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Paz sem Terra: os colonatos de Jerusalém Oriental e o processo de paz mediado pelos EUA

A construção destes novos colonatos em Jerusalém Ocidental pode suspender o retomar das conversações entre os dois governos. No entanto, a questão maior é se o próprio processo alguma vez quis debruçar-se sobre uma resolução justa do conflito. Por Sam Gilbert
Protesto durante a visita de Barack Obama. Foto de Noam Moskowitz, The Israel Project

Na quarta-feira, 19 de maio de 2013, Israel anunciou a construção de mil novas casas para colonos em Jerusalém Oriental. A declaração chegou menos de uma semana depois da mais recente visita do senador John Kerry à região, com o objetivo de retomar as conversações entre palestinianos e israelitas. De acordo com a Aljazeera English, o plano de Israel para construir 800 novas unidades em Gilo e 300 em Ramot foi comunicado aos média pelo ministro israelita da Habitação e Construção.

O anúncio chegou dias depois de Kerry ter apelado a Israel para evitar a tomada de quaisquer medidas “provocatórias”. Os EUA condenaram ações daquele país como “contraproducentes” para o processo de paz.

Muitos palestinianos veem a nova construção e o momento da informação como uma prova da tentativa israelita de minar o processo de paz antes de ele começar. Em resposta, o negociador chefe palestiniano, Saeb Erekat, disse: “Consideramos que a recente decisão do governo israelita de construir mil casas em Jerusalém Oriental destrói efetivamente os esforços de Kerry.”

Israel alega que estes colonatos estão na “calha” desde há anos e que os palestinianos estão a usar este anúncio como pretexto para não iniciar as conversações de paz. “Os palestinianos continuam à procura de desculpas para escapar às negociações”, declarou um representante israelita ao Jerusalem Post na sexta-feira. “Neste caso também, correram para o microfone com velhos argumentos reciclados e dados incorretos em vez de fazerem o básico – sentarem-se e conversar sobre todos os temas.”

Desde há muito que os negociadores palestinianos afirmam que as conversações de paz, cujo objetivo é o estabelecimento de dois Estados para dois povos, não pode, em boa fé, continuar enquanto Israel continua a sua campanha de colonatos que minam a integridade territorial e demográfica de um futuro Estado palestiniano.

Colonatos

Os colonatos são considerados o grande obstáculo à paz pois destroem sistematicamente o objetivo final de todo o processo: uma solução de dois Estados. De acordo com a missão da ONU de 2012 para investigar o Impacto dos Colonatos Sobre os Palestinianos, “o estabelecimento de colonos nos Territórios Ocupados da Palestina é uma mistura de construção e infraestruturas que conduz a uma anexação lenta e impede a construção de um Estado palestiniano contíguo e viável, o que mina o direito do povo palestiniano à autodeterminação.”

As quase 1100 novas unidades em Ramot e em Gilo refletem a política israelita em Jerusalém Oriental para criar um “balanço demográfico”, 60/40 a favor dos residentes judeus, através da sua inserção em áreas predominantemente palestinianas e estabelecendo, ao mesmo tempo, uma camada periférica que corte as ligações da cidade com o resto da Cisjordânia1. Considerando que uma solução de dois Estados depende de a capital ser contígua ao resto do país, a política dos colonatos constantes e os esforços permanentes de Israel para cortar Jerusalém Oriental da Cisjordânia prejudicam a validade, já questionável, da solução de dois Estados.

Paz ou Processo?

Estes “factos no terreno” levaram muitos a tornarem-se severamente céticos relativamente ao próprio processo de paz. Desde os históricos Acordos de Oslo em 1993, a população de colonos nos territórios ocupados mais do que duplicou e a barreira de separação atinge agora as profundezas da Cisjordânia, rodeando colonatos e anexando funcionalmente grandes áreas a Israel. De acordo com o historiador do Médio Oriente e conselheiro de negociações em Oslo, Rashid Khalidi, “[o processo de paz] nunca foi destinado a obter um Estado palestiniano. Nunca foi desenhado para acabar com a ocupação. Foi desenhado por, e logo quem, Menachem Begin, de maneira a tornar permanente o controlo de Israel sobre os territórios ocupados. E foi isso que sucedeu até agora.

Amer, um estudante de 27 anos na Universidade Birzeit, ecoa este sentimento. “Toda a minha vida ouvi falar do processo de paz, das conversações. Nós (palestinianos) ouvimos isto mas escutamos com os nossos olhos. E o que eles me mostram é que a ocupação; os colonatos, as vedações e os muros, continuam a crescer. Israel nunca quis a paz e os palestinianos não precisam de paz. Precisamos da Palestina!”

Quando questionado sobre os esforços de Kerry sobre a retomada de negociações, Amer riu, “Não sabem que os EUA têm 51 Estados? Israel é o mais novo, adicionado em 1948.” Este reconhecimento do apoio ideológico, económico e militar a Israel levam muitos a duvidar da sinceridade da posição norte-americana como um mediador imparcial para a paz. Desde a criação de Israel, os EUA já vetaram 50 vezes no Conselho de Segurança para proteger Israel do escrutínio internacional2. Isto além dos 155 mil milhões de dólares em ajuda desde a sua criação (o país que mais recebeu em todo o mundo)3 torna a posição dos EUA de “negociador honesto para a paz” difícil de aceitar para os palestinianos como Amer.

A construção destes novos colonatos em Jerusalém Ocidental pode suspender o retomar das conversações entre os dois governos. No entanto, a questão maior é se o próprio processo alguma vez quis debruçar-se sobre uma resolução justa do conflito, ou apenas uma forma de o gerir? O que é claro é que cada novo colonato diminui a solução dos dois Estados enquanto os palestinianos e também os israelitas esperam para ver qual será o futuro das suas nações ou da sua nação.

1 de Junho de 2013

Publicado em Palestine Monitor

Tradução de Sofia Gomes para o Esquerda.net

1 “Report of the Independent International fact-finding mission to investigate the implications of the Israeli settlements on the civil, political, economic and cultural rights of the Palestinian people throughout the Occupied Palestinian Territory, including East Jerusalem.” Human Rights Council. 22 session, Agenda item 7

2 Aruri, Naseer. “United States policy and Palestine: Oslo, the intifada and Erasure.” Race and Class. 52.3 (2011): page 3-20.

3 Khalidi, Rashid. Brokers of Deceit: How the US has undermined peace in the Middle East. Boston, MA: Beacon Press, 2012.

(...)

Neste dossier:

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Artigo publicado originalmente na revista Vírus nº3.

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