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Colômbia do Pacto Histórico

No próximo domingo, 7 de agosto de 2022, tomam posse Gustavo Petro e Francia Márquez, presidente e vice-presidente da Colômbia. A sua vitória constitui uma importante mudança no país de Gabriel Garcia Márquez. Dossier organizado por Carlos Santos.

A vitória de Petro e Francia abriu caminho à esperança. É a primeira vez que um presidente e uma vice-presidente, afirmados e apoiados como pessoas de esquerda, vencem as eleições neste país e vão constituir Governo. Ele é um ex-guerrilheiro do M-19 e é bom não esquecer que a Colômbia já teve candidatos de esquerda a presidentes que foram assassinados.

A vitória de Petro e Francia constituiu uma mudança importante e tranformou-se numa grande manifestação de alegria do povo, das classes “de baixo”, neste país que tem vivido mergulhado em conflitos armados, em que vigora uma exploração desenfreada e o narcotráfico tem um poder imenso, assim como o exército.

Num mundo em profundas crises, uma vitória das forças políticas situadas mais à esquerda em determinado país é certamente algo que é necessário valorizar.

No caso da Colômbia o sucesso é ainda mais significativo, pois trata-se de um país que há muitos anos vem sendo um fiel subordinado do imperialismo norte-americano, assim como um discípulo das orientações norte-americanas nos campos militar e de segurança – não esqueçamos o Plano Colômbia1.

Neste quadro, o presidente e a vice-presidente vão ter que enfrentar imensos problemas, como indica o texto Petro-Márquez, uma grande vitória eleitoral, mas ainda falta controlar o poder.

Desde logo, na composição política saída das eleições. É verdade que no Congresso a representação de mulheres aumentou e haverá, pela primeira vez, 16 representantes de vítimas do conflito armado2. Mas Petro e Francia só conseguem maioria no Congresso, através de complicadas alianças3, porque o Pacto Histórico tem apenas 20 senadores (18,5% do Senado) e 28 deputados (14,9% da Câmara). A coligação governamental terá 63 mandatos em 108 lugares no Senado (58,3%) e 110 mandatos em 188 lugares na Câmara de Representantes (58,5%). Não será fácil gerir politicamente esta maioria.

Um problema maior e decisivo que Petro e Francia têm para enfrentar é o da paz, num país com uma grande atividade guerrilheira e com grandes problemas nas áreas deprimidas socialmente. O artigo Colômbia: Petro, Francia, o ELN e as FARC traça um importante quadro das guerrilhas, da sua evolução e dos problemas que estão colocados. Importa destacar que o ELN, a guerrilha de Camilo Torres, continua fora de um acordo de paz, embora já tenha manifestado apoio à mudança política e vontade de chegar a um pacto.

O artigo sobre As cinco teses incómodas da Comissão da Verdade sobre o conflito armado dá uma perspetiva profunda dos problemas do conflito armado, das lições a tirar e dos problemas que subsistem, com que o novo poder se vai confrontar. Não podemos esquecer que os assassinatos prosseguem na Colômbia e que nos primeiros sete meses de 2022 já foram mortos 109 líderes sociais.

Uma importante posição do Pacto Historico é que este não é mais um “socialismo petrolero”, como se chegou a intitular na Venezuela. Gustavo Petro critica o extrativismo, aponta que é inaceitável continuar no seu país com o predomínio da exportação do que chama “três venenos para a humanidade: Petróleo, Carvão e Cocaína” e defende “Uma redução gradual da dependência económica do petróleo e do carvão.” O artigo “Rumo a um progressismo ambiental? Colômbia e a renovação política da esquerda” assinala que esta é uma inovação na política da esquerda da América Latina.

Depois, e com prioridade, Petro, Francia e o seu governo vão ter de enfrentar os tormentosos problemas económicos num tempo de crise e espiral inflacionária. No artigo O que propõe a nova Presidência de esquerda para a economia são expostas as propostas apresentadas às eleições.

Gustavo Petro e o Pacto Histórico apresentam também debilidades significativas que são destacadas no artigo O triunfo de Petro e as limitações do “progressismo tardio”, numa situação em que como aponta este texto o “capitalismo nacional é uma impossibilidade” e o confronto com o imperialismo global é chave.

Estamos num tempo complexo, de grande mudança, num tempo em que as esquerdas são precárias e os imperialismos dominantes. A vitória do Pacto Histórico na Colômbia abre caminho à esperança. Cabe à esquerda acompanhar estes combates pela transformação da realidade e as lutas pela justiça climática, social, económica e política.

Notas:

2 “Colombia – Un nuevo Congreso con mayoría de Petro y sus aliados”, por Sofía Troiano, Página/12, 20-7-2022

3 As alianças envolvem até um acordo com o Partido Unión por la Gente, uma força política de direita, que foi criada em 2006 para apoiar Uribe, que tem 10 senadores e 15 deputados e acordou ser da coligação do governo e apoiar os projetos apresentados por Petro, “direcionados a diminuir a pobreza e a desigualdade; a fortalecer a segurança alimentar e a implementação dos acordos de paz”. “Colombia – Un nuevo Congreso con mayoría de Petro y sus aliados”, por Sofía Troiano, Página/12

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Neste dossier:

Colômbia do Pacto Histórico

No próximo domingo, 7 de agosto de 2022, tomam posse Gustavo Petro e Francia Márquez, presidente e vice-presidente da Colômbia. A sua vitória constitui uma importante mudança no país de Gabriel Garcia Márquez. Dossier organizado por Carlos Santos.

"o diálogo com o ELN é certamente o que ordena o panorama" - Foto Brasil de Fato

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Colômbia - As cinco teses incómodas da Comissão da Verdade sobre o conflito armado

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Gustavo Petro e Francia Márquez, presidente e vice-presidente eleitos da Colômbia com apoiantes, Colômbia, 19 de Carlos Ortega/Epa/Lusa

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Outdoor - Foto rebelion.org

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Gustavo Petro na comemoração da vitória eleitoral com a esposa - lapluma.net

O triunfo de Petro e as limitações do “progressismo tardio”

As opções económicas do presidente eleito incluem a aceitação da institucionalidade neoliberal. O primeiro elemento que confirma esta caraterização é o reconhecimento da Constituição de 1991. Artigo de Daniel Libreros Caicedo.