Carta aberta: contra o ataque das Big Tech às soberanias digitais

Esta carta aberta foi lançada em finais de 2024, no contexto das tensões entre os órgãos soberanos do Brasil e Elon Musk sobre a plataforma X. Reúne assinaturas de vários pensadores e economistas influentes como Thomas Piketty, Mariana Mazzucato ou Shoshanna Zuboff.

15 de fevereiro 2025 - 9:53
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Mariana Mazzucato, Thomas Piketty e Shoshanna Zuboff
Mariana Mazzucato, Thomas Piketty e Shoshanna Zuboff. Montagem de Esquerda.net

Esta carta aberta foi lançada em finais de 2024, no contexto das tensões entre os órgãos soberanos do Brasil e Elon Musk sobre a plataforma X. Reúne assinaturas de vários pensadores e economistas influentes como Thomas Piketty, Mariana Mazzucato ou Shoshana Zuboff.


Nós, os abaixo-assinados, queremos expressar a nossa profunda preocupação com os ataques em andamento por parte das Big Tech e dos seus aliados contra a soberania digital do Brasil. A disputa do Tribunal Judiciário brasileiro com Elon Musk é apenas o mais recente exemplo de um esforço mais amplo para restringir a capacidade das nações soberanas de definir uma agenda de desenvolvimento digital livre do controlo das mega-empresas sediadas nos Estados Unidos.
No final de agosto, o Supremo Tribunal Federal brasileiro baniu a plataforma X do ciberespaço brasileiro por não cumprir as decisões judiciais que exigiam a suspensão de contas que instigaram extremistas de direita a participar em motins e a ocupar os palácios Legislativo, Judiciário e Governamental no dia 8 de janeiro de 2023. Posteriormente, o presidente Lula da Silva deixou clara a intenção do governo brasileiro de conseguir independência digital: diminuir a dependência do país de entidades estrangeiras para dados, capacidades de IA e infraestrutura digital, além de promover o desenvolvimento de ecossistemas tecnológicos locais. De acordo com esses objetivos, o estado brasileiro também pretende forçar as Big Techs a pagar impostos justos, cumprir as leis locais e ser responsabilizadas pelas consequências sociais do seu modelo de negócios, que muitas vezes promove a violência e a desigualdade.

Esses esforços foram recebidos com ataques do proprietário da X e de líderes da direita, que reclamam sobre democracia e liberdade de expressão. Mas precisamente porque o espaço digital carece de um enquadramento de regulação internacional e democraticamente decidido, as grandes empresas de tecnologia operam como governantes, decidindo o que deve ser moderado e o que deve ser promovido nas suas plataformas.

Além disso, a plataforma X e as outras empresas começaram a organizar-se, com os seus aliados dentro e fora do país, para minar iniciativas que visam a autonomia tecnológica do Brasil. Mais do que um aviso ao Brasil, as suas ações enviam uma mensagem preocupante ao mundo: que países democráticos que procuram alcançar a independência da dominação das Big Tech correm o risco de sofrerem interrupções nas suas democracias, com algumas Big Techs a apoiar movimentos e partidos de extrema-direita.

O caso brasileiro tornou-se a principal frente no conflito global em evolução entre as corporações digitais e aqueles que buscam construir um cenário digital democrático e centrado nas pessoas, focado no desenvolvimento social e económico. As empresas de tecnologia não controlam apenas o mundo digital, mas também fazem lobby e operam contra a capacidade do setor público de criar e manter uma agenda digital independente, baseada em valores, necessidades e aspirações locais. Quando os seus interesses financeiros estão em jogo, trabalham alegremente com governos autoritários. O que precisamos é de espaço digital suficiente para que os Estados possam direcionar as tecnologias  colocando as pessoas e o planeta à frente dos lucros privados ou do controlo unilateral do Estado.

Todos aqueles que defendem os valores democráticos devem apoiar o Brasil na sua luta pela soberania digital. Exigimos que as Big Tech cessem as suas tentativas de sabotar as iniciativas do Brasil voltadas para a construção de capacidades independentes em inteligência artificial, infraestrutura pública digital, gestão de dados e serviços de nuvem. Estes ataques minam não apenas os direitos dos cidadãos brasileiros, mas as aspirações mais amplas de todas as nações democráticas de alcançar a soberania tecnológica.

