Vacinas como bem comum - apelo da cidadania

08 de abril 2021 - 8:40

Foi divulgado esta quinta-feira um apelo “para que as vacinas sejam consideradas como um bem de interesse comum”, a fim de que a população seja vacinada até ao verão. O documento é subscrito por destacadas personalidades da sociedade do nosso país e tem como primeiro subscritor José Aranda da Silva, primeiro presidente do Infarmed.

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Vacinas como bem comum, primeiros subscritores do apelo
Vacinas como bem comum, primeiros subscritores do apelo

Foi divulgado hoje, 8 de abril, em Portugal, um documento que, seguindo a declaração de António Guterres, de fevereiro passado, segundo o qual “o mundo precisa urgentemente de um Plano Global de Vacinação”, apela a que “as vacinas sejam consideradas como um bem de interesse comum, cuja produção tem de ser controlada e alargada utilizando todos os processos para que a população seja rapidamente vacinada até ao verão”. O apelo pode ser assinado aqui.

No documento, que publicamos na íntegra, juntamente com a lista de subscritores, considera-se que é "incompreensível" a falta de vacinas hoje observada em Portugal e na Europa, que colocou "os cidadãos europeus em situação de subalternidade em relação aos produtores de vacinas”.

O texto refere que “é indispensável que a Comissão Europeia seja capaz de demostrar cabalmente e definitivamente a sua capacidade de superar os interesses financeiros e industriais, sob a proteção de Estados-membros mais influentes, a favor do bem-estar das populações europeias”.

E defende que agora é “a altura para a Comissão Europeia publicar os locais de produção de vacinas existentes na União, dando a conhecer a sua capacidade produtiva, o número de vacinas produzidas desde Novembro de 2020 e o seu destino” e ainda que é a altura para “invocar a legislação europeia sobre propriedade industrial para permitir a produção em fábricas de diversos laboratórios que estão disponíveis, em vários Estados-membros”.

Texto integral do apelo e lista das pessoas que o subscrevem:

Apelo – Vacinas como bem comum

No último ano, como consequência da pandemia de Covid-19, morreram quase três milhões de pessoas e o mundo mergulhou numa grave crise económica e social que atirou milhões de indivíduos para o desemprego e a miséria. A situação é de catástrofe.

Controlar a pandemia e as suas consequências implica, para além das consensuais medidas de contenção da infeção, a mobilização de apoio social aos mais afetados pela crise e a utilização em massa das vacinas contra a Covid-19.

Em Fevereiro último, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas António Guterres lançou um apelo: “o mundo precisa urgentemente de um Plano Global de Vacinação, que reúna todos aqueles com energia, conhecimento científico e capacidade produtiva e financeira necessários.”  

As vacinas, instrumento indispensável no combate global à pandemia, transformaram-se num bem de interesse público. Como tal, não podem estar sujeitas às leis de mercado da oferta e da procura.

Foi possível ter vacinas disponíveis num prazo excecionalmente curto. Isso deveu-se, no caso das vacinas hoje aprovadas pela Agência Europeia dos Medicamentos, ao investimento público efetuado na Europa e nos Estados Unidos. Esse investimento assegurou que companhias produtoras beneficiassem de condições extraordinárias para a investigação e a produção das vacinas. Também a existência de linhas de investigação então já em curso em países como a Alemanha, Portugal e o Reino Unido permitiram acelerar o processo de investigação e desenvolvimento e ganhar tempo.

As autoridades públicas reguladoras que garantem aos cidadãos a eficácia e segurança dos medicamentos puseram em prática novos procedimentos e mobilizaram enormes recursos científicos que, sem prejuízo dessa mesma eficácia e segurança, permitiram a avaliação das vacinas em tempo recorde.

Conseguiu-se o mais difícil: conduzir o processo de investigação e de realização de ensaios clínicos com centenas de milhares de indivíduos, nos vários continentes, até à aprovação por parte das autoridades reguladoras.

A produção e distribuição de vacinas é um processo complexo, mas muito mais simples do que as fases anteriores.

Existem na Europa cerca de oitenta fábricas de vacinas e, de acordo com sítio na internet vaccineseurope.eu, que agrupa diversos produtores de vacinas, em 2019 eram aqui produzidas para o mercado mundial 76% das vacinas (13% eram produzidas nos Estados Unidos, 8% na Ásia e 3% no resto do mundo).

Perante estes dados, é incompreensível a falta de vacinas hoje observadas em Portugal e na Europa, que colocaram os cidadãos europeus em situação de subalternidade em relação aos produtores de vacinas.

Os argumentos avançados pela Comissão Europeia relativamente à natureza dos contratos, à capacidade de produção existente e aos preços acordados não são aceitáveis.

É indispensável que a Comissão Europeia seja capaz de demostrar cabalmente e definitivamente a sua capacidade de superar os interesses financeiros e industriais, sob a proteção de Estados-membros mais influentes, a favor do bem-estar das populações europeias.

Numa altura em que a presidência rotativa da União Europeia incumbe a Portugal, é urgente que os cidadãos portugueses tomem uma posição firme sobre uma matéria tão significativa para o presente e futuro dos europeus.

Em casos tipificados como de “catástrofe”, a legislação europeia e nacional permite que os Estados-membros invoquem “motivos de interesse público” e de ”primordial importância para a saúde pública ou para a defesa nacional” para adotarem medidas que obriguem à produção de vacinas em locais que não sejam as fábricas detentoras da patente.

O Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde dizia no passado mês de fevereiro “que perante a situação de catástrofe devíamos usar todas as ferramentas para aumentar a produção, incluindo o licenciamento e a transferência de tecnologia e isenções de propriedade industrial. Se não é agora é quando?”.

