Portugal tem uma abordagem na área das drogas reconhecida como exemplo dentro e fora do país. A descriminalização associada a um aumento de respostas sociais e de saúde permitiu aumentar o acesso a serviços e tratamento, reduzir o número de infeções por VIH e diminuir os consumos de risco.
Ainda assim, as possibilidades propostas na estratégia nacional de 1999 e na legislação de 2000/2001 não foram aplicadas na sua totalidade.
Estavam ainda por concretizar as Salas de Consumo Assistido, resposta prevista na legislação portuguesa com o nome de Programas de Consumo Vigiado. Trata-se de serviços desde há muito defendidos por associações e profissionais, e identificados como necessários em Lisboa nos diagnósticos da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) em 2015.
Os programas de consumo vigiado são espaços onde se pode consumir de forma mais segura para a partir daí oferecer outros apoios. Dirigem-se a fenómenos concentrados de consumo a céu aberto, sem higiene, de alto risco e que cria as condições para o aparecimento de problemas de saúde e exclusão, afetando as pessoas que usam drogas e a comunidade mais alargada.
A primeira Sala de Consumo Assistido do país começou a funcionar, em Lisboa, em Abril de 2019 com financiamento da CML, e articulação com a ARSLVT e o SICAD, entre outros parceiros. É uma unidade móvel que se aproxima de alguns dos locais onde o consumo já existe, neste caso, na freguesia do Beato e Arroios. A implementação da primeira Sala contou com o apoio de moradores, das associações locais, das Juntas de Freguesia e das forças de segurança, que tiveram oportunidade de conhecer previamente o projeto, esclarecer dúvidas e discutir localizações. Esta estrutura estabeleceu-se com normalidade e rapidamente se tornou mais um espaço de saúde no território, sendo um recurso para pessoas que usam drogas e outras. Esta implementação tranquila e participada foi já valorizada como boa prática pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (Conferência Solidify, Dezembro 2019).
A equipa, composta por mediadores e profissionais de saúde, incentiva os consumidores a realizarem os seus consumos na carrinha, sem se esconderem como o fizeram durante décadas. Além de contar com a supervisão dos profissionais, nesse espaço pode-se consumir com privacidade e higiene. Ao mesmo tempo são propostos outros serviços como rastreios, encaminhamento para tratamentos, e soluções para um conjunto de problemas legais, de habitação, de desemprego, de solidão e desamparo que se foram criando paralelamente aos consumos.
Dois outros Programas de Consumo Vigiado Fixos no Lumiar e no Vale de Alcântara, estão em processo de preparação, tendo sido já aprovado em reunião de câmara o financiamento para um dos Programas.
O apoio e co-financiamento da CML criou também condições para mais uma vez em 2019 materializar outra possibilidade já prevista por lei desde 2001: um serviço permanente de drug checking (análise de substâncias), intervenção anteriormente realizada apenas de forma muito pontual em eventos de acesso restrito (festivais).
Trata-se de um serviço que inclui a análise laboratorial das substâncias e o aconselhamento por parte de profissionais especializados. Face ao número crescente de novas substâncias psicoativas (NSP) em circulação- 731 novas substâncias identificadas desde 1997, 55 só em 2018, o serviço de drug checking é um contributo importante para a monitorização dos mercados informais de drogas, contribuindo para um conhecimento mais aproximado da realidade e redução do risco de substâncias com composição desconhecida.
Para o OEDT, o drug checking consiste num serviço mais individualizado do que campanhas gerais pois incentiva os consumidores a procurar apoio especializado para discutir a prevenção e a redução de danos. Em conjunto com outras intervenções em contextos festivos, como informação, ventilação adequada, hidratação e outros, é considerada uma intervenção com potencial de salvar vidas
A necessidade de um serviço deste tipo era uma reivindicação de consumidores, profissionais e associações e tinha sido objeto de uma petição à Assembleia da República em 2018 (Petição 519/XIII/3) onde se defendia a criação de “ um serviço de análise de substâncias, disponível de forma gratuita, permanente e continuada. (…) A disponibilização deste serviço impulsiona a criação de canais de comunicação, particularmente com pessoas utilizadoras que não são abrangidas pelos serviços formais de saúde (…) Um serviço permanente de drug checking aumentaria a efetividade das respostas do país em matéria de drogas, representando o próximo passo numa política que tem sido tida como referência a nível mundial.”
O espaço agora aberto pela Kosmicare na Penha de França, com apoio do SICAD e da CML, é o único drop-in no país dirigido à intervenção em ambientes recreativos noturnos. Além do serviço de drug checking, é disponibilizada informação e materiais, uma consulta dirigida à integração de experiências difíceis relacionadas com o consumo de substâncias psicoativas, educação de pares e intervenção de proximidade em eventos de lazer noturno.
Ao longo dos anos foi também identificada a necessidade de valorizar o trabalho de pares na área das drogas, questão abordada e documentada pela Rede Social de Lisboa.
O trabalho de pares pode ser definido como intervenções desenvolvidas por pessoas com condições ou circunstâncias semelhantes ao público para o qual se dirige determinada resposta. Na área das drogas esse apoio pode abordar o consumo ou o acesso a serviços ou tratamentos (dependências, VIH, Hepatite C, Tuberculose, entre outros). Além disso, o envolvimento de pares é importante pois envolve nas intervenções populações historicamente excluídas e estigmatizadas. Em 2019 alterámos o Regulamento de Atribuição de apoios (linha de financiamento a associações) de forma a valorizar os projetos nas várias áreas dos Direitos Sociais que incluam pares e mediadores nas suas equipas. Dá-se assim mais um passo para responder a uma reivindicação das pessoas que usam drogas “Nada sobre nós sem nós”.
Além das já destacadas, Lisboa tem uma rede sólida de respostas em várias áreas: programas de prevenção, tratamento, equipas de rua, programas de metadona e acolhimento especializado, que continuam a contar com apoio da autarquia.