Apesar de não ser a primeira vez que Lisboa elegeu um vereador nas listas do Bloco - o candidato independente José Sá Fernandes, há mais de dez anos - o acordo assinado entre o Bloco e o PS após as últimas eleições autárquicas em Lisboa permitiu ao partido assumir pela primeira vez responsabilidades executivas na governação da capital. O vereador Manuel Grilo faz o balanço da primeira metade do mandato na entrevista que publicamos neste dossier. E fala ainda das tensões com o PS no executivo em temas que estão dentro e fora do acordo, que considera estar "80% cumprido" ao fim de dois anos. No futuro imediato, o vereador bloquista está muito apreensivo sobre o que chama de falta de cautela e de preparação dos socialistas quanto ao processo de transição de competências do Estado para a autarquia lisboeta nas escolas do 2º, 3º ciclo e secundário.. "Os riscos do seu insucesso são demasiado grandes para serem ignorados", avisa.
O pelouro da Educação e dos Direitos Sociais inclui a gestão das escolas do pré-escolar ao 1º ciclo, mas também áreas ligadas à saúde, direitos LGBTI, apoio a migrantes e refugiados, a idosos e pessoas sem-abrigo ou utilizadores de drogas. Primeiro com Ricardo Robles e depois com Manuel Grilo, o Bloco tem deixado a sua marca em mudanças importantes nestas áreas, colocando sempre a participação dos munícipes como condição essencial para essas mudanças.
Foi assim que se conseguiu ao fim de 20 anos tirar do papel as salas de consumo assistido para utilizadores de drogas, ouvindo moradores, utilizadores, técnicos, juntas de freguesia e forças de segurança. Ou elaborar um plano de Saúde que estava na gaveta da Câmara há cinco anos, em articulação com o SNS. Ou mudar o programa Lisboa +55, envolvendo a Direção Geral de Saúde, os Centros de Saúde, clubes desportivos e Juntas de freguesia, para alargar a toda a população naquela faixa etária a atenção à forma física que era dada apenas a quem estivesse institucionalizado num lar.
Essa participação dos envolvidos nas medidas a tomar ficou bem evidente no caso das pessoas sem-abrigo, que deixaram de ser apenas recetoras das decisões políticas para passarem a ter voz ativa. O reforço do investimento e das novas soluções como a do programa Housing First, que afasta a abordagem caritativa em nome da eficácia e acesso aos direitos, colocam Lisboa numa posição reconhecida internacionalmente para enfrentar este problema social grave.
O mesmo exemplo de participação cidadã foi dado nos processos de elaboração dos programas municipais de integração e acolhimento de migrantes e refugiados, ao partirem do balanço do trabalho feito e o debate sobre os caminhos a seguir envolvendo associações as pessoas que são o alvo dessas políticas. O mesmo trabalho de ouvir quem está no terreno para elaborar novas políticas ou alterar as existentes tem sido feito em relação aos planos municipais LGBTI, para a Igualdade de Género ou de Combate e Prevenção à Violência Doméstica e de Género.
As escolas públicas do pré-escolar e 1º ciclo também sentiram a mudança que o Bloco trouxe à governação de Lisboa. Pela primeira vez, o LNEC foi envolvido na execução de um estudo sobre as condições dos edifícios escolares, que resultou em obras urgentes e até no encerramento de instalações onde havia risco de acontecer uma tragédia. E também pela primeira vez, todas as escolas têm hoje um plano de evacuação e segurança ativo, incluindo a realização de simulacros. À hora do almoço, desapareceu o plástico e as refeições em regime de catering, que motivavam inúmeras queixas de pais e alunos quanto à sua qualidade e sabor. Estas foram substituídas pela confeção local com ementas concebidas por nutricionistas e a satisfação aumentou.
O acordo entre o Bloco e o PS permitiu também devolver rendimentos a quem vive na cidade, quer através da redução do preço dos passes, quer da introdução dos manuais escolares gratuitos até ao 12º ano, medida que está a ser alargada às fichas de atividades e que já representou uma poupança de centenas de euros para os pais residentes em Lisboa.
No plano da mobilidade e da habitação, dois dos maiores problemas da cidade para os quais Bloco e PS têm propostas muito diferentes, foi possível chegar a uma aproximação nalguns pontos que vão trazer - ou já trouxeram - benefícios para a cidade. A introdução do pilar público do programa de renda acessível ou a disponibilização de 25% do edificado novo e reabilitado para habitação a custos acessíveis podem ajudar a fazer a diferença no futuro, mas ainda assim serão insuficientes para conter o aumento dos preços das casas se não houver intervenção do Estado central. Foi possível introduzir desde já mais justiça e transparência no Regulamento Municipal de Habitação e conter o avanço do alojamento local em zonas já muito sobrecarregadas. Mas o caminho continua quase todo por fazer, e muitas vezes contra a vontade do PS, como ficou evidente na sua aliança com o PSD para colocar o ex-vereador Manuel Salgado - responsável pelo processo de gentrificação acelerada da cidade - ao leme da empresa responsável por quase todas as obras municipais na cidade.
Quanto à mobilidade, o resultado do acordo político está bem à vista no reforço de meios e pessoal na Carris. Mas também aqui há muito por fazer. O PS continua obstinado em gastar centenas de milhões de euros numa linha circular do metropolitano que não resolve nenhum problema e adia a resolução do défice de mobilidade na zona ocidental da cidade. Uma aposta a sério nos transportes públicos deve ser acompanhada de mais limitações ao tráfego automóvel, como provam exemplos de outras cidades europeias. A poluição provocada pelo alargamento do aeroporto ou o terminal de cruzeiros junto à baixa da cidade contrasta com as promessas do presidente da nova “Capital Verde Europeia”. Em tempo de emergência climática, Lisboa não pode depender de anúncios vazios e precisa de mais ações concretas para mudar a vida na cidade.