Nos últimos anos, os Estados Unidos utilizaram várias vezes essa prerrogativa.

Perante a catástrofe que estamos a viver, e perante a trágica insuficiência da resposta europeia, os cidadãos apelam a que sejam tomadas, com urgência, medidas capazes de proteger a saúde das populações. Essas medidas exigem a partilha transparente de informação, a utilização de legislação que foi prevista para situações de catástrofe e a mobilização de recursos e capacidades produtivas.

É agora a altura para a Comissão Europeia publicar os locais de produção de vacinas existentes na União, dando a conhecer a sua capacidade produtiva, o número de vacinas produzidas desde Novembro de 2020 e o seu destino.

É agora a altura para invocar a legislação europeia sobre propriedade industrial para permitir a produção em fábricas de diversos laboratórios que estão disponíveis, em vários Estados-membros.

É agora o momento certo para que as vacinas sejam consideradas como um bem de interesse comum, cuja produção tem de ser controlada e alargada utilizando todos os processos para que a população seja rapidamente vacinada até ao verão.

Primeiros subscritores e subscritoras:

José Aranda da Silva, primeiro presidente do Infarmed, ex-membro do C.A. da Agência Europeia do Medicamento, Maria de Belém, ex-ministra da Saúde, Ana Gomes, ex-deputada ao Parlamento Europeu e ex-candidata à Presidência da República, Marisa Matias, deputada ao Parlamento Europeu e ex-candidata à Presidência da República, João Ferreira, deputado ao Parlamento Europeu e ex-candidato à Presidência da República, José Gusmão, deputado ao Parlamento Europeu, Pedro Bacelar de Vasconcelos, professor universitário e deputado à Assembleia da República, Moisés Ferreira, deputado à Assembleia da República, Manuel Alegre, poeta, ex-candidato à Presidência da República, Ana Jorge, médica, ex-ministra da Saúde, D. Januário Torgal Ferreira, bispo Católico, Constantino Sakellarides, professor emérito da ENSP, ex diretor-geral da Saúde, Henrique de Barros, presidente do Conselho Nacional de Saúde, Júlio Machado Vaz, médico psiquiatra, Eugénio Fonseca, ex-presidente da Cáritas Portuguesa, Jorge Sequeiros, médico e professor universitário, Alexandre Alves Costa, professor catedrático emérito da Universidade do Porto, Manuel Correia Fernandes, arquiteto e Professor da Universidade do Porto, Carlos Carvalhas, economista, José Cavalheiro, professor da FEUP-INEB, Albino Almeida, presidente da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, Teresa Gago, médica dentista, Cipriano Justo, médico e professor de Saúde Pública, José Reis, Economista e professor na FEUC, Eduardo Paz Ferreira, jurista e professor universitário, Eduardo Barroco de Melo, deputado à Assembleia da República

Outros subscritores/as:

Abílio Hernandez, professor catedrático na UC
Alda Sousa, professora universitário no ICBAS
Alfreda Fonseca, professora
Alfredo Caldeira, jurista
Américo Monteiro Oliveira, sindicalista
Ana Drago, socióloga
Ana Isabel Silva, investigadora científica no i3S
André Lamas Leite, jurista e professor universitário
António Avelãs, professor e sindicalista
António Leuschner, médico psiquiatra
António Marujo, jornalista
António Rodrigues, médico
Bernardo Vilas Boas, médico
Bruno Maia, médico
Carlos Conde, investigador científico no i3S
Carlos Gouveia Pinto¸ professor jubilado do ISEG
Daniel Oliveira, jornalista
Diana Andringa, jornalista
Eduardo Medeiros, antropólogo
Elysabet Geraldes, médica
Eugénia Pires, economista
Eugénia Santiago, farmacêutica
Fátima Sá, historiadora
Fernando Nunes da Silva, professor no Instituto Superior Técnico
Francisco Louçã, economista
Guadalupe Simões, enfermeira
Helena Pato, professora
Henrique Sousa, sindicalista
Isabel Abreu, farmacêutica e professora da Universidade Lusíada
Isabel Allegro Magalhães, Professora Universitária
Isabel do Carmo, médica
Isabel Pedroto, médica gastroenterologista
Isabel Prata, química
João Almeida, engenheiro
João Rodrigues, médico de família
Jorge Aires, general da Força Aérea
José Carlos Martins, enfermeiro e presidente do SEP
José Guimarães Morais, professor emérito da FFUL, ex membro CPHMP da Agência Europeia do Medicamento
José Manuel Boavida, endocrinologista e presidente APDP
Jose Manuel Sobral, professor catedrático do ISCTE
José Vítor Malheiros, consultor
Júlio Cardoso, Ator
Leonor Xavier, jornalista e escritora
Luiz Gamito, médico psiquiatra
Manuel Lopes, enfermeiro e professor da Universidade de Évora
Manuel Martins Guerreiro, almirante
Manuela Nunes, bibliotecária
Marcos Farias Ferreira, professor no ISCSP, Universidade de Lisboa
Maria Augusta Sousa, enfermeira e ex-Bastonária da OE
Maria Espinheira, ativista política
Nuno David, economista
Patrícia Alves, médica
Paula Cabeçadas, ativista política
Paulo Fidalgo, médico
Pedro Ferreira, professor catedrático FEUC
Pedro Maciel Barbosa, ULS Matosinhos
Pedro Pezarat Correia, general do Exército
Rui Feijó, professor universitário
Rui Monteiro, médico
Rui Sarmento e Castro, médico infeciologista
Rui Tavares, historiador
Sandra Monteiro, jornalista
Sofia Seca, bióloga
Teresa Summavielle, investigadora científica no i3S
Vitor Ramos, médico de família e presidente Fundação SNS
Vitor Sarmento, empresário

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