É incontestável o impacto do alojamento local (AL) na cidade de Lisboa. Tendo sido uma forma de as famílias responderem à quebra de rendimento durante o período da intervenção da Troika em Portugal, tornou-se num setor a desbravar por aqueles que acumulam várias habitações em arrendamento turístico. Lisboa enfrenta uma grave crise habitacional, não só mas também resultado deste fenómeno.
A Câmara Municipal de Lisboa foi a primeira a tomar medidas após a publicação da lei que veio conferir esta competência aos municípios, conforme o princípio estabelecido no acordo de governação da cidade entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda. A CML realizou um estudo sobre o impacto do turismo e partindo deste estudo definiu zonas da cidade e aprovou num primeiro momento, a suspensão de novos registos de AL nas zonas em que mais de 25% das casas existentes estão entregues ao alojamento local: Bairro Alto, Madragoa, Castelo, Alfama, Mouraria, e posteriormente na zona da Graça e Colina de Santana.Foram também colocadas sobre monitorização as zonas: Baixa, Avenida da Liberdade, Avenida Almirante Reis, Ajuda, Lapa/Estrela. Esta monitorização não significou aplicação de qualquer medida e por exemplo a zona da Baixa já atingiu os 29% sem ser aplicada a suspensão.
O Bloco de Esquerda neste primeiro momento votou favoravelmente esta suspensão por representar um grande avanço, e assinalou que a medida não era suficiente e que deveria abranger mais zonas. Defendemos que o próprio método de delimitação das zonas deveria ser revisto, e que o rácio considerado, de 25%, seria demasiado elevado. Ainda assim, o Partido Socialista tardou em agir.
A título de exemplo, tomamos a cidade de Barcelona que tomou medidas no início de 2017 para interditar o aumento do número de registos na cidade. Podemos afirmar que Lisboa, tendo em conta os 19.610 AL, à data de 1 de Janeiro de 2019, ultrapassava Barcelona, em números absolutos. Apesar da contestação pelo Partido Socialista dos números avassaladores da realidade existente, é evidente para todos os impactos desta realidade na cidade de Lisboa. Tendo em conta que o equivalente a 20.000 casas estavam já entregues ao turismo era imperativo que medidas concretas fossem tomadas, sobretudo no sentido de dispersar o alojamento local existente pela cidade.
O Bloco de Esquerda propôs na CML que a suspensão de registos de AL fosse alargada, com efeito imediato, às zonas do centro mais sobrecarregadas de AL, ou seja, zonas da Baixa/Av. Liberdade/Av. Almirante Reis (29%). O Partido Socialista recusou esta Proposta.
Ainda antes da aprovação do Regulamento Municipal do Alojamento Local, à semelhança da medida aplicada em Barcelona, o Bloco apresentou a sua proposta para a regulação do alojamento local em Lisboa. O Partido socialista voltou a recusar.
A proposta de princípio do Bloco é clara e passa por cinco pontos fundamentais:
- interdição do aumento do número total de registos de alojamento local na cidade;
- suspensão imediata de registos nas zonas do centro mais sobrecarregadas;
- interdição de atribuição de novos registos nas zonas em que mais de 10% das casas existentes estejam entregues ao turismo;
- concessão de um registo numa zona não interdita só quando encerrar um registo na zona interdita;
- constituição de um gabinete imparcial de fiscalização do setor.
Ainda assim, o estabelecido no acordo entre Bloco de Esquerda e o Partido Socialista garantiu um período de avanços importantes na regulação do alojamento local (AL), que resultou na suspensão de licenças de novos estabelecimentos em várias zonas da cidade (as que atingiram os 20% de AL): Bairro Alto, Bairro da Madragoa, Castelo, Alfama, Mouraria, Colina de Santana e Graça. Protegemos a habitação e fizemos bem.
O Partido Socialista apresentou a sua proposta final de regulamento na Câmara Municipal de Lisboa, que ficava aquém do que a cidade precisa. Primeiro, porque não respondia à falta de fiscalização deste setor nos últimos anos. Segundo, porque as áreas de suspensão do AL que o PS propunha ficariam longe do necessário para Lisboa, ao excecionar qualquer tipo de regulação na zona da Baixa, Almirante Reis, Avenida da República e Avenida da Liberdade - neste momento com 32% de AL - por considerar que estas zonas se resumem a um uso terciário. O Bloco tornou pública a sua intenção de não viabilizar este regulamento caso a proposta não sofresse alterações, sugerindo novamente termos para uma nova proposta.
Depois de um longo processo, o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista negociaram uma solução que permitiu por um lado, dar continuidade à regulação existente, que estaria em risco caso este regulamento não fosse aprovado, deixando o alojamento local liberalizado a partir de 18 de novembro de 2019 e por outro lado, permitiu avançar mais na regulação do AL introduzindo novas zonas restritas. Assim sendo, para que fosse possível viabilizar uma nova proposta, o Bloco de Esquerda propôs ao Partido Socialista que garantisse estas duas condições:
1. Um instrumento de fiscalização e resposta rápida aos problemas associados a estes estabelecimentos. A anterior versão do regulamento não previa nenhum gabinete ou equipa, que coloque em prática as medidas propostas, e que proteja os munícipes, titulares de licenças e hóspedes de problemas de ruído, higiene ou licenciamentos. Estas questões não podem entrar como um processo normal na CML, cujo tempo de resposta inviabilizaria qualquer resolução atempada;
2. O alargamento das zonas condicionadas a novas licenças de AL à Baixa, Avenida da Liberdade, Avenida Almirante Reis, Avenida da República, até agora integradas numa zona de exceção por ser consideradamente “marcadamente terciária”.
Apesar de não ser a proposta do Bloco de Esquerda, provámos mais uma vez que é possível chegar a acordo para garantir, neste caso, que tenhamos um Regulamento de Alojamento Local estabilizado e uma ferramenta indispensável para combater a grave crise na habitação que se vive em Lisboa.
Esta é uma oportunidade de fazer avançar a regulação do AL em Lisboa, mas o trabalho não está concluído. É essencial garantir que a fiscalização e a capacidade de resposta dos serviços municipais é rápida, adequada e que está à altura deste desafio. Temos de garantir que é feito um levantamento dos estabelecimentos ilegais, que não cumprem as normas estabelecidas. Temos de manter uma monitorização da evolução deste fenómeno e agir preventivamente para garantir que nenhuma zona da cidade volte a enfrentar uma escassez severa de habitação de longa duração, que seja resumida a um bairro museu para turistas e temos que garantir, que a oferta hoteleira na cidade de Lisboa é equilibrada à realidade local de cada bairro, com acessos apropriados e uma presença sustentável no território.