Confederação dos Agricultores de Portugal “vê” na seca uma oportunidade para o aumento do regadio em Portugal
A seca severa ou extrema que assola grande parte do território continental serviu de pretexto para que no início de fevereiro a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) defendesse nos principais canais televisivos generalistas1 a construção de uma “autoestrada de água do rio Douro para o Tejo, do Tejo para o Guadiana e do Guadiana para o Algarve” que mais não é de que a construção de transvases entre rios e bacias hidrográficas. E bem sabemos as consequências do transvase Tejo-Segura em Espanha.2
Pressão sobre o Governo PS
Luis Mira, secretário geral da CAP, afirmou que com o futuro Governo de maioria absoluta PS estavam criadas as condições para o aumento do regadio em Portugal (onde se inclui o Projeto Tejo)3, sendo acompanhado pela Federação Nacional de Regantes de Portugal (FENAREG)4 5 e alguns comentadores com espaço em canais televisivos.6
Projeto Tejo-aumento de regadio no Ribatejo, Oeste e Setúbal
O “Projeto Tejo - Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Tejo e Oeste” é um projeto privado que foi apresentado a 20 de fevereiro de 2018. Este projeto prevê o aumento da área do regadio na bacia hidrográfica do Tejo e Setúbal de 100 mil para 300 mil hectares dos quais 240 mil no Ribatejo, 40 mil na região Oeste e 20 mil em Setúbal.
Para cumprir este objetivo, os promotores (irmãos Campilho e Jorge Froes) propõem a construção de três açudes de 4 metros (Azambuja, Valada e Santarém) e dois de 10 metros de altura (Almourol e Abrantes (Pego), com escada passa-peixes e eclusas que pretensamente vão tornar o Tejo navegável até Belver, e com estações elevatórias que vão permitir bombar a água para as encostas da Lezíria e também da zona Oeste. O investimento total previsto é de 4,5 mil milhões de euros a realizar nos próximos 30 anos.
Apresentação e promoção do projeto
Maria do Céu Antunes, atual Ministra da Agricultura, à data presidente da Câmara Municipal de Abrantes, esteve presente na apresentação do projeto na Quinta da Lagoalva, em Alpiarça. Mostrou-se surpreendida pela escala do mesmo e avançou que iria reunir esforços para contribuir de forma a que fossem congregadas vontades entre as várias entidades. “Há que trabalhar em conjunto, e esta é a oportunidade para se discutir este assunto”, defendeu Maria do Céu Albuquerque7.
Desde 2018, os promotores do projeto desdobraram-se em apresentações. A 14 de maio de 2020 a Assembleia da Republica aprovou uma recomendação8 que no ponto 10 (proposta do PSD) recomenda ao Governo que “realize um estudo sobre o aproveitamento hidráulico do Rio Tejo para fins múltiplos”.
Maria do Céu Antunes, já como Ministra da Agricultura, avançou com o já mencionado estudo9 e o “seu” Ministério “acomoda” o Projeto Tejo na proposta “REGADIO 2030, Levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década10 , submetida a consulta pública e da qual GEOTA, a ANP|WWF, a SPEA, a LPN e o proTEJO apresentaram um parecer negativo. 11
Oposição ao Projeto Tejo
O Movimento Protejo entregou a 9 de junho de 202112, no Ministério da Agricultura, o “Memorando Por um Tejo Livre 2021”13, documento (ver aqui) que fundamenta a oposição ao projeto e de que se transcreve um extrato.
Entrega do “Memorando Por um Tejo Livre 2021” pelo Movimento Protejo, a 9 de junho de 2021, no Ministério da Agricultura – Foto Armindo Silveira
“1. Medidas que visem a recuperação ecológica do rio Tejo e de toda a sua bacia para salvaguardar a continuidade dos ciclos vitais que ditam a sustentabilidade da Vida através da conservação e recuperação da sua Biodiversidade e do seu património.
2. A integração de caudais ecológicos determinados cientificamente nos Planos de Gestão da Região Hidrográfica do Tejo implementados nas barragens portuguesas (Fratel, Belver, Castelo de Bode, entre outras) e nos pontos de controlo que atualmente estão presentes na Convenção de Albufeira, em Cedillo e Ponte de Muge;
3. A realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) pelo Ministério do Ambiente que integre o desenvolvimento de estudos de projetos alternativos com base nas metas da Estratégia para a Biodiversidade 2030 e das Diretivas Quadro da Água, Aves e Habitats, tendo em conta todas as alternativas, ambiental, financeira e tecnologicamente mais eficazes, uma politica de recuperação de custos dos serviços da água e o uso adequado do erário público considerando o custo de oportunidade destes projetos;
4. Um futuro onde os laços entre a natureza e a cultura das comunidades ribeirinhas perdurem e se reforcem com o regresso de modos de vida ligados à água e ao rio, assentes em princípios de sustentabilidade e responsabilidade, transversal a todas as atividades: piscatórias, agrícolas, industriais, educacionais, turismo de natureza, ecológico e cultural, e usufruto das populações ribeirinhas.”
