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Empresas de auditoria de novo no centro da fraude

Quando, a seguir à crise de 2008, muitos bancos começaram a recusar clientes suspeitos de branqueamento de capitais, o exemplo não foi seguido pelas principais consultoras mundiais, revelam os documentos publicados pelo ICIJ. Entidades financeiras como o Citigroup, JPMorgan Chase ou HSBC tinham sido apanhadas em investigações nos Estados Unidos e protegiam-se como podiam. Em 2012, o Barclays e um ramo do Citigroup recusaram-se a financiar a Amorim Energia, detida em parte pela Sonangol e a Exem Energy de Sindika Dokolo. Em 2014, emails de gestores de negócios de Isabel dos Santos mostram desagrado pelas portas que se fechavam no Banco Santander. “Os gajos ouvem falar em Isabel e fogem como o diabo da cruz… São orientações de Espanha”, escrevia Eduardo Sequeira, o diretor financeiro da Fidequity, empresa que gere muitos dos investimentos de Isabel dos Santos, num email trocado com uma pessoa não identificada que trabalhava na Zon.
Apesar das cautelas crescentes da banca internacional, que procurava cortar laços com a família do presidente angolano, as grandes consultoras continuavam a ajudar nos negócios. A Deloitte auditava as contas da operadora angolana de TV por satélite Finstar, a Ernst&Young as da ZOPT (empresa que detém a quota de Isabel dos Santos na NOS) e a KPMG as de duas empresas retalhistas em Angola e a Urbinveste.
Segundo o ICIJ, das chamadas “big four” (KPMG, E&Y, PwC e Deloitte), a PwC destacou-se nas ligações a Isabel dos Santos e Sindika Dokolo, tratando das contas e auditorias de empresas sediadas em Malta, Suíça e Holanda. Mas também através do aconselhamento fiscal às suas empresas em Angola, sugerindo a transferência das sedes fiscais para Singapura ou Malta para beneficiar de taxas de imposto entre 0% e 5%. Ao todo, esta consultora faturou cerca de um milhão de euros ao casal entre 2012 e 2017, boa parte referente às empresas registadas em Malta.
À Boston Consulting Group terão sido pagos pelo menos 4 milhões de euros entre 2010 e 2016. Também aqui, a maior fatia é relativa a uma empresa do casal sediada em Malta, a Wise Intelligence Solutions Limited. A mesma empresa a que o governo angolano encomendou em 2015 um plano de restruturação da Sonangol, tendo depois subcontratado a PwC para ajudar na tarefa.
PwC e Boston geriam e auditavam o negócio da joalharia suíça
Elementos da Boston Consulting foram também chamados para gerir um dos investimentos mais polémicos do casal, na empresa de joalharia suíça De Grisogono, numa parceria ruinosa para o Estado angolano através da diamantífera pública Sodiam. Esta é, aliás, uma das razões apontadas pela justiça angolana para o arresto dos bens de Isabel dos Santos e Sindika Dokolo naquele país. Na De Grisogono, a consultora fazia uma “gestão na sombra”, como lhe chamou o quadro da Boston nomeado administrador da joalheira, o português John Leitão, em declarações ao New York Times.
A auditoria às contas das empresas criadas em Malta para deter a De Grisogono ficou a cargo da PwC, que encontrou em 2013 um pagamento suspeito de 4 milhões de dólares a uma empresa sediada nas ilhas Virgens Britânicas, a título de “success fee” pela concretização do negócio. Os auditores perguntaram à Fidequity, que geria as ligações entre as empresas controladas por Isabel dos Santos e Sindika Dokolo, se aquela empresa – a Almerk – pertencia ao casal. A resposta do administrador António Rodrigues foi que não sabia, mas documentos internos provam o contrário: ele sabia que Sindika Dokolo era o beneficiário dos 4 milhões por ter concretizado um negócio que lhe dava o controlo da marca de luxo.
Vários ex-auditores e responsáveis pelo combate ao branqueamento de capitais contactados pelo ICIJ afirmam que a resposta vaga de Rodrigues era mais do que suficiente para levantar fortes suspeitas de que algo de irregular se passava. “Estes tipos de pagamentos são feitos frequentemente para ocultar pagamentos relacionados com corrupção ou atividades ilegais”, diz Robert Mazur, ex-agente federal dos EUA que trabalhou infiltrado no cartel de Pablo Escobar nos anos 1980 enquanto especialista em lavagem de dinheiro.
Auditora fala agora em “desilusão” e tenta afastar-se do casal
“Diria que estou desiludido, desiludido por não termos identificado isto mais cedo e desiludido por não termos saído mais cedo”, afirmou esta segunda-feira Bob Moritz, CEO da PwC, no Forum de Davos, onde Isabel dos Santos deveria estar presente mas onde cancelou a sua ida.
Confrontada com as revelações do ICIJ pela BBC, a consultora emitiu um comunicado a anunciar que tomou "medidas para encerrar qualquer trabalho em curso para entidades controladas por membros da família dos Santos”. O escândalo levou também à saída de Jaime Esteves da liderança do departamento de fiscalidade em Angola e Portugal.
Para além de conhecer de perto as contas dos negócios de Isabel dos Santos, uma vez que trabalhava com pelo menos 20 empresas por si controladas, a PwC foi também escolhida para fazer a auditoria externa à Sonangol quando o presidente angolano nomeou a filha para presidir à empresa. O próprio administrador financeiro escolhido por Isabel dos Santos para a petrolífera, Sarju Raikundalia, veio da PwC. Tal como Mário Leite da Silva, administrador de pelo menos oito empresas da bilionária angolana, como a NOS, a Esperaza Holding que detém parte da Galp, o banco BFA ou a empresa que detém a De Grisogono.
Após a divulgação dos Luanda Leaks, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários portuguesa (CMVM) anunciou ter dado início a “ações de supervisão junto de um conjunto de responsáveis” de “auditores relevantes”, afirmou a sua presidente, Gabriela Figueiredo Dias, citada pelo Expresso. Quanto ao possível resultado dessa ação, “está tudo em aberto: pode não levar a nada, a multas, sanções, perdas de idoneidade”, acrescentou a presidente da CMVM.
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