O chavismo venceu as eleições regionais da Venezuela do passado domingo. O presidente Nicolás Maduro apressou-se a declarar uma "vitória arrasadora" do seu partido, que conquistou 18 governos contra cinco da oposição, sendo que no estado de Bolívar a vitória do candidato oficialista só foi proclamada pela CNE na madrugada desta quarta-feira e por pouco mais de 1500 votos.
A MUD declarou não reconhecer os resultados, e pediu uma auditoria global do processo; mas alguns dirigentes da MUD aceitaram os resultados, como Henri Falcón, governador derrotado do estado de Lara, que afirmou: “Digo responsavelmente: nós perdemos, tão simples como isso e é preciso aceitá-lo porque também temos de ter grandeza”.
O próprio Henrique Capriles, um dos principais líderes da MUD, ex-governador do estado de Miranda, que estava afastado da disputa, não fez qualquer alusão, na nota que publicou após as e eleições, às denúncias de fraude. “Derrotamo-nos a nós mesmos”, disse o deputado José Guerra, da oposição, citado pela BBC.
Desta forma, e apesar de as manipulações eleitorais poderem ter pesado nalguns resultados finais e até terem determinado a vitória ou a derrota na disputa de um ou outro governo (o caso de Bolívar deixa muitas dúvidas), a vitória do Grande Pólo Patriótico Simón Bolívar parece claro.
Porém, vale a pena aprofundar a análise cuidadosa dos números, de forma sistemática, para tirar as primeiras conclusões.
Vitória sim, mas longe de “arrasadora”
Ao fazer a análise de uma eleição, é sempre bom compará-la com a última do mesmo tipo, mesmo sabendo que esta ocorreu há cinco anos e este espaço de tempo, num país instável como a Venezuela, é uma eternidade. Comparando com as regionais de 2012, o chavismo perdeu dois governos (caiu de 20 governos para 18) e a oposição conquistou dois (subiu de 3 para 5). Em percentuais de votação, o GPP teve, há cinco anos, 54,75% dos votos, e agora caiu para 52,77%.
A vitória em número de governos não corresponde a igual proporção de votos. Este ano, os maduristas venceram por cerca de 800 mil votos, uma diferença de cerca de 7,5 pontos percentuais.
Na análise dos governos perdidos e ganhos, a vitória dos maduristas não é tão retumbante.
É certo que a oposição perdeu o estado de Miranda, que inclui parte dos municípios da Grande Caracas, a capital do país; trata-se do segundo maior estado em população e era uma bandeira dos oposicionistas – Capriles foi eleito governador em 2008 e 2012. Mas também é verdade que a MUD venceu em Zúlia, o estado com maior número de eleitores e que conta com as maiores reservas de petróleo e de gás do continente, Táchira, onde se realiza a maior atividade comercial não-petrolífera do país, Mérida e Nueva Esparta, importantes estados turísticos, e Anzoátegui. Curiosamente, nenhum destes era governado pela oposição, cuja gestão foi derrotada nos três estados que governava antes: Amazonas, Miranda e Lara.
A vitória do GPP só ganha vulto se comparada com a derrota sofrida nas eleições legislativas de 2015, quando os maduristas obtiveram apenas 40,9% dos votos, contra 56,2% da MUD, e também diante das sondagens que previam a vitória retumbante da oposição.
Aonde foram parar os 8,3 milhões de votos na “Constituinte”?
Nas passadas eleições para a chamada Constituinte convocada pelo presidente Nicolás Maduro, os chavistas afirmaram ter tido 8,3 milhões de votos. Esse resultado, que não consta oficialmente no site da Comissão Nacional de Eleições, foi muito citado pelos partidários do madurismo que o invocavam para desmentir os que contestavam a legitimidade da Constituinte. Ora, na vitória “arrasadora” de domingo dia 15 de outubro, o GPP obteve cerca de 5,8 milhões de votos, perto de 2,5 milhões a menos que em 31 de julho.
É certo que nas regionais há uma parcela de 2.147.793 eleitores que não votam: os recenseados no município Libertador, que compreende o Distrito Capital. Mesmo assim, considerando a média de abstenção de 39% e um resultado de 54,5% dos votos (o resultado com que o atual prefeito ganhou nas municipais de 2013), mesmo assim o máximo que o GPP poderia ter nesse município eram 700 mil votos a mais. (Ver aqui uma análise mais detalhada).
Ainda “sobra” 1,8 milhão de votos que não se sabe onde foi parar. Não tem a ver com uma fraca comparência às urnas, porque a abstenção no domingo 15 de outubro foi a menor de sempre em eleições regionais. A única explicação plausível é que esse número, como se denunciou muitas vezes, tenha sido totalmente fantasioso. Acontece que a “Constituinte” é uma instituição considerada plenipotenciária, com mais poderes, teoricamente, que o próprio Nicolás Maduro.
Causas
A esquerda venezuelana não-alinhada ao madurismo parece estar a digerir os resultados e nada publicou ainda sobre o balanço do 15 de outubro. Entretanto, as causas da derrota da oposição começam a vir à luz do dia. Em primeiro lugar, a divisão: nem todos os seus componentes defenderam as candidaturas do MUD. A ex-deputada María Corina Machado e o prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma, defenderam que a oposição não deveria ir às eleições e, ao não conseguirem vencer, chamaram à abstenção. Por outro lado, o facto de o MUD ter apoiado as sanções de Trump também em nada deve ter incentivado ao voto dos setores populares que sofrem com a hiperinflação e a redução quase a zero do seu poder de compra. Sanções como as decretadas pela Casa Branca sempre atingem o povo e não a boliburguesia que especula com o câmbio.
Outro aspecto que, não tendo sido talvez determinante, teve certamente consequências para a vitória madurista foi a panóplia de manobras eleitorais dos governistas. Tais como:
– A relocalização de mais de 250 centros de votação a menos de 72 horas da eleição. No total, votavam nestes centros meio milhão de pessoas.
– A transmissão, nos média estatais, de propaganda pró-governo, proibida por lei a partir da quinta-feira anterior.
– A presença ostensiva dos “coletivos” (paramilitares chavistas) nas portas dos centros eleitorais de zonas de maior presença da oposição.
Finalmente, a ausência de uma terceira opção, forte e socialista, teve consequências diante da polarização entre o falso socialismo do século XX e a direita pura e dura. O futuro mantém-se incerto na terra de Bolívar.