Apoios setoriais e de forças políticas ao aumento do regadio e ao Projeto Tejo
Embora o combate às alterações climáticas seja mais que uma emergência, uma urgência à escala global, PS e o PSD continuam a promover um modelo de desenvolvimento económico predador e de crescimento infinito num planeta finito onde o lucro é o principal objetivo. Assim, não é surpresa alguma as suas propostas para o aumento do regadio e consequente apoio ao Projeto Tejo. O alinhamento entre PS e PSD levou mesmo o Movimento Protejo a emitir uma nota de imprensa14 denunciando esta situação.
Ainda no campo das propostas políticas, a associação “Geota” analisou os programas eleitorais das Legislativas 2022 e elaborou o documento “Legislativas 2022 – Água e Agricultura Intensiva e de Regadio” compilando as propostas políticas nas referidas áreas. Conclui-se que PS e PSD continuam alinhados mas já acompanhados pelo CDS e IL.
Além da CAP, da FENAREG e de outras associações ligadas ao setor agrícola, o silêncio de quase todos os autarcas e das comunidades intermunicipais na área abrangida pelo projeto e a quem já foi apresentado o projeto, revela o seu apoio ao aumento da área de regadio e, consequentemente, ao Projeto Tejo.
A cumplicidade, a inoperância, a subserviência e a desorientação do Governo
À conduta da Ministra da Agricultura, junta-se a inoperância e subserviência do Governo de Portugal personificado na retirada da queixa15 que tinha feito à Comissão Europeia e pelo Ministro do Ambiente ao recusar propor a revisão da Convenção de Albufeira16. E que dizer da proposta de construção de um túnel que ligue a barragem do Cabril à de Belver17?
Também a incapacidade da justiça de levar a julgamento os autores de atentados e crimes ambientais18 revela toda a incapacidade de um país para encontrar os necessários equilíbrios entre o funcionamento da economia e a sustentabilidade da vida, dos recursos naturais e dos ecossistemas .
O papel dos movimentos sociais
A luta em defesa de um rio Tejo e da sua bacia hidrográfica fonte de Vida une associações, movimentos e grupos de cidadãos que fazem parte da “Rede do Tejo/Rede del Tajo” em Portugal e Espanha. A partilha de informação e as ações conjuntas permite ter um conhecimento aprofundado dos problemas da bacia hidrográfica do Tejo à escala ibérica.
Com toda a propriedade denunciamos os efeitos nefastos do transvase Tejo-Segura, do tratamento deficitário do saneamento doméstico e industrial, da agricultura superintensiva e da criação de gado que provoca a erosão dos solos e polui linhas de água, a “captura” do rio na estremadura espanhola e portuguesa pelas empresas de produção de energia elétrica e a sua gestão puramente economicista do caudal do rio Tejo.
E exigimos um Plano Único de Gestão da Bacia Hidrográfica do Tejo; o cumprimento da Diretiva Quadro da Água; a revisão da Convenção de Albufeira; Caudais Ecológicos integrados nos Plano de Gestão das Bacias Hidrográficas; a remoção de barreiras artificiais obsoletas ou inúteis, a renaturalização de linhas de água, a remoção de espécies aquáticas infestantes e mais recursos humanos e financeiros para as entidades que têm a primazia da defesa dos recursos naturais.
"Se pretendemos resolver o problema da seca com a rega, nunca vamos ter água suficiente", alerta Mário Carvalho, professor no departamento de Agricultura da Universidade de Évora...19
Abrantes, 15 de março de 2022
Armindo Silveira, dirigente distrital de Santarém do Bloco de Esquerda
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Notas:
8 Recomenda ao Governo a revisão da Convenção de Albufeira
10 https://agricultura.gov.pt/pt/w/estudo-regadio-20%7C30-em-consulta-p%C3%Bablica-at%C3%A9-14-de-janeiro
12 https://www.geota.pt/blogs/protejo-entrega-memorando-por-um-tejo-livre-no-ministerio-da-agricultura
16 https://www.tsf.pt/portugal/politica/pedir-a-revisao-da-convencao-de-albufeira-e-ir-a-la-e-sair-tosquiado-11474495.html
17 https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/autarcas-e-agricultores-respondem-que-tunel-para-devolver-agua-ao-tejo-pode-ser-solucao-14183298.html