O contributo dos vistos gold para a crise da habitação é evidenciado neste estudo elaborado, entre janeiro e fevereiro deste ano, por um Grupo de Trabalho Técnico Interministerial, com a participação dos ministérios dos Negócios Estrangeiros, Administração Interna, Habitação, Justiça, Economia, Cultura e Presidência.
No relatório, a que a Renascença teve acesso, questiona-se “em que medida o regime das ARI retirou o acesso à habitação a cidadãos nacionais, por ter havido uma diminuição do número de imóveis disponíveis no mercado residencial para nacionais e/ou por ter inflacionado o preço dos imóveis nas zonas de maior pressão”.
Os autores assinalam que, “na literatura existente sobre o tema, é muitas vezes apontado que a compra de imóveis por requerente de ARI, entre outros fatores, promove a subida dos preços dos imóveis, ultrapassando a capacidade financeira das famílias nacionais”.
Maioria de “vistos gold” vem de países com maior risco de branqueamento de capitais
Em geral, “a pressão na procura conduz ao aumento dos preços” e, sendo a habitação uma “importante fatia do rendimento das famílias”, o programa resultou em “dificuldades de acesso à habitação”, lê-se no documento.
Referindo-se a existência de “um boom” na procura do mercado imobiliário, esta é relacionada com os “despejos e a deslocalização de residentes do centro das cidades”. Os autores indicam existir uma tendência para “uma espécie de monopólio urbano”, com os investidores a ocuparem os centros das cidades e os residentes, sem terem condições de acompanhar a subida dos preços, a serem empurrados para as periferias.
“Esta reestruturação não terá apenas exacerbado as desigualdades sociais entre locais/inquilinos e ricos investidores migrantes, mas também o aumento da insegurança da habitação para uma grande parte da população que viu o seu rendimento disponível diminuir através de aumentos de renda, e uma estagnação dos salários”, é acrescentado.
O relatório contém ainda críticas aos sucessivos governos, que, “apesar das recomendações das instituições europeias”, não criaram “um mecanismo estatal de monitorização e avaliação” do programa.
“Resultados na criação de emprego não têm significado”
Com apenas 280 postos de trabalho criados em onze anos, o estudo revela que “não há evidências do cumprimento de tão variado leque de objetivos: os resultados na criação de emprego não têm significado”.
Os autores explicam que tal decorre do facto de os investidores terem privilegiado o imobiliário, com cerca de 90% dos investimentos nesse setor.
“A inexpressividade do investimento através de outras modalidades de ARI permite concluir que o programa não tem contribuído para o desenvolvimento de atividades de elevado valor acrescentado”, conclui-se.
Vistos Gold aumentam “os riscos de corrupção”
No relatório, em que se citam entidades como o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, ou o Índice de Perceção da Corrupção, produzido pela Transparência Internacional, são destacados “os riscos de branqueamento de capitais, corrupção, evasão fiscal, desequilíbrios macroeconómicos e desestabilização dos mercados imobiliários que estes programas presumivelmente acarretam”.
E é deixado um alerta: “Os valores fundamentais da UE, nomeadamente os valores da igualdade, não discriminação e liberdade de circulação podem estar sob ameaça”.
De acordo com os autores, a atribuição de autorizações de residência através dos vistos gold promove “práticas discriminatórias”, na medida em que privilegia os investidores estrangeiros endinheirados face aos migrantes mais desfavorecidos.
Muda o nome, mantém-se o mecanismo
A 16 de fevereiro, aquando a apresentação do pacote Mais Habitação, o Governo anunciou o fim dos vistos gold. No entanto, os movimentos pelo direito à Habitação têm vindo a denunciar que o executivo socialista apenas mudou o nome e enquadramento do programa, pelo que reivindicam “o fim real dos mecanismos previstos nos vistos gold”.
Também Catarina Martins acusou o Governo de “enganar as pessoas”. "O Governo pode prometer tudo, mas enquanto continuar a premiar os fundos de investimento e os residentes não habituais, ou a ter vistos gold com novos nomes como aparece no Mais Habitação, as casas vão continuar a preços impossíveis”, referiu a coordenadora do Bloco aquando da manifestação Casa para Viver.