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Tunes: o conto de dois Fóruns Sociais Mundiais

Para o diretor da Campanha pelo Jubileu da Dívida, o FSM tem de se atualizar com urgência, para responder às necessidades de um mundo pós-primavera árabe, pós-occupy e indignados. A experiência na Tunísia mostrou bem os problemas e as oportunidades, explica Nick Dearden neste artigo.

O Fórum Social Mundial tunisino foi o mais enérgico, animado e jovem dos últimos anos. E não há dúvida que este país está a viver um despertar incrível, onde todas as perguntas sobre o futuro continuam sem resposta e todas as possibilidades estão em aberto.

Houve debates ferozes sobre o papel do Islão nesta sociedade renovada, a libertação das mulheres e da sexualidade, o imperialismo e o sindicalismo - para não falar dos debates que ficaram completamente fora de controlo, como o do Sahara Ocidental ou da Síria. A qualquer hora do dia realizaram-se manifestações improvisadas sobre muitos temas, sobretudo ao som do hip hop revolucionário.

O Fórum estava coberto de fotografias de 'heróis' anti-imperialistas, alguns mais apetecíveis que outros. Lugar de destaque para Chokri Belaid, o líder da oposição de esquerda assassinado semanas antes do Fórum. Belaid conseguiu juntar uma série de partidos e fações numa Frente Popular e transmitiu a muitos dos ativistas que aqui estiveram uma esperança num futuro governo radical.

O grupo fundamentalista islâmico salafista também apareceu para defender a sua posição contra os radicais secularistas. Entre os stands mais fora do comum estavam o do governo iraniano, da petrolífera Petrobras e da USAID (este último foi rapidamente desmontado após uma manifestação contra eles).

No espaço de juventude - feito com tendas doadas pela ONU - havia três palcos com estilos musicais desde a folk eletrónica árabe até três adolescentes com ar contrafeito a tocar versões de músicas do rock alternativo (e com muito jeito para a guitarra).

Vivos e com ideias

Tunes, naquele estilo descontraído e mais francês - há um mundo de distância para o barulho, poluição e confusão do Cairo - tem uma juventude viva e com ideias e que se não enquadra na perfeição às expetativas que possamos ter dela. 

Para os ativistas da dívida, a Tunísia é particularmente interessante, graças à decisão do parlamento de fazer uma auditoria à dívida criada sob a ditadura de Ben Ali. Isto representa um confronto direto com a França e o FMI, que estão ansiosos por fazer novos empréstimos para o governo pagar e reciclar a dívida odiosa do passado, e ao mesmo tempo usar os novos empréstimos para impor condições económicas à Tunísia. Sabe-se que há um pacote do FMI a ser ultimado - mas uma auditoria à dívida é o primeiro passo noutra direção.

A política desta potencial auditoria torna-se ainda mais emocionante com a oferta de ajuda do Equador, o primeiro país do mundo a auditar oficialmente a sua dívida, usando depois a auditoria para declarar a ilegitimidade de uma boa parte e fazer uma anulação multibilionária.  O Governo do Equador decretou recentemente outra auditoria acerca dos tratados de investimento  que muitas vezes não são mais que uma "carta dos direitos das empresas", impedindo os governos de interferirem nos lucros das transnacionais para protegerem os interesses dos povos.

Se a Tunísia seguisse o caminho das políticas do Equador, seria mais um prego no caixão da economia neoliberal. E também seria um duro golpe para o Governo francês, já aflito com a recusa da Tunísia em deixá-lo usar o espaço aéreo para a sua guerra no Mali. Mas aqui nada é seguro. Muitos ativistas dizem-se realmente frustrados por não verem as coisas a andarem mais depressa.

Repensar e atualizar

Ao contrário da energia tunisina, a parte "não-tunisina" deste FSM (aquele bocado da iniciativa onde muitos europeus, latino-americanos e asiáticos passaram a maior parte do tempo) pareceu suave e bem fora do prazo de validade. Estava geograficamente separada da zona onde os assuntos do Magrebe eram discutidos (um problema criado pelos organizadores), e o espaço  parecia mais um seminário político gigante do que aquele encontro vibrante pretendido por todos os grupos e ativistas.

O FSM começou em 2001 como uma expressão do movimento antiglobalização - que trouxe à primeira linha dos alvos de protesto aquelas instituições do "governo global" que não prestam contas a ninguém, como o FMI e a OMC -, como forma de juntar pessoas e forjar novas alianças e estratégia para a mudança.

Mas hoje há muitas sessões que são dominadas pelos mesmos oradores a fazer os mesmos discursos há 15 anos, avançando pouco para chegar a novos movimentos ou para construir alternativas abrangentes, isto apesar de repetirem sempre que "temos de articular melhor" a nossa agenda e os nossos movimentos. Mesmo dentro da secção internacional, os grupos do mesmo país ou língua acabam por ficar colados. Foi espantoso o debate sobre o Banco Central Europeu, dominado por ativistas alemães que nem sequer falaram na crise da Grécia.

O FSM nasceu muito antes dos movimentos dos Indignados ou Occupy, com o seu foco nos processos participativos de tomada de decisão e de "levar a política para o espaço público". Provavelmente a melhor coisa deste FSM foi entregar um espaço ao ar livre para este grupo de ativistas do Occupy e Indignados trabalharem com ativistas locais, como o Movimento Global das Praças.

Este espaço começou centrado na Europa mas foi tornando-se cada vez mais tunisino, até se mudar para o centro da cidade onde se juntou uma assembleia de milhares de pessoas, com a maior parte das intervenções a serem feitas em árabe. 

Na história do FSM houve vitórias muito  significativas para as redes aqui formadas e alimentadas.  A OMC e a NAFTA foram travadas no seu caminho. A soberania alimentar e a proibição dos organismos geneticamente modificados figuram hoje nas Constituições de alguns países. O direito à agua e os direitos dos camponeses são hoje reconhecidos pela ONU.

Mas apesar destas vitórias, enfrentamos uma montanha de injustiça, com as crises ambientais e económicas, o militarismo e a guerra, em muitos casos piores do que eram há 15 anos. À medida que as novas revoluções trazem uma nova geração de ativistas ao movimento pela justiça global, o FSM precisa de uma reformulação importante que o consiga equipar para estes novos desafios. Mais atenção à participação, ao planeamento, aos espaços abertos, à aprendizagem genuína em vez de regurgitar truísmos. A nível nacional tem de haver uma maneira melhor de assegurar que os novos militantes podem entrar e assumir o controlo do fórum - limitar as vezes que cada indivíduo pode assistir seria uma orientação interessante.

Os ativistas devem esperar a continuação da revolução na Tunísia e o início da revolução no Fórum Social Mundial.


Publicado por Red Pepper. Tradução de Luís Branco.

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