Os resultados da segunda volta das eleições presidenciais colombianas do último domingo ditaram a vitória de Gustavo Petro, da Coligação Pacto Histórico, com cerca de 50,4% dos votos, suficientes para derrotar o seu opositor Rodolfo Hernández, conhecido como o “Trump colombiano", que obteve 47,2%.
Considerado por muitos o primeiro Presidente de esquerda do país, Gustavo Petro é também um símbolo da resistência colombiana, tendo pertencido ao grupo guerrilheiro Movimento 19 de Abril na sua juventude antes de ser eleito deputado e vereador.
A eleição de Petro marca uma mudança profunda na Colômbia, onde o poder político tem estado entregue à direita conservadora e as desigualdades económicas são profundas: os 10% mais ricos do país arrecadam mais de 50% do rendimento produzido num ano, ao passo que a metade inferior da população recebe menos de 10% deste, o que torna a Colômbia um dos países mais desiguais da OCDE.
No espaço de apenas um ano, entre 2020 e 2021, o índice de Gini colombiano, que mede as disparidades de rendimento nos países numa escala de 0 (igualdade perfeita) a 1 (desigualdade extrema), aumentou 7,4 pontos percentuais.
Um relatório recente do Banco Mundial confirma que a Colômbia continua a ser um dos países mais desiguais do mundo. Em 2018, apenas o Brasil tinha níveis de desigualdade mais elevados na América Latina. O Banco Mundial nota que o choque provocado pela pandemia arrastou “mais 3,6 milhões de pessoas para a pobreza” e que a probabilidade de uma mulher colombiana estar desempregada é 1,7 vezes superior à de um homem.
Contrariando o discurso da direita colombiana, o Banco Mundial sublinha os aspetos positivos do combate à desigualdade: “reduzir as desigualdades é não apenas um objetivo em si mesmo em termos morais, mas também é algo que faz sentido do ponto de vista económico. Combater as desigualdades pode levar a uma força de trabalho mais preparada, mais qualificada e mais produtiva, a um crescimento económico mais forte e sustentável e ainda a maior coesão social”.
É por isso que o programa económico do novo Presidente, que pode ser lido na íntegra aqui, tem merecido muita atenção. Formado em Economia, Gustavo Petro tem como prioridade “democratizar a economia” do país e combater a desigualdade. Para isso, avança com um conjunto de propostas estruturais descritas em baixo.
1. Reforma fiscal
Uma das propostas mais emblemáticas da candidatura de Gustavo Petro é a da reforma fiscal. A ideia passa por revogar a anterior reforma, levada a cabo em 2019, e iniciar uma nova que permita ao país arrecadar mais receitas fiscais por via da tributação dos mais ricos. Embora ainda não se conheçam detalhes, Petro disse recentemente que as principais fortunas da Colômbia seriam chamadas a contribuir mais e o programa prevê um combate mais assertivo à evasão fiscal (sobretudo, garantindo a tributação dos dividendos distribuídos). Além disso, também pretende eliminar um conjunto de benefícios fiscais e rendas garantidas para as empresas, sobretudo nos setores dos hidrocarbonetos e da extração de carvão.
2. Pensões
O atual sistema de pensões colombiano é misto, dividido entre o setor público e o privado e onde o sistema financeiro e os fundos de pensões têm um grande peso. O baixo valor das pensões tem sido um foco de descontentamento no país. Petro defende a unificação deste sistema, apostando no controlo público e na criação de um pilar contributivo obrigatório para a maioria dos trabalhadores.
A ideia será a de evitar um caso semelhante ao do Chile, em que o sistema de pensões foi privatizado durante a ditadura de Augusto Pinochet. O executivo chileno, inspirado nas teses neoliberais, impôs um regime de capitalização individual em que cada trabalhador tem de fazer uma contribuição obrigatória de 10% do rendimento e entregou a gestão do dinheiro a fundos de pensões privados, que ficariam responsáveis por investir nos mercados financeiros.
Apesar das promessas de prosperidade, o sistema viria a fracassar não apenas no Chile, mas também em vários dos países que seguiram este modelo, como foi confirmado por um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além da incerteza e dos riscos associados à aplicação do dinheiro nos mercados de capitais, a taxa de cobertura do sistema diminui de 64% em 1980 para 61% em 2007 e a maioria das pensões continua bastante abaixo dos padrões da OIT.
