Luanda Leaks: a queda de Isabel dos Santos

Os “Luanda Leaks” vieram expor a forma como Isabel dos Santos e Sindika Dokolo construíram o seu império financeiro, em boa parte graças ao financiamento público resultante da influência política de José Eduardo dos Santos. Os negócios, ruinosos para o Estado angolano, serviram para criar a primeira bilionária africana. Dossier organizado por Luís Branco.

22 de janeiro 2020 - 10:55
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De empresária modelo a perseguida pela justiça, o trajeto de Isabel dos Santos é indissociável do papel político do pai, José Eduardo dos Santos, que presidiu Angola durante 38 anos. Com a subida ao poder de João Lourenço, a trama de corrupção em torno do ex-presidente, que se apoderou de boa parte dos recursos do país, tornou-se o alvo principal da nova presidência, marcando diferenças com o antecessor.

José Eduardo dos Santos continua abrangido pelo regime legal de imunidade dos ex-presidentes, mas, na luta pelo poder em Angola, a sua filha Isabel serve hoje de exemplo do combate ao nepotismo e corrupção no país. Os tribunais já arrestaram os seus bens em Angola, tal como os do seu marido e colaboradores próximos, e foi constituída arguida por suspeita de desvio de fundos quando estava à frente da Sonangol. E até a imprensa, que antes tecia loas ao empreendedorismo da empresária, apanha agora a boleia dos Luanda Leaks para apontar o dedo aos negócios feitos através de offshores com dinheiro vindo das empresas públicas angolanas.

Entre os nomes conhecidos do círculo de influência de Isabel dos Santos, aparecem advogados e gestores que, no entanto, muitas vezes não passam de testas de ferro com papel apenas instrumental nos seus negócios. Ora, a rede de influência política montada em Portugal para apoiar e beneficiar do assalto à riqueza dos angolanos - composta por ex-ministros do PSD, PS e CDS -, emprestou também credibilidade política para caucionar muitos destes negócios da elite próxima de Eduardo dos Santos.

Outro ramo desta rede envolveu empresários e grupos económicos sedentos de capital depois da crise financeira de 2007 e que aproveitaram como puderam os milhões que Isabel dos Santos tirava de Angola. Enquanto outros países colocavam entraves aos investimentos da filha do Presidente, em Portugal esse dinheiro era acolhido sem muitas perguntas. Mas houve quem sempre as fizesse e denunciasse esse esquema, expondo a influência do círculo próximo de Eduardo dos Santos na economia portuguesa. Foi o caso dos autores do livro “Os Donos Angolanos de Portugal” - Jorge Costa, Francisco Louçã e João Teixeira Lopes -, de que publicamos aqui alguns trechos. Quando a cidade do Porto entregou a medalha de ouro da cidade a Sindika Dokolo, o Bloco foi a única força que se opôs - e já exigiu que a distinção seja retirada.

Tal como noutros escândalos financeiros, em Portugal e em todo o mundo, também neste são protagonistas importantes as auditoras responsáveis por verificar a legalidade e integridade das contas das empresas envolvidas. Mais uma vez, empresas como a PwC, KPMG, Boston Consulting, Ernst & Young ou Deloitte não viram nada, não ouviram nada e não leram nada, enquanto ajudavam a montar circuitos complexos para o capital escapar ao fisco através de praças offshore, com destaque para a de Malta.

Isabel dos Santos e Sindika Dokolo dizem estar a ser alvo de perseguição política movida pelo novo Presidente, João Lourenço, contra o seu antecessor, fazendo do casal o bode expiatório da corrupção no país. Com todas as atenções viradas para os negócios da família de Eduardo dos Santos, o futuro dirá se outros beneficiários dos favores do ex-Presidente ficarão livres do mesmo escrutínio.

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