O que foi alcançado pela Fatah? Não muito

Depois de anos e anos de negociação e compromisso com o Estado de Israel, os palestinianos estão mais distantes do que nunca de obter o seu próprio Estado, afirma Arafat Shoukri, Diretor Executivo do Centro de Retorno Palestiniano (PRC) e Presidente da Campanha Europeia para Acabar com o Cerco a Gaza. Entrevista de Ricardo Sá Ferreira

10 de junho 2013 - 7:58
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É difícil imaginar que a comunidade internacional tolerará um sistema de apartheid em Israel para sempre.

Depois do último bombardeamento em Gaza em Novembro de 2012, houve eleições em Israel. Como é que vês a reeleição do Benjamin Netenyahu?

 

De forma quase irónica o Benjamin Netenyahu parecia ter perdido apoio eleitoral após a ofensiva militar em Gaza. Muitos comentadores sugeriram que a operação militar era uma forma de distrair os votantes israelitas dos imensos problemas sociais económicos que assolam Israel. Mas grande parte dos israelitas não conseguiram entender o que foi alcançado pelo conflito ou sequer quais eram os seus objetivos.

No que diz respeito à reeleição do Benjamin Netenyahu, é óbvio que não é uma coisa boa, tanto para a Palestina como para Israel. Netenyahu demonstrou, mais uma vez, que não está comprometido com a paz ou interessando na implementação de uma solução de dois Estados. Apesar de ele ter publicamente anunciado o apoio a uma solução de dois Estados, na realidade ele tem feito tudo ao seu alcance para evitar a sua realização. Isso fica mais evidente na constante expansão de colonatos ilegais, que tornam a formação de um Estado palestiniano geograficamente impossível.

Israel não poderia pedir uma liderança palestiniana mais moderada do que a de Mahmoud Abbas e Salam Fayyad, ambos recentemente elogiados pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama como «verdadeiros parceiros na paz». Mesmo assim, Netenyahu não conseguiu progredir no processo de paz. Tudo isto faz com que seja difícil vê-lo como pouco mais do que um obstáculo e a sua reeleição não inspira muita esperança.

Há alguma especulação de que os novos parceiros da coligação do Netenyahu vão possibilitar a oportunidade para reabrir as negociações de paz. Contudo, deve ser salientado que em todo o espectro político israelita a questão da Palestina foi marcada pela ausência no discurso eleitoral. Os manifestos políticos dos partidos que concorreram às eleições focavam principalmente as questões sociais e económicas de Israel e o tema da Palestina e a situação dos palestinianos raramente foi abordado.

Dito isto, eu realmente espero que a influência política não passe pela extrema-direita e que negociações significativas possam ser reintegradas. Se a solução de dois Estados é para ser salva, então isto deve acontecer imediatamente.

Atualmente, qual o maior obstáculo à paz?

A principal questão que está a impedir avanços no processo de paz são os colonatos. Sem a perspetiva de uma solução de dois Estados, o futuro parece muito sombrio, de fato.

Também é preocupante constatar que a sociedade israelita se desligou do conflito. Com o muro de segurança e a pouca violência que tem havido por parte dos palestinianos, a questão da Palestina não está na dianteira do pensamento coletivo israelita. Isto é muito perigoso. A sociedade israelita criou uma falsa realidade, onde a questão palestiniana é relegada a uma outra dimensão e percecionada como um problema abstrato que não os afeta e, portanto, não precisa de ser abordada.

De forma muito sucinta, o maior obstáculo para a paz é a falta de vontade política por parte do Estado israelita. A solução para o conflito tem sido conhecida e aceite internacionalmente há vários anos. Falta é vontade política.

Mas a resolução do conflito não seria possível com o reconhecimento do Estado de Israel por parte do Hamas?

O Hamas indicou em várias ocasiões que estão dispostos a aceitar a solução de dois Estados. Por outras palavras, isto seria um reconhecimento do Estado de Israel. Quase toda gente aceita a realidade de que o Estado de Israel está aqui para ficar e não vai desaparecer.

No plano político, no entanto, é muito difícil para o Hamas reconhecer abertamente o Estado de Israel. O Hamas tem um apoio eleitoral significativo, com base na retórica de que eles continuam a rejeitar e existência de Israel. É isto que os diferencia de outros partidos políticos.

Muitos palestinianos colocam a seguinte questão: o que foi alcançado ou adquirido pelos partidos, como a Fatah, que reconheceram o Estado de Israel? A resposta é: não muito. Depois de anos e anos de negociação e compromisso com o Estado de Israel, os palestinianos estão mais distantes do que nunca de obter o seu próprio Estado. O Hamas só reconhecerá Israel quando isso se tornar internamente atraente para o seu eleitorado e quando os resultados tangíveis puderem ser, efetivamente, alcançados.

