Maioria de “vistos gold” vem de países com maior risco de branqueamento de capitais

20 de fevereiro 2023 - 15:34

Entre investidores e familiares, 15.620 pessoas oriundas das 30 jurisdições com maior risco de branqueamento de capitais conseguiram autorização de residência em Portugal desde 2012 mediante recurso a “vistos gold”.

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Foto Jernej Furman/Flickr

Desde 2012, 29.666 pessoas obtiveram autorização de residência em Portugal ao abrigo dos "vistos gold", das quais 15.620 vieram das 30 jurisdições de maior risco de branqueamento de capitais, noticia o jornal Público. Os dados são do consórcio de jornalistas Investigate Europe, e incluem não só os requerentes de autorização de residência para investimento (ARI) como também os candidatos que obtiveram autorização de residência por reagrupamento familiar entre 2012 e início de dezembro do ano passado.

Vietname, Paquistão, Camboja e China figuram entre os países de origem com maior risco de branqueamento de capitais de onde vem a grande maioria das pessoas que recorreram ao regime dos "vistos gold" para obter autorização de residência em Portugal. A China ocupa o primeiro lugar do pódio, com 47% do total.

Desde 2018, Portugal concedeu, no âmbito dos "vistos gold", autorização de residência a 1.447 familiares oriundos de países classificados pela União Europeia como “não-cooperantes” em termos de transparência fiscal. Os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras permitem perceber que 109 autorizações foram concedidas a familiares vindos de jurisdições da lista vermelha, 74 dos quais provenientes dos Emirados Árabes Unidos.

Multiplicam-se os alertas sobre "vistos gold"

A Comissão Europeia tem alertou recentemente para os riscos de programas como os "vistos gold", instando países como Portugal a implementar fortes sistemas de controlo para prevenir situações de falhas de segurança, branqueamento de capitais, evasão fiscal e corrupção.

Ainda assim, o SEF esclarece que não procede a qualquer tipo de fiscalização no que respeita ao perfil de risco dos candidatos ou à origem do dinheiro: “Quanto à problemática da origem ilícita de recursos, esta extravasa a área de actuação e competência do SEF. Todo e qualquer pedido ARI (excepto a criação de 10 postos de trabalho) assentam no pressuposto de uma transferência internacional de capitais, obedecendo à legislação em matéria de branqueamento de capitais em vigor, por transposição de Directivas Comunitárias”, referiu um porta-voz do SEF, citado pelo Público.

A Transparência Internacional Portugal também tem vindo a alertar para os perigos dos "vistos gold". Karina Carvalho, diretora executiva da TI, afirmou que “os dados que se vão obtendo a conta-gotas – e sobretudo a falta de dados! – revelam a completa irresponsabilidade do SEF na concessão dos “vistos gold”, mas também uma atuação contrária ao interesse público”.

Karina Carvalho alerta que “a falta de diligência devida (…) desde 2012 pode ter concedido livre-trânsito para Portugal e para a UE a um número indeterminado de cleptocratas e pessoas que enriqueceram ilicitamente em países com fraco desempenho no combate à corrupção e lavagem de dinheiro, ou com nota negativa na defesa dos direitos humanos”.

No final de 2021, o Governo alterou as regras de acesso aos vistos, eliminando o principal critério de atribuição de vistos relativo ao investimento imobiliário em Lisboa e no Porto e aumentando o valor de investimento mínimo de 250.000 euros para 500.000 euros.

Rita Silva, presidente da ONG Habita, explica os possíveis efeitos perversos desta medida: “Em vez de os requerentes de visto dourado investirem diretamente na compra de uma casa, eles investem na compra de uma participação num fundo imobiliário”.

A ativista acrescenta que “está em todo o lado na Internet, às claras: como contornar a proibição de investimento direto na compra de propriedade em Lisboa”. Rita Silva refere que, inclusive, a subida do limite mínimo de investimento poderá traduzir-se no aumento dos preços das casas.

“Entrevistei um promotor imobiliário para a minha tese de doutoramento (…) ele disse-me que não vendia casas, vendia vistos. E depois disse-me: ‘Eu tenho de subir os preços, é obrigatório.’ Porquê? ‘Porque eles não estão a comprar as casas, estão a comprar os vistos.’ Penso que isto encoraja a subida de preços. Estes tipos de incentivos favorecem, eles mesmos, a especulação”, detalha a ativista.

Recentemente, António Costa anunciou que o governo vai eliminar a “concessão de novos "vistos gold".  E que, "quanto aos 'vistos gold' já concedidos, (…) só haverá lugar à renovação se forem habitação própria e permanente do proprietário e do seu descendente, ou se for colocado o imóvel duradouramente no mercado de arrendamento”.

Contudo, a Habita apontou que o fim dos “vistos gold” apenas mudará o nome e enquadramento, mas o mecanismo "manter-se-á, uma vez que continuará a existir a autorização de residência para investimento externo, que poderá ser feito via fundos de investimento imobiliário, repercutindo-se no preço da habitação”.