Água, um bem vital

porJosé Maria Cardoso

O serviço de abastecimento de água e de saneamento em Barcelos é um problema de longos anos que se tem agravado sucessivamente. A projetada resolução de sustentar e alargar a concessão provoca a submersão dos imprescindíveis propósitos de gerir a água como um bem vital. Por José Maria Cardoso

10 de março 2022 - 11:15
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Água - Foto de Paulete Matos
Água - Foto de Paulete Matos

O serviço de abastecimento de água e de saneamento em Barcelos é um problema de longos anos que se tem agravado sucessivamente. Ponto de partida que é sempre importante referir. Contrato blindado por interesses de encomenda, leonino por garantias unilaterais para a concessionária e politicamente criminoso enquanto gestão da causa pública, firmado pela Câmara PSD com a empresa privada Águas de Barcelos (AdB). Logo no primeiro ano de concessão, a diferença entre o consumo previsto e consumo efetivo foi de 24,4% e ao fim de cinco anos o consumo de água dos utentes era inferior em mais de metade ao estipulado no contrato, a partir do manipulado caso-base (de 141 litros per capita/diário previsto para um consumo médio real de 70 litros). Em valores de consumo total a diferença foi entre 24.912.247 m3 e 12.429.493 m3. Como consequência, a AdB, para reaver os lucros associados ao consumo contratado, exigiu ao município o pagamento da diferença requerendo a constituição de tribunal arbitral para que fosse reposto o “equilíbrio económico-financeiro da concessão”.

Em resultado deste processo, o Município de Barcelos, agora sob governação PS, foi condenado a pagar 172 milhões €, por indeminização da cláusula referida. Desde aí que a autarquia está sob a ameaça de um cutelo judicial que garroteia financeiramente as contas municipais. Diga-se, em abono da verdade, que o PS em 12 anos de governação não só nada resolveu como agravou substancialmente o problema. Envolto num manto de secretismo, o Presidente do executivo sob a outorga de “carta branca” que lhe foi conferida pela vereação, passou todos estes anos sem a concretização de qualquer compromisso.

Tomando como palco de intervenção o cenário dos factos apontados, com o historial do que representam – contrato danoso do PSD, inoperância calamitosa do PS - sabe-se agora que o PSD, como partido líder de uma híbrida coligação que retomou o poder da gestão autárquica, pretende reaproximar-se da empresa concessionária. Já aprovou aumento de tarifário para de seguida prorrogar o período de tempo de concessão. Depois é convencer os munícipes que a continuação do desastre é a melhor decisão para a paz social e a menos incómoda para as contas municipais.

Esta concessão deve ser apresentada como exemplo pedagógico do que não se deve fazer e servir de dissuasão para que outros não façam. Há muito que este modelo de privatização comprovou, com dados concretos, as nefastas consequências para os utentes e para as finanças públicas locais e nacionais.

A opção de manter a concessão, manifestada pelo PSD, para além de perpetuar uma irresponsável gestão dos fundos públicos como até agora se revelou, assenta num propósito perverso de apologia ao consumo, próprio da empresa que visa o lucro cuja lógica negocial em nada se compadece com a preservação de um bem vital, que impõe consumir menos para conservar mais.

Já agora, qual a posição do movimento Barcelos Terra do Futuro (BTF), que sempre foi favorável ao resgate da concessão que, tanto quanto se sabe, até foi motivo de rutura na Câmara de então por discordância de opção quando o presidente enveredou pelo acordo extrajudicial de aquisição de 49% do capital da empresa? Está o BTF disposto a abdicar dos seus fundamentos num ato de genuflexão política subjugando-se aos ditames do PSD?

Num momento em que muitas famílias se encontram em situação de carência económica e vivem com imensas dificuldades para cumprir o pagamento das despesas fixas, entre elas a fatura de água, é de institucionalizar o princípio do consumo mínimo garantido em detrimento do consumo mínimo obrigatório praticado pela empresa.

Num momento em que a democratização de acesso passa pela automatização da Tarifa Social da Água, que tomando como exemplo o concelho de Barcelos podemos ter como beneficiários cerca de 8.000 agregados familiares - tendo por base os critérios da Tarifa Social da Energia.

Num momento em que se reivindica a expansão da rede de saneamento básico, estagnada há mais de uma década com ocorrência de descargas diretas em terrenos agrícolas e condutas de águas pluviais como fuga ao exorbitante pagamento do serviço cobrado pela empresa, num claro atentado à saúde pública e qualidade de vida das populações.

Num momento em que o combate às alterações climáticas e a adaptação a um estado de seca severa e extrema como é notório no nosso país, exige de todo/as um contributo decisivo para uma prudente utilização de água através de modelos de consumo eficientes e poupados.

Como é que em Barcelos se responde a estas prementes necessidades, não tendo qualquer controlo sobre o serviço?

Estas exigências sociais e ambientais só estão garantidas com uma gestão pública de serviço municipal ou intermunicipal. A água está no centro do desenvolvimento sustentável e é demasiado importante para se mercantilizar. Não podemos protelar decisões que têm um tempo de risco iminente. Não o futuro, mas já o presente, evidencia-nos a premência da remunicipalização deste serviço e foi nesse sentido que o Bloco de Esquerda apresentou na passada reunião de AM uma moção pelo resgate da concessão. Foi rejeitada com o argumento do custo sem fazerem as contas de quanto custa manter o ruinoso negócio. A projetada resolução de sustentar e alargar a concessão, transborda de iniquidade e provoca a submersão dos imprescindíveis propósitos de gerir a água como um bem vital.

Artigo publicado no “Jornal de Barcelos” de março de 2022

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