Economia de atenção, economia de dados: os dois textos de Shoshana Zuboff

porDaniel Moura Borges

Shoshana Zuboff aponta uma ligação entre o que lemos e o que escrevemos, e a quantificação desse comportamento. São esses dois pilares que são fundamentais para entender o capitalismo digital.

15 de fevereiro 2025 - 9:59
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A Era do Capitalismo de Vigilância
Fotografia de Sérgio Lucas/Amazon

Entender a complexidade do capitalismo digital e dos seus mecanismos de extração de valor é uma tarefa hercúlea. Comparar as grandes empresas tecnológicas, que cada vez mais constituem os contornos de uma oligarquia tecnoliberal, às práticas das grandes empresas petrolíferas do início do século XX não é descabido. O terreno desconhecido é muito e a regulamentação é pouca, e isso abre caminho a um capitalismo selvagem.

Para ajudar a estruturar o pensamento sobre o capitalismo digital, Shoshana Zuboff, autora de O Capitalismo na Era da Vigilância, propõe ancorar a sua análise em dois pilares, a que chama textos, que estão ancorados no “controlo exercido pelo capitalismo de vigilância sobre a divisão da aprendizagem na sociedade”.

A diferença entre os dois textos está na caraterização da nossa relação com o mundo digital. No primeiro, “somos autores e leitores”; no segundo, “a nossa experiência é prensada enquanto matéria-prima”. Ou seja, no primeiro falamos da nossa experiência direta com a tecnologia digital, no segundo da sua quantificação.

Esses dois pilares constituem duas economias, que podem ser utilizadas para manipular os utilizadores/consumidores de formas diferentes. À primeira, chamamos economia de atenção, e está ligada à forma como as plataformas digitais conseguem capturar a nossa atenção, alterá-la e dirigi-la para um determinado fim; à segunda chamamos economia de dados, ou seja, à forma como os nossos comportamentos digitais são quantificados, extraídos, vendidos e comprados, normalmente com o fim de possibilitar a manipulação da nossa atenção.

O primeiro texto “é voltado para o público e é familiar e celebrado tendo em vista o universo de informação e conexão que traz para as pontas dos nossos dedos”, diz Zuboff. “A busca do Google codifica o conteúdo de informação da World Wide Web. O Feed de Notícias do Facebook une a rede. Muito do seu texto dirigido ao público é composto daquilo que inscrevemos nas suas páginas: os nossos posts, blogs, vídeos, fotos, conversas, músicas, stories, observações, gostos, tuítes, e todo esse burburinho em massa da nossa vida, capturado e comunicado”.

É nesse “burburinho em massa” que a disputa de atenção é cada vez mais necessária. Zuboff avisa que “a capacidade do mundo de produzir informação excedeu de maneira substancial a sua capacidade de processar e armazenar informação”, e há quem beneficie com isso. Se numa primeira fase, a política populista da extrema-direita conseguiu ganhar adesão pela sua linguagem mais emocional e menos política (e menos fabricada), chegámos a uma fase em que as próprias empresas promovem esse conteúdo através dos seus algoritmos, seguindo o exemplo de Elon Musk. A naturalidade com que a extrema-direita navega nas redes sociais será também uma das causas de uma viragem à direita, sobretudo entre os homens jovens.

Mas, como aponta a investigadora, “o primeiro texto não existe por si só”, é perseguido de perto por uma “sombra”. “Tudo o que contribuímos para o primeiro texto, não importa quão trivial ou fugaz seja, torna-se um alvo para extração de superavit”, diz a investigadora no seu livro.

A quantificação da nossa experiência, os dados do nosso comportamento, não estão disponíveis para leitura. Estão ocultos para todos menos para “os capitalistas de vigilância”. Esses dados são “matéria-prima a ser acumulada e analisada como meio para finalidades de mercado de outros”.

A interação entre os dois textos é o resultado da política do capitalismo digital, sem surpresas. “Os capitalistas de vigilância aplicam o que aprendem a partir do exclusivo texto sombra para moldar o texto público de acordo com seus interesses”, diz-nos Zuboff. Nessa relação, a economia de dados e a economia de atenção estão intrinsecamente ligadas.

“O resultado é que a divisão da aprendizagem é tanto o princípio ascendente do ordenamento social na nossa civilização de informação, e já um refém da posição privilegiada do capitalismo de vigilância enquanto compositor, dono e guardião dominante dos textos”, explica.

A “divisão da aprendizagem” (que pode ser lida como a economia da atenção), é então o mecanismo de controlo social e de autoridade do capitalismo digital, que tem como motor a economia de dados. Esta dinâmica de controlo é indissociável da sua inserção nas sociedades ocidentais e nas suas estruturas económicas, porque “apenas o capital de vigilância comanda a infraestrutura material e a capacidade intelectual especializada para comandar a divisão da aprendizagem na sociedade”.

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