Offshore da Madeira na mira de investigação jornalística

17 de fevereiro 2017 - 15:36

A investigação “Money Island” junta jornalistas alemães, austríacos, franceses e espanhóis no rasto da evasão fiscal através do offshore da Madeira.

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Madeira
Foto John6536/Flickr

A investigação jornalística do consórcio liderado pela tv pública alemã ARD conta com a sua congénere austríaca ORF e os diários Le Monde e La Vanguardia. Esta semana foram publicados alguns detalhes da investigação, com nomes de empresas e pessoas que têm usado as vantagens oferecidas pelo Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) para escaparem às obrigações fiscais nos seus países de origem.

No Parlamento Europeu, no âmbito do inquérito aos Panama Papers, a eurodeputada portuguesa Ana Gomes apresentou um relatório sobre o regime fiscal do CINM, apontando os casos suspeitos, e a ausência de criação de emprego naquela região autónoma portuguesa. Para Ana Gomes, a zona franca da Madeira está “extremamente vulnerável à utilização por empresas e organizações criminosas internacionais para o planeamento fiscal agressivo, fraude e evasão fiscal e branqueamento de capitais”. Em delarações à imprensa, o PS/Madeira afirmou a sua "absoluta repulsa" pela intervenção da eurodeputada do partido.

Promessas de criação de emprego nunca se concretizaram

As reportagens comprovam também o impacto inexistente na criação de postos de trabalho na Madeira através do CINM, apesar do compromisso fixado em 2007 de que cada empresa inscrita no offshore ter de criar pelo menos um posto de trabalho. Acontece que as companhias que oferecem os seus serviços para montar empresas-fantasma na Madeira colocam as mesmas pessoas em cargos de várias empresas. Segundo o La Vanguardia, o exemplo mais paradigmático é o de Roberto Luiz Homem, que na última década terá “gerido” pelo menos 323 empresas. Nas publicações oficiais da Madeira há registo de pelo menos 12 pessoas que trabalharam para mais de 100 empresas na última década.

Um inspetor das Finanças espanholas entrevistado pelo jornal fala dos entraves colocados aos pedidos de informação sob casos na mira do fisco no país vizinho. Apesar da existência de acordos bilaterais, os pedidos têm de ser sempre justificados, diz José Maria Peláez. A partir de setembro, a troca de informação sobre contas superiores a 250 mil euros será automática, mas só abrange as empresas com atividade aberta no final de 2015 ou que abriram atividade no offshore da Madeira a partir dessa data.

O número de empresas inscritas no CINM tem vindo a cair desde 2000, o ano em que passaram a ser tributadas com taxas entre 1% a 5%. Antes dessa data, o único rendimento que deixavam na ilha era uma taxa de mil euros por ano paga à empresa proprietária do CINM, a Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, cujo capital pertence em 25% a entidades públicas e 75% a privados e tem como maior acionista o Grupo Pestana.

Escândalos na Madeira: De Isabel dos Santos ao braço direito de Khadafi, passando por futebolistas e pela Halliburton

Entre as fortunas que aproveitaram o regime especial da zona franca da Madeira estão a bilionária angolana Isabel dos Santos. O negócio da compra da Efacec através de uma sociedade registada na Madeira, a Winterfell, por cerca de 200 milhões de euros, esteve sob suspeita de se tratar financiamento indireto e ilegal do Estado angolano à filha do presidente Eduardo dos Santos. O acordo entre a Winterfell e a companhia elétrica angolana terá permitido a compra da Efacec e contratos para fornecer equipamento de construção de barragens em Angola, diz o jornalista angolano Rafael Marques, citado nesta investigação.

Outro dos nomes referidos é o de Bashir Saleh Bashir, o homem indicado pelo governo líbio de Khadafi para liderar a agência de investimentos no estrangeiro. Bashir criou na Madeira a empresa LAP Overseas Unipessoal S.A., que foi a maior acionista de um projeto de plantação de arroz em Moçambique e através do qual se suspeita que terão sido desviados lucros do projeto.  

O ponto de partida para esta investigação foi a reportagem emitida no programa da RTP “Sexta às nove”, que tinha como protagonistas algumas das estrelas dos principais clubes da liga espanhola de futebol. Nas notícias agora publicadas, surgem os nomes de Xabi Alonso, que terá recebido parte dos prémios previstos no seu contrato com o Real Madrid taxados a 0% através de uma empresa da Madeira. Outro caso relativo ao mesmo futebolista, mas sobre o pagamento dos direitos de imagem pela mesma empresa, que lhe permitiu poupar mais de 2 milhões em impostos, foi arquivado no fim de 2016 antes de chegar a tribunal, com o juiz a declarar que Alonso tinha declarado às finanças a sua participação nestas empresas, pelo que não teria intenção de ocultar essa ligação. Mas com parte do salário a ser recebido também através do offshore da Madeira, o caso poderá ser reaberto.

O esquema para fugir ao fisco espanhol foi usado por outros futebolistas e resume-se desta forma: o futebolista cede gratuitamente uma parte dos seus direitos de imagem a uma empresa-fantasma na Madeira, que não paga quase nenhum imposto; o dinheiro dos patrocinadores é depositado na conta bancária dessa empresa; o jogador recupera o dinheiro quase livre de impostos, uma vez que essa empresa lhe pertence. Um dos futebolistas apanhados no esquema foi Javier Mascherano, do Barcelona, que optou por pagar os montantes não declarados em Espanha e uma multa pesada para escapar à prisão.

Um caso mais antigo envolveu o escândalo de corrupção na Nigéria em torno de comissões pagas a governantes em troca de contratos petrolíferos. As empresas no centro deste caso usaram o offshore da Madeira para pagar através de empresas ali constituídas, cerca de 180 milhões de euros. Estas quatro empresas – a norte-americana Halliburton, a holandesa Snamprogetti, a japonesa JGC e a francesa Technip – pagaram ao todo multas de mais de 1500 milhões de dólares em 2010, após declararem-se culpadas nos tribunais norte-americanos.