O Estado chileno teve de financiar pagamentos suplementares para aumentar os valores baixíssimos que o sistema privado paga à maioria das pessoas. Na prática, o sistema privado não só não foi mais eficiente na gestão do dinheiro, como ainda requer custos administrativos bastante superiores aos contribuintes. A esmagadora maioria dos chilenos recebe reformas muito baixas: 91% dos pensionistas recebe um valor mensal de $180, abaixo do limiar de pobreza.
3. Emprego e pobreza
A promoção pública do emprego é um dos aspetos centrais do programa de Petro. O Estado atuará como “empregador de último recurso”, fornecendo emprego a “quem pode e quer trabalhar, mas não encontra emprego no setor privado”. Este programa público de criação de emprego atuará de forma contra-cíclica, ajustando-se em função das fases de crescimento e recessão da economia, e favorecerá sobretudo a população desempregada e os trabalhadores informais.
Outra proposta importante de Petro é a de criar um “rendimento mínimo vital” para idosos que não tenham pensão e para mães solteiras.
4. Recursos naturais e transição energética
No programa de governo, pode ler-se que um dos objetivos principais é “transitar para uma economia produtiva baseada no respeito pela natureza, deixando para trás a dependência exclusiva do modelo extrativista e democratizando o uso de energias limpas”. Para promover a reconversão produtiva do país e o combate às alterações climáticas, Petro quer banir novas explorações de petróleo no país. Esta proposta tem preocupado os investidores e a indústria dos combustíveis fósseis, ainda que o novo presidente garanta que não vai quebrar os contratos em vigor.
É preciso ter em conta que a economia colombiana se encontra fortemente dependente da indústria fóssil. O petróleo representa quase metade das exportações colombianas e cerca de 10% do rendimento nacional. No entanto, a ideia de Petro passa por reduzir a dependência dos combustíveis fósseis através da aposta na economia circular e na produção e consumo ambientalmente sustentáveis, aliada a um plano de reconversão para os trabalhadores das indústrias extrativistas.
Para reduzir a dependência de combustíveis fósseis e recursos minerais e diversificar a produção nacional, Petro mencionou, entre outras, a aposta nas energias renováveis e na produção de canábis medicinal. A revisão dos tratados de livre comércio e o investimento público poderão desempenhar um papel importante neste processo.
5. Reforma agrária
Outra das propostas em cima da mesa é da reforma agrária. O objetivo da nova presidência passa por distribuir a propriedade rural de forma mais justa e desincentivar os “latifúndios improdutivos”, aumentando os impostos sobre as terras que não estiverem a ser utilizadas de forma produtiva.
A historiadora María Clara Torres, da Universidade de Nova Iorque, disse à BBC que esta reforma agrária constitui uma forma de “saldar a dívida histórica em relação aos camponeses”, lembrando que a desigualdade associada à propriedade rural esteve na base dos conflitos armados no país. Segundo o Centro de Memória Histórica, mais de metade dos terrenos na Colômbia encontra-se nas mãos de apenas 1,5% da população.
6. Macroeconomia
Do ponto de vista da gestão macroeconómica do país, o programa de Gustavo Petro refere a necessidade de voltar a dar importância à promoção pública do emprego e à redistribuição do rendimento, colocando-as no mesmo patamar de outros objetivos da política económica, como a sustentabilidade da dívida e o controlo da inflação.
Além disso, Petro sublinha a importância de uma banca pública, não apenas como intermediária financeira, mas também como parte da estratégia de desenvolvimento do país. As funções do banco do Estado, estarão a concessão de crédito para “potenciar a economia popular, urbana e rural” e promover a “justiça social e ambiental”.
A concretização deste programa estará dependente das maiorias que se formem no Congresso e da própria constituição do executivo. Ainda não se sabe quem ficará com a pasta das Finanças e tem sido levantada a hipótese de esta ser entregue a um economista com um percurso mais institucional, como José Antonio Ocampo, ex-ministro da Fazenda, professor da Universidade de Columbia (EUA) e antigo secretário executivo do órgão das Nações Unidas para o desenvolvimento da América Latina e do Caribe (CEPAL).
Em todo o caso, os ventos parecem ser de mudança no país. Luis Eduardo Celis, da Fundação para a Reconciliação colombiana, considera que “é mesmo um novo momento para a Colômbia”. Citado pelo The Guardian, Celis sublinha que o país “tem diversos assuntos pendentes que precisam de avanços: a reforma agrária, uma economia que esteja ao serviço das pessoas, uma tributação mais justa, [e ainda] escapar à fome e à pobreza e pôr fim à violência”.