No contexto da mais longa ditadura de tipo fascista, o Partido Socialista Português envelheceu e acabou por se diluir em organizações unitárias de cariz popular e democrático.
Organizações que atuavam na legalidade, como o Ateneu Cooperativo, todavia encerrado pela PIDE em 1972. E algumas que ainda hoje existem, como A Voz do Operário ou a Cooperativa do Povo Portuense.
Não obstante, em 1958, o que sobrava deste antigo PS como partido político, ainda deu o seu apoio à candidatura de Humberto Delgado.
Aliás, um dos elementos do núcleo central dessa candidatura era filho de um antigo dirigente do partido: o advogado Eurico Ferreira.
O “PSP” também somou a sua quota parte de presos políticos, com destaque para o antigo deputado Amâncio de Alpoim e o secretário-geral Alfredo Franco, e para sindicalistas como Amílcar Costa e José Augusto Machado.
Depois do 25 de Abril, ainda apareceu um seu antigo dirigente como candidato suplente do atual PS à Assembleia Constituinte: Emanuel Feijó. E outro foi autarca da CDU em Alcobaça: Artur Faria Borda. Por sinal, ambos ex-presos políticos.
Marx
Primeiro partido operário e marxista neste país, o Partido Socialista Português figura, no curso da história, como um antepassado dos atuais partidos de esquerda.
A sua grande diferença era porventura ser menos institucionalista, até por força de sempre ter atuado sob regimes políticos onde o direito de voto era muito restringido. Como foi o caso da monarquia constitucional ou da 1ª República.
Além desse contexto, tinha a carga “genética” de ter nascido ainda no quadro da Iª Internacional. Alguns dos seus fundadores contactaram diretamente com Karl Marx e Friedrich Engels, por via postal.
Ora, a primeira afirmação que Marx colocou nos estatutos da Iª Internacional foi que “a emancipação da classe trabalhadora terá de ser conquistada pela própria classe trabalhadora”.
Em consonância, o foco do Partido Socialista Português esteve sempre em diferentes formas de organização e ação coletiva da classe trabalhadora, como chave para a transformação social. E deu, no seu tempo, um contributo notável para a fundação e vida de sindicatos, cooperativas, associações mutualistas e variadas agremiações de cariz cultural, recreativo e até desportivo.
O ocaso deste ancestral partido de esquerda constituiu, assim, uma espécie de regresso às origens.

Gneco
Como qualquer outra instituição coletiva, os partidos políticos só existem pela mão das pessoas que escolhem dar-lhes corpo e vida.
E, porventura, ninguém ilustra melhor as origens e ocaso do antigo Partido Socialista Português do que a pessoa que foi o seu “líder histórico” durante 35 anos: Eudóxio César Azedo Gneco.
O que existe hoje em Portugal de sindicalismo, de cooperativas e associações mutualistas; de partidos de esquerda; de ideias socialistas e marxistas: de tudo isto ele foi um dos mais destacados ‘pais fundadores’, desde a década de 1870 até falecer, em 1911.
Jovem republicano, radicalizou-se sob o impacto da revolução da Comuna de Paris (1871). E esteve na linha da frente dos primeiros protótipos de central sindical neste país: a «Associação Fraternidade Operária» (1872), a «Associação dos Trabalhadores na Região Portuguesa» (1873).
Foi desta dinâmica sindical e movimentista que surgiu a primeira edição portuguesa do Manifesto Comunista de Marx e Engels, e que nasceu o Partido Socialista Português (1875).
E foi nesse paradigma que Gneco perseverou o resto da sua vida.
Paradigma
A nível sindical, Gneco viria a ser fundador e secretário-geral da «Confederação Nacional de Associações de Classe» (1894). E, noutras áreas, empenhou-se na fundação e direção de cooperativas, associações mutualistas e outras coletividades. Para além de jornais.
Em 1883, por exemplo, foi um dos fundadores da “Sociedade de Instrução e Beneficência”, que nasceu para garantir a sustentabilidade do jornal A Voz do Operário – que ainda hoje se publica.
Noutro exemplo, em 1895, impulsionou a criação de uma rede de associações excursionistas dedicadas à propaganda anticlerical, os então chamados “círios civis”.
No plano internacional, além de se corresponder com Friedrich Engels, e de ser delegado a um congresso da IIª Internacional, Azedo Gneco discursou na inauguração da «Casa do Povo de Madrid», em 1908.
Essa casa funcionaria como uma espécie de centro do movimento operário espanhol, sede não apenas partidária (do PSOE primevo) mas também sindical e cooperativa.
Terminou encerrada, e depois demolida, sob a ditadura do general Franco…
Luís Carvalho é investigador.