No que toca ao processo de paz, tens toda a razão em dizer que isso causa problemas significativos. Um dos principais problemas é que a comunidade internacional – principalmente os EUA e a UE - rejeita o Hamas. Isto conduziu a que o Hamas se tornasse alienado e posto de parte no processo de paz.

A solução dos dois Estados tem estado em cima da mesa de negociações desde 1967. Ainda vamos a tempo?

Acho que é necessário começarmos considerar as alternativas à solução de dois Estados. Temos de ser realistas e reconhecer que, muito em breve, senão já, esta solução é inviável.

A cada dia que passa, novos colonatos - que são ilegais - estão a ser construídos e estabelecidos, alterando as circunstâncias no terreno. Simplesmente não há espaço para um Estado palestiniano com a existência destes colonatos e o custo político de retirar os colonos é demasiado grande para Israel.

Para a concretização de um cenário de dois Estados, uma ação urgente e real é necessária agora. A comunidade internacional deve colocar pressão imediata sobre Israel, inclusive por meio de sanções, para o reconhecimento de um Estado palestiniano. Eu não posso enfatizar o suficiente a urgência da situação.

A alternativa é muito difícil.Ou temos uma solução de um estado democrático, onde os palestinianos têm direitos iguais aos cidadãos judeus, ou temos um estado de apartheid. Estas são as opções que Israel tem.

É difícil imaginar que a comunidade internacional tolerará um sistema de apartheidem Israel para sempre. Mas a concessão de direitos iguais aos palestinianos tornaria impossível a Israel manter o seu caráter  estritamente judaico. Demograficamente, os palestinianos são mais numerosos do que a população judaica. É por isso que é importante, e está no próprio interesse de Israel, garantir que um Estado palestiniano seja determinado.

As conversações entre o Hamas e a Fatah têm vindo a decorreram e parece haver um processo de reconciliação em curso. Mas, na realidade, o que significa esta mudança?

A reconciliação interna palestiniana é essencial para o processo de paz. A atual divisão interna tem sido extremamente prejudicial para a capacidade de negociação da Palestina e também para a nossa imagem internacional. Esta fratura é uma ferida que precisa ser curada, e tenho esperança nestas novas negociações entre o Hamas e a Fatah.

Esta reconciliação é também importante para que novas eleições possam ser organizadas. A Palestina deve ser democrática e a comunidade internacional tem de reconhecer as escolhas democráticas do povo palestiniano.

A Palestina foi aceite como um Estado observador não-membro das Nações Unidas. O que é que isto significa para a Palestina?

A aceitação da Palestina como um Estado observador não-membro é em grande parte simbólica, mas não deixa de ser um símbolo importante. Mesmo assim, no terreno não existe grande mudança. Os check-pointsainda estão lá, Israel ainda controla e detém todos os recursos e os palestinianos continuam a ser reprimidos. No entanto, dá à Palestina a oportunidade de levar o Estado de Israel aos tribunais internacionais. Esta é uma boa ferramenta adicional.

Mais do que tudo, porém, eu sinto que o reconhecimento foi importante para destacar o crescente afastamento de Israel da comunidade internacional. As pessoas estão  fartas da maneira como Israel tem vindo a atuar. Até mesmo países que são "amigos de Israel" estão a começar a sentir-se envergonhados e encontram-se na posição de se terem de  desculpar pelo seu comportamento. Isto é significativo. A justiça não pode ser alcançada sem o apoio da comunidade internacional.

Que papel tem a Comunidade Internacional a desempenhar na resolução do conflito?

A comunidade internacional é absolutamente necessária como um mediador para o conflito. Os EUA são, sem dúvida, o ator mais importante, mas têm sido extremamente tendenciosos em favor do Estado de Israel. É importante que outros atores globais, como a União Europeia e a Liga Árabe, se envolvam mais, a fim de fornecer algum tipo de equilíbrio.

É absolutamente claro, pelo menos com a atual direção política israelita, que a verdadeira mudança não virá sem a pressão externa. A comunidade internacional precisa de ter a certeza de que o direito internacional seja respeitado e que Israel seja responsabilizado pelas suas ações.

Qual tem vindo a ser o papel da União Europeia no meio de tudo isto?

A União Europeia (UE) proporciona uma ajuda financeira que é essencial para os palestinianos, mas isso, por si só, não resolve o conflito. Isto é apenas a assistência humanitária que prolonga o status quodo conflito.

A UE aprova imensas resoluções e declarações que criticam o comportamento e o desrespeito dos direitos humanos por parte do Estado de Israel. A fim de ter impacto, no entanto, isso precisa de ser apoiado por ações práticas e concretas. A UE é o maior parceiro comercial de Israel, e Israel também recebe uma grande quantidade de investimento e financiamento na área da investigação e do desenvolvimento. A UE deve usar isto como uma alavanca para colocar pressão sobre Israel para se comprometer com o processo de paz.

