Seca: O que nos espera?

porRicardo Vicente

Portugal e os países da região mediterrânica devem preparar-se para um forte agravamento das situações de escassez de água e de seca consequentes das alterações climáticas que afetarão as gerações atuais, mesmo que se cumpra o acordo de Paris. Por Ricardo Vicente.

13 de março 2022 - 21:50
PARTILHAR
Seca em Castro Marim, camiões da Câmara transportam água, 22 de novembro de 2019 – Foto de Luís Forra/Lusa
Seca em Castro Marim, camiões da Câmara transportam água, 22 de novembro de 2019 – Foto de Luís Forra/Lusa

Segundo um relatório especial do IPCC de 2020, designado “Alterações Climáticas e Terra” (aqui), os níveis de erosão do solo decorrentes das atividades agrícolas, mesmo em agriculturas com mobilização mínima avançam 10 a 20 vezes mais rápido do que o processo de formação do mesmo.

Nas agriculturas com práticas de mobilização de solo convencionais a situação agrava-se substancialmente, com a erosão a avançar 100 vezes mais rápido do que a formação de solo, o que deve fazer soar todos os alarmes, dado que estes sistemas de agricultura são dominantes, estão a degradar rapidamente a fertilidade dos solos a nível mundial e a impedir a sua regeneração.

O relatório dá conta de que há um elevado grau de certeza de que as alterações climáticas aceleram este processo.

Entre 1961 e 2013, as terras onde há escassez de água (“drylands”) afetadas pela seca cresceram 1% ao ano, a população residente em áreas afetadas pela seca cresceu quase 200% e as zonas húmidas contraíram 30%.

Fig. 1 - Desertificação e degradação do solo. 1) População residente em áreas afetadas pela desertificação; 2) “Drylands” afetadas pela seca; 3) extensão das zonas húmidas (Fonte: IPCC, “Climate Change and Land”, 2020)

Fig. 1 - Desertificação e degradação do solo. 1) População residente em áreas afetadas pela desertificação; 2) “Drylands” afetadas pela seca; 3) extensão das zonas húmidas (Fonte: IPCC, “Climate Change and Land”, 2020)

Desde o período pré-industrial (1850-1900) até 2006-2015, o aumento da temperatura média do ar à superfície da terra (1,53ºC) foi quase o dobro do verificado para a temperatura global (0,87ºC), conforme se pode verificar na figura 2.

Fig. 2 - Alterações de temperatura observadas comparativamente a 1850-1900 (Fonte: IPCC, “Climate Change and Land”, 2020)

Fig. 2 - Alterações de temperatura observadas comparativamente a 1850-1900 (Fonte: IPCC, “Climate Change and Land”, 2020)

Desta forma aumentou a frequência, a intensidade e a duração das ondas de calor e das secas em muitas regiões, como é exemplo o mediterrâneo, onde o relatório supracitado do IPCC prevê o seu agravamento até ao final do século. Aumentaram também os eventos de precipitação extrema e as inundações à escala global. Segundo o sexto relatório do IPCC, Climate Change 2022, (aqui – segunda parte), o atual aumento da temperatura média global de 1,09ºC, é já responsável por uma redução moderada da qualidade e disponibilidade da água na região mediterrânica, prevendo-se uma escalada acentuada dos impactos com elevado grau de certeza à medida em que o aquecimento global avançar. Conforme se pode verificar na figura 3, os riscos/impactos agravam-se bastante caso o aquecimento global atinja níveis superiores a 1,5ºC.

Fig. 3 - Impacto do aumento de temperatura global à superfície na qualidade e disponibilidade de água na região mediterrânica

Fig. 3 - Impacto do aumento de temperatura global à superfície na qualidade e disponibilidade de água na região mediterrânica

Se atendermos às várias projeções do IPCC, verificamos que mesmo para os cenários mais otimistas (SSP1-1.9 e SSP1 – 2.6), que permitem o cumprimento do acordo de Paris, as previsões ultrapassam esta barreira já em 2050, o que significa que Portugal e os restantes países da região mediterrânica devem preparar-se para um forte agravamento das situações de escassez de água e de seca consequentes das alterações climáticas que afetarão as gerações atuais.

Fig. 4 – Aumento da temperatura média global à superfície comparativamente ao período 1850-1900 e previsões até ao final do século para vários cenários que dependem do aumento ou redução de emissões de gases com efeito de estufa (Fonte:  IPCC, “Climate Change 2022”)

Fig. 4 – Aumento da temperatura média global à superfície comparativamente ao período 1850-1900 e previsões até ao final do século para vários cenários que dependem do aumento ou redução de emissões de gases com efeito de estufa (Fonte: IPCC, “Climate Change 2022”)

Segundo dados do IPMA, em Portugal, desde os anos 70, a precipitação tem vindo a reduzir aproximadamente 20 milímetros por década. Segundo o Portal do Estado do Ambiente, “o valor médio de precipitação total anual em 2020 foi de 746,8 mm, o que corresponde a cerca de 85% do valor normal 1971-2000”. Na figura 5 encontram-se registadas as anomalias da precipitação anual no continente até 2020, comparativamente à normal. É de salientar que em duas décadas, houve sete anos com reduções superiores 250mm, isto é, representando quebras superiores a 30%. Sendo o sul do país muito mais vulnerável à seca do que o norte, espera-se que de um modo geral o decréscimo da precipitação anual se faça sentir principalmente na primavera, acompanhado do acréscimo de fenómenos de precipitação extrema no outono, segundo uma exposição do IPMA de janeiro de 2018 a respeito de fenómenos hidrológicos extremos.

Fig.5 - Anomalias da precipitação anual no período 1931-2020 em relação ao valor normal 1971-2000 (Fonte: IPMA 2021, em Portal do Estado do Ambiente)

Fig.5 - Anomalias da precipitação anual no período 1931-2020 em relação ao valor normal 1971-2000 (Fonte: IPMA 2021, em Portal do Estado do Ambiente)
Termos relacionados: