interrompida em 2007, mas agora que Obama está no poder, não só deu aprovação tácita à construção de 3.000 novas unidades habitacionais na área E-1, como a sua administração culpou os palestinianos pela decisão de construir novos colonatos.”
“A porta-voz do Departamento de Estado Victoria Nuland”, prossegue o editorial, “disse numa conferência de imprensa que os palestinianos 'provocaram' Israel a aprovar a construção de colonatos. Referindo-se ao voto das Nações Unidas sobre o estatuto da Palestina, Nuland disse: 'No contexto da atuação em Nova York, havia o risco de a ação causar reação', declarando em essência que a exigência dos palestinianos de serem reconhecidos como Estado é a verdadeira razão da luz verde para a construção de novos colonatos.”
Isto é: para a administração Obama, a insistência dos líderes palestinianos de obter o estatuto de Estado observador na ONU para a Palestina legitima a expansão dos colonatos! Recorde-se que apenas votaram contra esse estatuto, na Assembleia Geral, nove países: Israel, Estados Unidos, Canadá, República Checa, Panamá, Palau, Nauru, Micronésia e Ilhas Marshall.
Ainda sobre a visita de Obama, o ativista pacifista Uri Avnery observou que enquanto Obama soube usar todas as palavras e atitudes adequadas para agradar aos israelitas, fez exatamente o oposto em relação aos palestinianos. O exemplo mais gritante foi ter visitado a sede da Autoridade Palestiniana, a célebre Mukata, e nem se ter detido diante do túmulo de Yasser Arafat, que fica logo à entrada do edifício.
Diz Avnery: “foi como cuspir na cara de todo o povo palestiniano. Imaginem um dignitário estrangeiro visitar a França e não pôr flores no túmulo do Soldado Desconhecido. Ou ir a Israel e não visitar o Yad Vashem. É mais do que insultar. É estúpido.”
O histórico pacifista israelita recorda que Arafat é, para os palestinianos “o que George Washington é para os americanos, Mahatma Gandhi para os indianos, David Ben-Gurion para os israelitas. O Pai da Nação”. O que explica então a atitude de Obama? É que “Arafat foi demonizado em Israel como nenhum outro ser humano desde Hitler, e ainda é. Obama, explica Avnery, simplesmente temia a reação israelita. “Depois do seu grande sucesso em Israel, temia que esse gesto desfizesse o efeito do seu discurso ao povo israelita”.
Unidade Fatah-Hamas marca passo
Diante de uma nova ofensiva do governo Netanyahu, com o apoio tácito da Casa Branca, o povo palestiniano não abandona a resistência, mas não encontra uma liderança à altura para conduzir a sua luta. O anúncio, em maio de 2011, de um acordo entre a Fatah, que controla a Autoridade Palestiniana, e o Hamas, que detém o governo de Gaza, suscitou esperanças de que a divisão fosse ultrapassada e os palestinianos voltassem a escolher um governo unificado para os territórios ocupados. De que serve a vitória que significou o reconhecimento pela ONU da Palestina com estatuto de Estado observador – saudada por todas as facções – se não há um governo unificado?
Infelizmente, a unidade não avança. Um novo acordo de concretização foi assinado em Doha, em fevereiro de 2012, apontando para a realização simultânea de eleições na Cisjordânia e em Gaza, e a formação de um governo de unidade; se houvesse atraso no processo eleitoral, deveria ser constituído um governo de unidade chefiado por um independente que reunisse consenso entre as facções. Mas, mais uma vez, o acordo, que apontava para eleições até maio de 2012, não saiu do papel. Em janeiro de 2013, novo encontro entre os principais líderes das duas facções ocorreu no Cairo. Desta vez, foi acompanhado por sinais de boa vontade de ambas as partes: pela primeira vez desde 2007, a Fatah pôde fazer um grande comício em Gaza, e o Hamas comemorar o aniversário da sua fundação na Cisjordânia. Mas, três meses depois, o acordo volta a marcar passo.
Desde que foi anunciada a unidade Fatah-Hamas, Benjamin Netanyahu opôs-se-lhe violentamente, afirmando que a Autoridade Palestiniana tinha de escolher entre o acordo de paz e a unidade com o Hamas. Fraco argumento, já que não existe qualquer acordo de paz. A administração Obama também anunciou uma posição contrária à unidade da liderança palestiniana.
A Intifada já começou?
Já há mais de um ano que analistas de diversos quadrantes discutem se não está prestes a começar uma terceira Intifada, uma nova revolta palestiniana generalizada contra o apartheid israelita. A primeira Intifada, a “revolta das pedras”, começou em 1987 e durou até 1991, ou, segundo alguns, até 1993, quando foram assinados os acordos de Oslo. A segunda Intifada começou em setembro de 2000 e só terminou em meados de 2005. Diante da atual situação de bloqueio que sofrem todas as aspirações palestinianas, seria de esperar a eclosão a curto prazo da terceira Intifada.
Sem dúvida, diz o médico Mustafa Barghouti. Só que, para o principal dirigente da Iniciativa Nacional Palestina, a Mubadara,a terceira Intifada já começou, apenas “não está a seguir velhos modelos”, disse, numa entrevista ao site The Daily Beast (http://www.thedailybeast.com).
Barghouti aponta o crescente movimento de resistência não-violenta, que começou há dez anos com a oposição à construção do muro e que vem crescendo lenta mas consistentemente. Para ele, os analistas que desconhecem a situação no terreno pensam ainda com base nos velhos modelos: “Não conseguem ler o que está a acontecer agora”, afirma, sublinhando que partem do princípio que a terceira Intifada seria militarizada, e que Israel usaria o seu poder de fogo superior para lhe pôr fim. Estes comentadores também tendem a acreditar que a terceira Intifada seria desencadeada por ordens vindas de cima, por ser um expediente político daqueles que detêm as rédeas do poder”. Mas o que está a acontecer é diferente: nem as mobilizações são militarizadas, nem as ordens vêm de cima – as iniciativas partem das comunidades.
Barghouti enumera cinco fatores que dão motivos mais que suficientes para a revolta palestiniana: “O processo de paz está congelado e sem perspetivas de paz no horizonte. Há um aumento sem precedentes de colonatos israelitas e confisco de terras, estrangulando a ideia de um Estado palestiniano. Em terceiro lugar, há a situação económica intolerável, com uma taxa de desemprego de 70% para os jovens entre os 18 e os 26 anos. Isto deixou claro o fracasso da política de construir instituições. Também provou que a 'solução económica', advogada por Tony Blair, não tem sentido. Em quarto lugar, há a divisão interna entre a Fatah e o Hamas e a ausência de um horizonte político viável. E finalmente, a humilhação que os palestinianos sofrem às mãos dos colonos e também nos encontros com israelitas dentro de Israel, como vimos quando Haneh Emtir foi espancado em Jerusalém ocidental quando esperava o comboio”. Para o líder da Mubadara, incidentes como este só demonstram que os palestinianos vivem sob um sistema de apartheid.
Barghouti considera que, para além da denúncia do avanço dos colonatos e do confisco de terras, a causa unificadora atual é a dos prisioneiros palestinianos em prisões de Israel.
Mais que nunca, a causa palestiniana precisa de solidariedade e mobilização internacional. A esquerda não pode esquecer a Palestina.