Também pedimos ao governo do Brasil que seja firme na implementação da sua agenda digital e denuncie as pressões contra ela. As Nações Unidas e os governos em volta do mundo devem apoiar esses esforços. Este é um momento decisivo para o mundo. Uma abordagem independente para recuperar a soberania digital e o controlo sobre nossa esfera pública digital não pode esperar. Há também uma necessidade urgente de
desenvolver, dentro do marco da ONU, os princípios básicos de regulamentação transnacional para o acesso e uso de serviços digitais, promovendo ecossistemas digitais que coloquem as pessoas e o planeta à frente dos lucros, para que esse campo de provas das Big Tech não se torne uma prática comum noutros territórios.

Primeiras assinaturas, por ordem alfabética:

Anita Gurumurthy, IT for Change
Çagrı Çavuş, SOMO
Assoc Prof. Cecilia Rikap, University College em Londres, IIPP e CONICET
Prof. Ce dric Durand, Universidade de Geneva
Prof. C P Chandrasekhar, IDEAs e PERI, UMass
Dr. Cory Doctorow (h.c.), autor, ativista, jornalista.
Prof. Cristina Caffarra, University College em Londres, CEPR Competition RPN
Prof. Daron Acemoglu, MIT Economics
David Adler, Internacional Progressista
Ekaitz Cancela, Center for the Advancement of Infrastructural Imagination (CAII)
Assoc Prof. Edemilson Parana , LUT University
Prof. Emiliano Brancaccio, Universidade de Sannio
Dr. Evgeny Morozov, autor e produtor de “The Santiago Boys” e “A Sense of Rebellion”
Assoc Prof. Francesca Bria, University College em Londres, IIPP and Stiftung Mercator
Prof. Gabriel Zucman, Paris School of Economics e UC Berkeley
Helena Martins, Universidade Federal de Ceara
Prof. Jason Hickel, ICTA-UAB e LSE
Dr. Jathan Sadowski, Universidade Monash
Prof. Jayati Ghosh, Universidade de Massachusetts Amherst, Departamento de Economia
Dr. Joel Rabinovich, King’s College em Londres
Jose Graziano da Silva, Dir. Gen. Instituto Fome Zero-Zero , antigo DG de FAO-UN
Prof. Jose van Dijck, Universidade de Utrecht
Prof. Juan Martin Grana, CONICET e Universidad Nacional de San Martin
Prof. Julia Cage , Sciences Po Paris, Departamento de Economia
Prof. Marcela Amaro, Universidad Nacional Autónoma de México
Prof. Marcos Dantas, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof. Mariana Mazzucato, University College em Londres, autora de Mission Economy
Prof. Margarita Olivera, Institute of Economics, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Margarida Silva, SOMO
Maria Farrell, escritora
Marietje Schaake,  Universidade de Stanford, autora de “The Tech Coup”
Prof. Martín Becerra, CONICET e Universidad de Buenos Aires
Prof. Martín Guzman, School of International and Public Affairs (SIPA), Universidade de Columbia
Nandini Chami, IT for Change
Dr. Niall Reddy, Universidade de Wits
Prof. Nick Couldry, London School of Economics
Dr. Nick Srnicek, King’s College em Londres
Prof. Paola Ricaurte Quijano, Tecnológico de Monterrey
Prof. Paolo Gerbaudo, Universidad Complutense de Madrid
Paris Marx, Anfitriã de Tech Won’t Save Us
Prof. Phoebe Moore, Universidade de Essex
Dr. Raffaele Giammetti, Universidade de Cassino e Lazio Sul
Renata Ávila, CEO – Open Knowledge Foundation, afiliada de CIS no CNRS France
Robin Berjon, Tecnólogo em governação
Rodrigo Fernandez, SOMO
Prof. Sergio Amadeu da Silveira, Universidade Federal de ABC
Prof. Shoshana Zuboff, autora de A era do capitalismo de vigilância
Sofıa Scasserra, Transnational Institute (TNI)
Prof. Stefano Lucarelli, Universidade de Bergamo
Prof. Thomas Piketty, Paris School of Economics e EHESS
Prof. Ulises Mejias, Universidade Estadual de New York
Prof. Ugo Pagano, Universidade de Siena
Prof. Wolfgang Streeck, Max Planck Institute para o Estudo das Sociedades
Yanis Varoufakis, Secretário-geral, MeRA25

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