O período em que nos encontramos, dedicado à panóplia de argumentos para conquistar o eleitorado, é permeado por afirmações que beiram o absurdo, a mentira e somente promovem o sentimento do medo do outro e da estigmatização dos indivíduos.
Se de um lado temos um candidato como o Dr. Ventura, que percebe o sol, a chuva, o dia e a noite como fenómenos das ações dos imigrantes, por outro, aquilo que queremos, sonhamos e desejamos, está na imaginação e nas palavras do não imigrante e do português legítimo que pensa ser a nossa voz.
Mas alto lá! Não precisamos de tutela. Apenas é preciso de um espaço para nos pronunciar e fomentar o desenvolvimento de toda nossa comunidade migrante, ou não.
De partida, assumo o plural e, por isso, como imigrantes e confiantes no futuro, não vamos bradar e ofender. Porque assim, distanciamo-nos da conhecida postura do Dr. Ventura.
Também não vamos usar do artifício de sempre atacar e, quase sempre, esquecer a verdade. Muito menos ficaremos pela verdade individual e, portanto, deixaremos a subjetividade descansada. Recorremos à serenidade em que a dúvida é a melhor virtude.
Isto posto, questionamo-nos: Como ex-seminarista, que o é o Dr. Ventura, de onde vem tanta violência perante o ensinamento de amar o próximo como a ti mesmo e ao mandamento de não levantar falso testemunho?
O ensinamento relacionado a amar o próximo como a ti mesmo, é totalmente educativo. Porque nos faz vigilantes para que as nossas ações não ofendam outras pessoas, ponto!
Contudo, pelo que vocifera, parece-nos que, para o candidato, o próximo é aquele que está no seu círculo de amizade, que julga ser o igual a ele, pronto para a troca de favores e todos do mesmo tacho.
Os que não estão no caldo de Ventura, são os outros, os imigrantes. E, esses, tem que ser estocados. Independente de saber que a ponta que chega ao nosso peito, somente aumenta a "DOR nossa de cada dia". A dor que se transmuta no duelo em saber o que deixamos para trás com desejo de viver como sonhamos, pela frente.
Desta feita, será o Dr. Ventura partícipe de uma super minoria portuguesa, ou mundial, que não tem qualquer familiar imigrante, amigo imigrante ou parentes de amigos imigrantes? Por todo o seu ódio destilado, podemos dizer que a resposta no imaginário de Ventura é: Sim, eu Sou!.
Ao ser movido pelo ódio, o candidato não percebe que aquilo que odeia, xinga e condena é a realidade de seus compatriotas em outras partes. Afinal, por exemplo, conforme diferentes publicações, 22% da população de Luxemburgo é portuguesa.
Peço desculpa ao leitor. Mas tomarei a liberdade para, assim como o Dr. Ventura, falar do meu umbigo, ops! Desculpe! falar daquilo que me cerca. O meu vizinho emigrou para Luxemburgo, e a sua maior alegria é poder falar português quase todo o tempo. E a sua maior tristeza é ser comparado com as mais de 10 famílias portuguesas que foram arguidas por terem subsídios indevidos do Estado luxemburguês.
E serão esses portugueses imigrantes diferentes daqueles que Ventura diz viver do Estado Português? Portanto, será que o imigrante paquistanês, indiano, brasileiro (ou... naquilo que fica entalado na garganta do Dr. Ventura, essas merdas todas....) são diferentes daqueles de Luxemburgo?
Ao mesmo tempo, será que os 7% de compatriotas lusos, que formam a população de França (a comunidade mais numerosa depois daquelas que viveram a dominação francesa, como Argélia e Marrocos), que estão a laborar todos os dias para terem uma vida melhor do que aquela que acham que Portugal não os proporciona, têm que ouvir que português é o faxineiro, o frentista ou o senhor do Elevador, ficam felizes com o discurso dos iguais a Ventura?
E, o pior de tudo, porque o Dr. Ventura esconde a realidade que Portugal não está nem entre os Top 5 países da Europa que mais recebem imigrantes? E o fato que a imigração é uma questão de soberania e sobrevivência dos países ditos do "Velho Mundo"?.
Ao berrar que a imigração eleva a criminalidade e que o país está cheio de produtos do Mercosul, em direção contrária aos dados da segurança pública, com um Mercosul não ativo, o ex-seminarista ataca o mandamento de não levantar falso testemunho e, por conseguinte, distancia-se da verdade.
Conforme dados oficiais, 88% da população imigrante, em Portugal, está empregada, a faixa etária daqueles que trabalham é menor que o geral da população portuguesa e, portanto, contribuímos mais para a segurança social e consequentemente para as pensões e aposentadorias. E, também, temos mais do que é mais precioso para qualquer população: Esperança. Essa, personificada em crianças.
O discurso de Ventura fomenta a rixa e a discórdia. Não tem qualquer solidariedade com as várias famílias migrantes da Europa que levantam cedo, vão ao trabalho para serem mão de obra barata e acreditam estarem em busca de uma vida melhor. E desconsidera que essas pessoas, são muito maiores do que aquelas que ficam na tangente do bem estar coletivo.
Como a esperança é o nosso motor, acreditamos que nem o candidato confia na generalização dos casos particulares que alude. E, por isso, a sua fala é estritamente para fomentar o medo. Pois é por ele que o populismo ganha força e o voto instrumental parece razoável. Afinal o medo assume diversas formas, seja o seu nome Ventura, Bolsonaro, Mussolini, Hitler, Trump, Le Pen ou Salazar.
O aumento do discurso anti-imigração é proporcional ao grito que nós, imigrantes e partícipes da mesma realidade de nossos irmãos portugueses em Luxemburgo, França, Suíça... passamos a ouvir com maior frequência: Volte para a tua Terra!
A frase tem todo o seu poder associada com o olhar de desprezo, a feição em guerra e o dedo em riste que, por azar do destino, nenhum dos próximos ao Ventura poderão entender a sua força e energia para pensar: O que eu estou fazendo aqui?! Afinal, a Europa é muito maior que Portugal.
Rogério Lima é Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Atualmente, como imigrante, a exercer a atividade de motorista de Táxi.