A nova hegemonia da direita radical: desordens comunicacionais e o projeto autoritário de Trump e Elon Musk

porTiago Lapa

Em várias partes do mundo, líderes da extrema-direita replicam este modelo, utilizando as plataformas digitais para fomentar o ressentimento e capturar a indignação popular.

15 de fevereiro 2025 - 9:56
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Donald Trump e Elon Musk
Donald Trump e Elon Musk. Montagem de Esquerda.net

Nos últimos anos, assistimos a uma transformação sem precedentes no espaço público digital. A crise epistemológica, isto é, da forma como as pessoas constroem conhecimento sobre o mundo, impulsionada pelo dilúvio informativo e pela erosão das autoridades tradicionais de mediação do conhecimento, abriu caminho para uma reorganização das forças políticas.

Entre as principais beneficiárias deste novo contexto encontra-se a nova extrema-direita, que, através de estratégias bem articuladas de desinformação e manipulação do debate público, tem conseguido moldar o discurso dominante e consolidar a sua influência. Já nem os antigos intelectuais orgânicos se mostram fundamentais para este processo, uma vez que esta nova extrema-direita controla os meios pelos quais biliões de pessoas comunicam e se (des)informam. Figuras como Donald Trump e Elon Musk são protagonistas deste processo, utilizando a desordem comunicacional como arma política para instaurar uma nova hegemonia ideológica, que avança, sem freios, para um autoritarismo de cariz fascisante.

A crise epistemológica contemporânea traduz-se na fragmentação da noção de verdade e na multiplicação de narrativas concorrentes e muitas vezes irreconciliáveis. As plataformas digitais, em particular as redes sociais online, amplificaram a cacofonia informativa, substituíram a perceção pela realidade (veja-se as questões relativas à segurança) e têm minado os valores relativos à tolerância e ao universalismo numa comunidade partilha e, por arrasto, sendo esse o objetivo final, os alicerces do estado social e dos valores de solidariedade que o sustentavam. São estas as consequências da substituição dos valores de tolerância e conhecimento comum e partilhado por um regime de relativismo extremo, altamente individualizante e onde cada indivíduo é forçado a construir sua própria versão da realidade. Esta ausência de um consenso partilhado não apenas enfraquece o espaço público democrático, mas também abre caminho para a instrumentalização do caos informativo por parte de atores políticos com agendas regressivas.

A implosão da noção de verdade e o colapso das autoridades tradicionais de conhecimento, como os intelectuais tradicionais, os especialistas e os cientistas, nas mais variadas áreas, criam um ambiente de vale-tudo para, por exemplo, desvalorizar ou negar alterações climáticas, para desmentir números sobre a criminalidade ou sobre a contribuição de imigrantes para a segurança social ou para a sociedade. No fundo, serve para moldar a perceção da realidade e reescrever a própria história.

O papel da direita radical na manipulação da desordem comunicacional

A direita radical percebeu rapidamente as oportunidades criadas por este novo ambiente mediático. As redes sociais online, dominadas por algoritmos que favorecem a polarização e o envolvimento emocional, tornaram-se terrenos férteis para a disseminação de desinformação e teorias da conspiração. A estratégia de Trump e dos seus aliados foi clara: atacar sistematicamente os media tradicionais, descredibilizar qualquer fonte de informação contrária aos seus interesses e fomentar um clima de suspeição e ressentimento.

A proliferação de fake news, que já sustenta um mercado lucrativo em Portugal e no mundo, é parte central desta estratégia. A indústria da desinformação alimenta-se da desconfiança e da indignação, transformando sentimentos de frustração social em capital político para a extrema-direita. O fenómeno das câmaras de eco ou de ressonância exacerba este processo, ao isolar os indivíduos em bolhas informativas onde apenas encontram discursos que reforçam as suas crenças e representações pré-existentes.

Elon Musk e a privatização da esfera pública digital

A aquisição do Twitter por Elon Musk ilustra outro vetor crucial da ofensiva da extrema-direita: o controlo das infraestruturas digitais. Musk, um suposto libertário, rapidamente transformou a plataforma num campo de testes para a radicalização da liberdade de expressão sob o pretexto de combater a censura. Na prática, a sua gestão implicou a reintegração de contas extremistas, o desmantelamento de políticas contra o discurso de ódio e a deslegitimação dos mecanismos de verificação de factos.

Ao defender uma “neutralidade” fictícia, Musk permitiu a ascensão de discursos reacionários e criou um ambiente ainda mais hostil à informação verificada. A privatização da esfera pública digital torna-se, assim, um instrumento político que favorece a normalização de agendas autoritárias e a aniquilação de qualquer resistência progressista.

Do Trumpismo ao proto-fascismo digital

O trumpismo e a nova direita digital operam segundo uma lógica que não se limita à manipulação discursiva: trata-se de um projeto de poder com pendor claramente autoritário. A erosão dos meios de comunicação tradicionais, a transformação das redes sociais online em veículos de propaganda e a instrumentalização da desinformação convergem para a construção de um regime onde a verdade é refém do cálculo político.

Esta estratégia não se restringe aos Estados Unidos. Em várias partes do mundo, líderes da extrema-direita replicam este modelo, utilizando as plataformas digitais para fomentar o ressentimento e capturar a indignação popular. O caso brasileiro, com a ascensão de Bolsonaro e a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, ilustra a eficácia desta tática.

Estratégias para enfrentar a nova hegemonia da direita radical

O combate a este avanço exige respostas multifacetadas. A regulação das plataformas digitais, uma questão central do debate contemporâneo, não pode ser delegada exclusivamente às big techs ou aos governos nacionais, mas deve envolver mecanismos democráticos e participativos que garantam transparência e responsabilização.

A resistência à nova hegemonia da direita radical também passa pelo fortalecimento de meios de comunicação independentes e pelo apoio a projetos que promovam um jornalismo comprometido com a verdade factual e com a defesa da democracia. Pode passar também por redes sociais alternativas e baseadas em princípios de código aberto onde o seu funcionamento é escrutável. A esquerda não deve ter medo de defender ainda que o estado pode ter um papel crucial no financiamento e apoio a esse tipo de jornalismo e a esse tipo de redes sociais.

A crise epistemológica e as desordens informacionais não são apenas sintomas de um mundo digitalizado, mas sim elementos estruturais de uma disputa política global. A direita cada vez mais extremada, sob a liderança de figuras como Trump e Musk, soube instrumentalizar essa nova realidade para impor a sua visão de mundo e fragilizar as bases de uma democracia plena. O desafio que enfrentamos não é apenas combater a desinformação, mas sim impedir que o caos informacional seja utilizado como ferramenta para a instauração de regimes autoritários.

A esquerda precisa urgentemente de compreender que a batalha comunicacional é central na luta política do século XXI. Enfrentar a nova hegemonia da direita extremada não passa apenas por desmontar narrativas falsas, mas por construir um novo ecossistema informacional que reforce valores democráticos, pluralistas e emancipatórios. O futuro da democracia depende disso.

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