Na realidade a UE continua a desenvolver negócios e a apoiar o Estado de Israel.

Apesar das críticas extremamente duras ao Estado de Israel por parte de atores europeus, no final de 2012 a UE atualizou as relações comerciais com Israel, o que foi muito controverso . Isso foi extremamente dececionante e enviou a mensagem errada tanto para o Estado de Israel como para os palestinianos. É por isso que apelamos aos cidadãos da UE a apoiar a iniciativa de boicotar produtos israelitas, especialmente aqueles de vêm dos colonatos.

Muitas organizações de direitos humanos condenam o Estado de Israel pela detenção sistemática e ilegal de palestinianos. Não é algo que ouvimos falar em Portugal, podes desenvolver este assunto?

Existem atualmente 4812 presos políticos palestinianos em prisões israelitas, incluindo 219 crianças. Israel aprisiona crianças a partir dos 12 anos de idade, geralmente por pequenos delitos, como o arremesso de pedras. É prática corrente a detenção de palestinianos a meio da noite, que envolve soldados israelitas que invadem as suas casas e os levam para longe de suas famílias. Isso é traumatizante, tanto para as crianças como para a sua família.

Israel sistematicamente prende e detém palestinianos como estratégia para incutir o terror e manter a repressão. Figuras nacionais, como desportistas e membros do parlamento, são frequentemente um alvo para serem detidos. Atualmente, existem 15 membros eleitos do Conselho Legislativo Palestiniano (CLP) em prisões israelitas. Nove destes membros da CLP estão mantidos sob o que é designado por detenção administrativa.

Uma detenção administrativa significa que Israel pode prender e deter qualquer palestiniano sem qualquer sentença, prova material ou qualquer testemunho. Os palestinianos são, muitas vezes, detidos desta maneira e esta não é uma prática nova, é uma prática sistemática que já dura há vários anos. Os prisioneiros ficam sem qualquer acesso a advogados ou a qualquer tipo de representação legal.

Nas prisões os prisioneiros deparam-se com situações de negligência médica, que regularmente levam à morte. No mês passado, dois prisioneiros palestinianos morreram nas prisões israelitas. Adicionalmente, são negadas visitas da sua família e direitos básicos, como acesso a instalações de aprendizagem. Isso tudo vai contra a Convenção de Genebra dos Direitos Humanos.

Também está documentado que Israel usa técnicas de tortura, como a privação sensorial e posições de stresse, durante o interrogatório. Eles também ameaçam as famílias daqueles e daquelas que estão a ser interrogados, com o objetivo de forçar confissões.

Recentemente, o foco dado ao Médio Oriente tem-se deslocado para o conflito na Síria. Acha que a situação na Síria terá um impacto nas relações entre Israel e  a Palestina?

A proximidade geográfica da Síria significa que ela irá, sem dúvida, afetar tanto Israel como a Palestina. É a turbulência política que causa incerteza e que é sempre desestabilizadora.

Uma grande preocupação que sentimos é que a Síria vai distrair a atenção internacional para longe do conflito israelo-palestiniano. É importante lembrar, porém, que a Síria abriga mais de 500 mil refugiados palestinianos. Os palestinianos estão presos na violência, apesar de serem em grande um agente neutro no conflito. Mais de 200 mil palestinianos foram deslocados internamente dentro da Síria e muitos outros fugiram para países vizinhos. O Líbano, por exemplo, acolheu mais de 30 mil refugiados palestinianos vindos da Síria. Estes refugiados precisam urgentemente de assistência humanitária e de alívio por parte da comunidade internacional. Estão a viver em campos miseráveis, num estado de pobreza absoluta.

No contexto mais amplo dos refugiados sírios, os palestinianos na Síria são facilmente esquecidos. Como são duplamente refugiados, a situação para os palestinianos é ainda mais difícil. Eles não são tratados da mesma forma que os refugiados sírios e não recebem a mesma assistência. Isto é mais visível na Jordânia, onde o governo fechou as fronteiras aos palestinianos - enviando-os de volta para as zonas de conflito na Síria.

Arafat Shoukri é Diretor Executivo do Centro de Retorno Palestiniano (PRC) e Presidente da Campanha Europeia para Acabar com o Cerco a Gaza, que aglomera cerca de 30 ONGs de toda a Europa. Participou em inúmeras conferências sobre a questão dos refugiados palestinianos e é comentador regular nos meios de comunicação social sobre realidade dos

refugiados. É Doutorado pela Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS), da Universidade de Londres.

Publicado originalmente na revista Vírus nº3

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