O trabalho é a condição de existência de todos os indivíduos.
Todos teem o dever de trabalhar imposto pela natureza.
Com os productos do trabalho de todos deve subsistir a sociedade, e com os productos do trabalho da sociedade, efeituado por todos deve subsistir cada individuo.
A massa do trabalho da sociedade, que deve constituir a sua riqueza, deve constituir a propriedade social, commum, publica.
A parte do trabalho de cada individuo constitue a sua riqueza, e a riqueza do individuo deve cons-tituir a propriedade individual.
Sendo a propriedade social por natureza commum, ou publica, a propriedade individual deve ser privada ou pessoal.
Também devem ser communs, ou publicas, as riquezas naturaes, não creadas pela sociedade, nem pelos indivíduos.
Taes são as condições de existência da sociedade justa, isto é, em que todos os indivíduos subsistem pelo seu próprio trabalho, e em que a sociedade subsiste pelo trabalho de todos; em que o producto do trabalho de cada individuo é propriedade sua, e em que o producto do trabalho de todos, ou da natureza, não é propriedade de alguém, mas sim da sociedade toda.
A constituição da sociedade injusta é diferente.
Na sociedade injusta os indivíduos não subsistem todos pelo seu próprio trabalho, e a sociedade não subsiste pelo trabalho de todos.
Uma parte da sociedade trabalha para si e para a outra parte que não trabalha, produzindo os meios de subsistência de todos os indivíduos.
Um individuo trabalha como três e mais, ou o triplo, ou pela terça parte do preço e por menos, para produzir os meios de subsistência dos indivíduos que os não produzem.
Os meios de subsistência, em que consiste toda a espécie de propriedade, são produzidos por uma parte dos indivíduos, e apropriados pela outra, que os não produz.
A riqueza, ou a propriedade, é o producto do trabalho de todos os indivíduos accumulado na mão de alguns.
Os produtores, ou creadores, da propriedade individual e publica não possuem mesmo a parte com que subsistem. Esta parte é-lhes vendida, ou arredada, pelos proprietários, que accumulam mais productos do trabalho alheio por meio das transacções mercantes, isto é, das transacções da propriedade transformada em mercadorias.
Deste modo se constitue a sociedade com os proprietários e não proprietários, com os possuidores da propriedade de todos os indivíduos e com os não possuidores, que a produzem.
A sociedade consta assim de duas classes: a dos ricos e a dos pobres ou proletários, a superior e a inferior, a dominadora e a dependente ou salariada.
Os proprietários industriosos occupam-se em fazer trabalhar os proprietários na agricultura, na fabricação e na manu factura dos meios de subsistência, isto é, da propriedade transformada em mercadorias como objecto de commercio, de viação e de jogo.
A classe dos proletários, ou miseráveis, conta também milhares de indivíduos que não produzem: taes são os mendigos e os defensores salariados da propriedade, escolhidos pelo estado d’entre os mais vigorosos: para que não a tomem aqueles que a produzem. Estes subjugam-se a si e a seus iguaes.
A sociedade injusta subsiste só pela violência, isto é, uma parte da sociedade arranca violentamente à outra a sua propriedade.
A violência existe sem manifestar-se, por ter sido no principio das sociedades policiadas estabelecidas pela força, depois attestada pelas leis, depois acceita e trasmittida por costume, pelas mesmas leis, e pela mesma força.
Na época actual os proletários, obrigados pela necessidade, constituem a sua classe de salariados, determinados a fazerem da associação um poder, que modifique as violências dos proprietários industriosos, pela proposição e estabelecimento de condições taes como:
1. Estabelecimento do dia normal de trabalho, igual quanto possível em todos os officios e em todas
as estações;
2. Diminuição do tempo de trabalho;
3. Elevação dos salários;
4. Salubridade e segurança dos logares onde se executa o trabalho;
5. Melhoramentos particulares, tanto dos salários como do tempo de trabalho, para os que exercem officios de sua natureza penosos e insalubres;
6. Extincção do trabalho de jornal nos officios em que for applicavel o estabelecimento de tabellas de preço dos trabalhos;
7. Extincção das categorias nos officios, taes como ajudantes e serventes, devendo considerar-se as divisões do trabalho não como categorias, mas como ramos e espécies do mesmo trabalho;
8. Aboliçao dos regulamentos das fabricas e manufacturas, como espécie que é de contrato unilateral, em que são partes os proprietários e os miseráveis, tendo os proprietários, como teem, liberdade de acção para despedir os trabalhadores e appelar para as leis nos casos de atentados;
9. Igualdade do tempo de trabalho e dos salários das mulheres e dos homens;
10. Exclusao das creanças das fabricas e manufacturas, e relação do tempo de trabalho dos menores com a sua idade;
11. Abolição do tempo determinado de aprendizagem, e prohibição de outros mesteres estranhos a cada officio;
12. Estabelecimento e eleição de comissões de exame e vigilância compostas de officiaes, que julguem da aptidão dos aprendizes em períodos determinados e curtos;
13. Igualdade do tratamento para os aprendizes, como indivíduos racionaes, evitando-se assim a educação aviltante que lhes incutem os costumes da obediência passiva;
14. Extincção dos signaes exteriores de obediência e submissão, como impróprios da natureza humana;
15. Exclusão dos proprietários e seus representantes das sociedades de trabalhadores, taes como montepios, cooperativas, de recreio, instrucção e outras, com o fim de evitar a dominação e o servilismo.
Ao mesmo tempo os proletários, tendo conhecimento da situação politica da sociedade, constituem-se em partido politico, determinados a crearem um poder, que modifique as violências politicas da classe dominante, fazendo representar nos poderes do estado também os seus interesses de classe, excluídos das instituições politicas e civis.
