Vistos Gold inflacionaram preços das casas e exacerbaram desigualdades

24 de abril 2023 - 14:01

Relatório encomendado pelo próprio Governo confirma que este regime “retirou o acesso à habitação a cidadãos nacionais” e que “os resultados na criação de emprego não têm significado”. Documento assinala ainda que os vistos gold são permeáveis à corrupção.

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Foto de Ana Mendes.

O contributo dos vistos gold para a crise da habitação é evidenciado neste estudo elaborado, entre janeiro e fevereiro deste ano, por um Grupo de Trabalho Técnico Interministerial, com a participação dos ministérios dos Negócios Estrangeiros, Administração Interna, Habitação, Justiça, Economia, Cultura e Presidência.

No relatório, a que a Renascença teve acesso, questiona-se “em que medida o regime das ARI retirou o acesso à habitação a cidadãos nacionais, por ter havido uma diminuição do número de imóveis disponíveis no mercado residencial para nacionais e/ou por ter inflacionado o preço dos imóveis nas zonas de maior pressão”.

Os autores assinalam que, “na literatura existente sobre o tema, é muitas vezes apontado que a compra de imóveis por requerente de ARI, entre outros fatores, promove a subida dos preços dos imóveis, ultrapassando a capacidade financeira das famílias nacionais”.

Em geral, “a pressão na procura conduz ao aumento dos preços” e, sendo a habitação uma “importante fatia do rendimento das famílias”, o programa resultou em “dificuldades de acesso à habitação”, lê-se no documento.

Referindo-se a existência de “um boom” na procura do mercado imobiliário, esta é relacionada com os “despejos e a deslocalização de residentes do centro das cidades”. Os autores indicam existir uma tendência para “uma espécie de monopólio urbano”, com os investidores a ocuparem os centros das cidades e os residentes, sem terem condições de acompanhar a subida dos preços, a serem empurrados para as periferias.

“Esta reestruturação não terá apenas exacerbado as desigualdades sociais entre locais/inquilinos e ricos investidores migrantes, mas também o aumento da insegurança da habitação para uma grande parte da população que viu o seu rendimento disponível diminuir através de aumentos de renda, e uma estagnação dos salários”, é acrescentado.

O relatório contém ainda críticas aos sucessivos governos, que, “apesar das recomendações das instituições europeias”, não criaram “um mecanismo estatal de monitorização e avaliação” do programa.

“Resultados na criação de emprego não têm significado”

Com apenas 280 postos de trabalho criados em onze anos, o estudo revela que “não há evidências do cumprimento de tão variado leque de objetivos: os resultados na criação de emprego não têm significado”.

Os autores explicam que tal decorre do facto de os investidores terem privilegiado o imobiliário, com cerca de 90% dos investimentos nesse setor.

“A inexpressividade do investimento através de outras modalidades de ARI permite concluir que o programa não tem contribuído para o desenvolvimento de atividades de elevado valor acrescentado”, conclui-se.

Vistos Gold aumentam “os riscos de corrupção”

No relatório, em que se citam entidades como o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, ou o Índice de Perceção da Corrupção, produzido pela Transparência Internacional, são destacados “os riscos de branqueamento de capitais, corrupção, evasão fiscal, desequilíbrios macroeconómicos e desestabilização dos mercados imobiliários que estes programas presumivelmente acarretam”.

E é deixado um alerta: “Os valores fundamentais da UE, nomeadamente os valores da igualdade, não discriminação e liberdade de circulação podem estar sob ameaça”.

De acordo com os autores, a atribuição de autorizações de residência através dos vistos gold promove “práticas discriminatórias”, na medida em que privilegia os investidores estrangeiros endinheirados face aos migrantes mais desfavorecidos.

Muda o nome, mantém-se o mecanismo

A 16 de fevereiro, aquando a apresentação do pacote Mais Habitação, o Governo anunciou o fim dos vistos gold. No entanto, os movimentos pelo direito à Habitação têm vindo a denunciar que o executivo socialista apenas mudou o nome e enquadramento do programa, pelo que reivindicam “o fim real dos mecanismos previstos nos vistos gold”.

Também Catarina Martins acusou o Governo de “enganar as pessoas”. "O Governo pode prometer tudo, mas enquanto continuar a premiar os fundos de investimento e os residentes não habituais, ou a ter vistos gold com novos nomes como aparece no Mais Habitação, as casas vão continuar a preços impossíveis”, referiu a coordenadora do Bloco aquando da manifestação Casa para Viver.