EUA: atentado contra Trump

A violência, a imagem decisiva e as teorias da conspiração

14 de julho 2024 - 12:02

Ao contrário do que Biden diz, este tipo de violência não é “inédito” no país. Para além disso, a extrema-direita tornou omnipresente a sua ameaça. E a forma como o tiroteio foi rapidamente transformado em arma de arremesso nas redes com o desdobrar de teorias da conspiração significa que o potencial de escalada é muito elevado.

por

Emma Shortis

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Trump depois do tiroteio no comício deste sábado.
Trump depois do tiroteio no comício deste sábado. Foto de DAVID MAXWELL/EPA/Lusa.

Os tiros disparados contra Donald Trump durante um comício na Pensilvânia, no sábado, estão a ser investigados como uma tentativa de assassinato do antigo presidente e atual candidato presidencial republicano.

As tentativas de assassínio de presidentes e candidatos presidenciais estão disseminadas pela história americana. O que aconteceu na Pensilvânia é horrível, mas infelizmente não é surpreendente.

Fiquei realmente impressionada com o número de figuras políticas de topo nos Estados Unidos que se manifestaram após o tiroteio e afirmaram que a violência política não tem lugar na América. O Presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou que este tipo de violência é "inédito" nos EUA.

Isto é bastante surpreendente. Os Estados Unidos foram fundados com base na violência política e os incidentes de violência política marcam toda a sua história.

De facto, Biden começou a sua carreira política apresentando-se como o herdeiro político dos irmãos Kennedy assassinados – o Presidente John F. Kennedy, assassinado em 1963, e Robert F. Kennedy, assassinado em 1968.

No entanto, o facto de este incidente ter ocorrido neste momento, dada a natureza volátil da campanha presidencial até agora e as profundas divisões nos Estados Unidos, é profundamente preocupante.

A forma como o tiroteio foi tão rapidamente transformado em arma de arremesso nas redes sociais – com teorias da conspiração a desenvolverem-se em tempo real – significa que o potencial de escalada deste tipo de violência é muito elevado.

Basta olhar para a insurreição do Capitólio dos EUA, a 6 de janeiro de 2021, para ver a rapidez com que a violência política pode explodir nos EUA.

Isto deve-se, pelo menos em parte, à forma como a retórica violenta tem sido cultivada deliberadamente por elementos da extrema-direita nos últimos anos. Em particular, correntes subjacentes de violência política têm fervilhado nos comícios de Trump desde o início da sua primeira candidatura à presidência em 2016.

A ameaça de violência tornou-se central para a imagem política de Trump, para a sua atração e para a sua base de apoiantes. Basta assistir a alguns momentos de cada comício e discurso de Trump para o ouvir falar de violência, muitas vezes em pormenor e com grande prazer.

Por exemplo, ele referiu repetidamente teorias da conspiração ao descrever o ataque contra o marido da antiga Presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, Paul, na sua casa em 2022, para além de gozar com ele e fazer piadas com o ataque.

Esta é uma caraterística, e não um bug, da campanha de Trump e do movimento que o apoia.

E tem impacto no mundo real. Uma análise nacional conduzida em 2020 pela ABC News identificou 54 casos criminais em que o próprio Trump tinha sido invocado em "ligação direta com atos violentos, ameaças de violência ou alegações de agressão".

Há apenas um par de semanas, Kevin Roberts, presidente do grupo de reflexão de direita Heritage Foundation (o arquiteto do plano do Projeto 2025 para reformar o governo dos EUA sob uma segunda presidência de Trump), falou sobre uma "segunda Revolução Americana" que "aconteceria sem sangue se a esquerda o permitisse".

Dado que esta ameaça de violência se tornou omnipresente, é talvez mais surpreendente que incidentes desta magnitude não aconteçam com mais frequência, ou não tenham já acontecido.

Uma imagem que define a campanha

É também surpreendente o facto de Trump ser um mestre da imagem política. Podemos ver isso nas imagens do tiroteio na Pensilvânia: depois de Trump se levantar, levanta o punho desafiadoramente para que essa imagem seja capturada.

É claro que essa imagem vai definir este momento, se não toda a campanha presidencial de Trump.

Houve uma série de pontos de viragem nesta campanha até agora, e este pode muito bem ser o decisivo. Pode transformar Trump de mártir em santo aos olhos dos seus apoiantes.

Observar a forma como Trump, a sua campanha e as pessoas que o rodeiam utilizam esta narrativa será muito importante, especialmente antes da Convenção Nacional Republicana, que tem início marcado para os próximos dias no Wisconsin.

Já é possível ver elementos da direita - particularmente entre os apoiantes de Trump – a tentar usar a tentativa de assassinato para fomentar teorias da conspiração como um ponto de campanha para o ex-presidente.

Dadas a quebra de desempenho de Biden no recente debate, está também a surgir uma imagem contrastante dos dois candidatos, que pode vir a solidificar-se ainda mais, mesmo que não os reflita com exatidão.

Esta imagem de Trump, ensanguentado e com o punho erguido, pode certamente vir a enquadrar toda a sua campanha e a juntar apoios.

É inteiramente possível, então, que este se tenha tornado o momento em que Trump ganhou a eleição.


Emma Shortis é investigadora na School of Global, Urban and Social Studies da RMIT University

Artigo publicado originalmente no The Conversation. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.