O movimento político da classe dos proletários é transitório. Existe enquanto existem classes, subordinando-se às circunstâncias e necessidades ocorrentes.
Presentemente, o modo de effeituar o movimento político dos proletários consiste em modificar o poder legislativo, pela substituição os indivíduos que o compõem, e que representam somente a classe e os interesses da classe proprietária.
O pensamento, a aspiração, o fim, do movimento dos proletários constituídos em classe e em partido, é a implementação e constituição da sociedade justa. A este movimento tudo é subordinado, inferior e transitório.
Os proletários de todas as nações civilisadas effeituam o mesmo movimento, e em cada uma organisam-se e procedem conforme as instituições políticas.
Em Portugal, onde os poderes políticos são constituídos publicamente, os proletários procedem dentro das instituições para realisarem o seguinte:
1.º Instituição dos municípios.
a) Constituição dos municípios com todos os contribuintes da sua circumscripção.
Divisão dos municípios em círculos administrativos, e constituição destes com todos os contribuintes da sua circumscripção. Serem contribuintes todos os indivíduos maiores que exerçam alguma profissão.
b) Celebração de sessões periódicas, tanto nos municípios como nos círculos, onde os contribuintes, constituídos em assembleas, proponham, discutam e resolvam os respetivos interesses públicos.
c) Creação de corpos gerentes, tanto dos municípios como dos círculos, por eleição dos contribuintes nas assembleas respectivas.
d) Elaboração dos recenseamentos dos contribuintes, tanto dos círculos como dos municípios, pelos corpos gerentes respectivos.
Validação dos recenseamentos municipaes para todos os efeitos civis e políticos, públicos e privados.
e) Administração dos rendimentos dos municípios feita pelos municípios e a dos círculos feita pelos círculos, sem dependência de poderes centraes, nem de regulamentos, nem de corpos e autoridades superiores.
f) Integração dos municípios na administração das suas escolas, hospitaes, cadeias, vias publicas, correios e telégraphos da sua circumscripção.
g) Repartição e cobrança das contribuições publicas feitas pelos municípios, e as destes pelos circu-
los ou pelos grémios de profissões. Concurco e ordenados fixos para todos os officiaes de fazenda, effeituados por cada município. Instalação das repartições de fazendanos edifícios municipaes.
Responsabilidades dos officiaes de fazenda perante as assembleas respectivas, e a sua sujeição à justiça commum.
h) Provisão dos officios de juízes e seus escrivães, tanto do cível como do crime, por concurso aberto pelos municípios respectivos.
Eleição dos jurados.
Nomeação dos officiaes de justiça, tanto superiores como subalternos, pagos por cada município. Instalação dos tribunaes de justiça em edifícios municipaes.
Responsabilidade dos officiaes de justiça perante as assembleas, e a sua sujeição à justiça commum.
i) Instituição da polícia municipal, regida e paga por cada município.
j) Estabelecimento de escolas de ensino technico de artes e officios, tanto ruraes como fabris, nos municípios, geridas e sustentadas por eles.
m) Alimentação, vestuário e objectos de ensino dados pelos municípios aos menores miseráveis que frequentem as escolas.
--Consequências: Abrogação do código administrativo, e sua substituição por disposições geraes no código fundamental, isto é, substituição de leis por instituições, que estabeleçam e garantam as liberdades politicas, publicas o individuaes, pela extincção das camaras municipaes, das juntas geraes, dos conselhos de districto, dos governos civis, das administrações dos conselhos, das regedorias e das juntas de parochia.
2.º Conformação dos códigos civil, comercial, judicial e penas com as disposições de igualdade politica estatuídas no código fundamental, abrogando-se no cível a parte que regula as condições da servidão e todos os contratos unilateraes.
Revisão periódica dos códigos.
Abolição do juramento, tanto no foro politico, como no civil, judicial o militar.
3.º Constituição do poder legislativo com os delegados e representantes de cada município, eleitos nas assemblas [sic] dos círculos pelos seus contribuintes.
4.º Abolição do recrutamento e matrículas marítimas.
Serviço militar voluntario, retribuído.
Sujeição dos militares às leis e aos tribunaes communs nos casos de offensas de direitos civis e políticos.
5.º Reducção de todas as contribuições, tanto do estado como dos municípios, a uma única, directa.
Extincção imediata das barreiras, estabelecendo a livre circulação dos géneros alimentícios.
Extincção dos direitos das alfandegas, começando pelas industrias menos precisadas de protecção, e acabando pela extincção das próprias alfandegas.
Creação de bilhetes de contribuição divisíveis e vendáveis como os sellos, para que todos possam opportunamente compral-os [sic] durante o anno e pagarem assim a sua contribuição.
6.º Extincção dos privilégios a companhias e associações. Rescisão de seus contratos com o estado, e sua sujeição e de seus membros à justiça commum.
7.º Extincção dos privilégios, subsídios ou mercês, subvenção ou intervenção do estado e dos municípios a indivíduos, a empresas, a estabelecimentos e a instituições industriaes, scientificas, litterarias e religiosas.
8.º Taxação de todos os serviços públicos ao estrictamente necessário para o custeamento das suas despezas.
Lisboa, 16 de outubro de 1876. O conselho: Gracio – Carlos – Constantino – França – Agostinho – Gnecco.
Texto publicado no jornal O Protesto – Periódico Socialista, II Ano, N.º 62, Outubro de 1876. Votado e aprovado no I Congresso, de 1877.