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Zona franca da Madeira: descontos no IRC são auxílio ilegal às empresas

Portugal terá prestado auxílio ilegal às empresas da zona franca da Madeira, cobrando-lhes IRC reduzido sem que cumprissem as condições para tal, afirma a Comissão Europeia. Empresas poderão ter de pagar impostos em falta se a posição se confirmar.
Zona franca da Madeira vista de Oeste. Foto Sicco2007/Flickr.
Zona franca da Madeira vista de Oeste. Foto Sicco2007/Flickr.

A zona franca da Madeira continua a gerar um diferendo entre Portugal e a Comissão Europeia. Em julho do ano passado, a Comissão anunciou uma investigação às isenções fiscais praticadas no offshore, por suspeitas de abuso. Os resultados saíram agora a público, e não são abonatórios para o Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), nome oficial da zona franca, nem para o Estado português.

A zona franca da Madeira tem um regime especial de tributação vantajoso para as empresas, por exemplo uma taxa de IRC reduzida para 5% — a taxa normal é de 29%, embora o que as empresas efetivamente pagam em Portugal esteja mais próximo dos 20%. Desde 2015, está em vigor o chamado regime IV, que excluiu da zona franca a prestação de serviços financeiros mas quanto ao mais mantém o anterior regime III — que foi o objeto da investigação.

A zona franca foi frequentemente defendida como forma de facilitar a fixação de novas atividades na região, estimular a criação de emprego e diversificar a economia. Nela estão sediadas 2 mil empresas que rendem 5 milhões de euros à sociedade gestora da zona franca e 200 milhões aos cofres do arquipélago, cerca de 20% da sua receita fiscal. Mas na prática, notabilizou-se sobretudo pelo envolvimento nas atividades obscuras típicas das offshores: fuga ao fisco, ocultação de capitais, lavagem de dinheiro.

A criação de emprego revelou-se uma miragem: foram conhecidas situações em que uma única pessoa era gerente de 323 empresas, contabilizado como 323 postos de trabalho individuais, e 12 pessoas ocupavam mais de 100 posições em empresas, também contabilizadas como postos de trabalho individuais. Os 7 a 9 mil "postos de trabalho" da zona franca são portanto uma ficção. Outra situação pouco recomendável: o diretor da zona franca, João Machado, era anteriormente diretor da autoridade tributária madeirense, encarregada de fiscalizar a mesma.

A investigação da Comissão incidiu sobre dois aspetos que regulam o acesso à zona franca: a criação de emprego e a origem dos lucros na região. Em relação à criação de emprego, conclui-se com pouca surpresa que Portugal não fez qualquer verificação efetiva, criticando-se os postos de trabalho fictícios, ocupados na verdade pela mesma pessoa, e a contabilização de trabalhadores a tempo parcial como se fossem a tempo inteiro. Outro problema apontado é a localização real dos empregos: Portugal, afirma-se, "sistematicamente não fez qualquer distinção entre empregos criados dentro e fora da região, nem mesmo fora de Portugal e da UE, a fim de determinar o benefício fiscal máximo autorizado" (p. 13)

A origem dos lucros declarados na zona franca também suscita "sérias dúvidas" à Comissão, que autorizou o regime III na condição de os lucros das empresas da zona franca resultarem de atividades "efectiva e materialmente realizadas na região da Madeira” (p. 3). A disputa neste ponto gira sobre a interpretação do termo "efetiva e materialmente": o governo português argumenta que não deve significar que a atividade das empresas da zona franca se tenha de cingir à Madeira, nem que os seus trabalhadores tenham de exercer funções ali em permanência, e considera a interpretação da Comissão restritiva e incompatível com as regras europeias de livre circulação.

As conclusões da Comissão estão abertas durante um mês para contribuições das partes interessadas. Se a decisão final vier a confirmá-las, o Estado português poderá ter de exigir às empresas da zona franca vários milhões de euros em IRC cobrados irregularmente à taxa reduzida — um caso raro de oposição entre a política europeia e os interesses financeiros.

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