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Tudo o que eu queria era poder votar

Tudo o que eu queria, era poder votar. Desde que me mudei para o Reino Unido, em 2011, que perdi eleições. Nunca antes tinha faltado ao meu direito de voto. Contudo, estar no estrangeiro e votar é complicado. Por Joana Santos.
Estar no estrangeiro e votar é complicado

Quando o quis fazer informaram-me que tinha de estar registada no Consulado. A verdade é que ainda não o tinha feito na altura, e continuo sem o fazer. Não porque não o tenha tentado. Inclusivamente cheguei a informar-me acerca do que seria necessário para me registar, mas para além da papelada do costume, teria que me deslocar pessoalmente a Londres. Na altura eu estava desempregada e as viagens de comboios no Reino Unido são quase tão caras (se não mesmo mais caras, em certas ocasiões) do que as viagens de avião. Eu estava a 205 km de distância. Não podia despender do dinheiro e creio que provavelmente teria de voltar lá uma segunda vez, porque já sabemos como funcionam as burocracias nos sistemas portugueses, ainda que em terras de outrem. Também sabia que deslocar-me ao Consulado significaria uma espera infinita e quiçá regressar a casa de “mãos a abanar”, na eventualidade dos serviços fecharem no dia, sem conseguirem dar vazão ao número de gente que a eles recorre diariamente. Eu tinha ouvido as histórias: “três meses de espera para tirar um cartão de cidadão”; “fui lá e não me resolveram o problema”; “não cheguei a ser atendido/a”. Confesso não tinha grande vontade de me submeter a este processo. Também estava fora de questão deslocar-me a Portugal de propósito para votar (o que na verdade aconteceu uma vez), ainda que por norma fizesse mesa na minha secção de voto.

Desta vez, tudo foi diferente. Pouco tempo após ter chegado ao Reino Unido foi-me atribuída uma bolsa de investigação de doutoramento pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Significa isto que me encontro no estrangeiro ao abrigo de um programa educacional. Desta vez já tenho condições financeiras que me permitem pagar um bilhete de comboio de ida-e-volta a Londres (continuo a não residir em Londres, embora agora esteja mais próximo: 128 Km). Continuo a não estar registada no Consulado. Porque queria mesmo muito votar, tentei contactar o Consulado para saber de que forma o poderia fazer. Recebi em resposta uma mensagem de correio eletrónico “formatada” com um copy – paste da legislação, onde dizia que tinha de me registar até 60 dias antes das eleições. Fiquei inclusivamente surpreendida com este e-mail que me foi enviado logo no dia seguinte, infelizmente com pouca informação que me servisse. Não poderia registar-me a tempo para votar porque ia estar fora do país, em trabalho. Decidi que iria a Portugal votar, porque era importante. Contudo nem sempre as coisas correm como queremos e esta opção era também inviável. Resolvi ir investigar e bastou-me uma breve busca no website da Comissão Nacional de Eleições (CNE) para perceber que havia algumas exceções a esta regra do registo consular até 60 dias antes do ato eleitoral. Escrevi novamente para o consulado para esclarecer esta situação, uma vez que telefonar é impensável. Tentei por duas vezes, estive mais de 15 minutos ao telefone em ambas as ocasiões, apenas para ouvir uma mensagem longa, monocórdica, aborrecida, com um individuo a explicar porque é difícil ligar para o Consulado (um grande número de chamadas por dia) e a recomendar o envio de mensagem por correio eletrónico, embora a resposta pudesse demorar até 15 dias úteis uma vez que têm de lidar com um “enormíssimo” volume de e-mails diariamente. Conclusão, é difícil falar com quem trabalha no Consulado, qualquer que seja a forma tentada. Ainda assim, enviei um e-mail com os detalhes que encontrei no folheto informativo disponível online, realçados a azul e vermelho (perguntas a vermelho, respostas a azul) e que dizia o seguinte:

- "Quem pode votar antecipadamente estando deslocado no estrangeiro?

Investigadores e bolseiros em instituições universitárias ou equiparadas, como tal reconhecidas pelo ministério competente.

- Como faço para votar antecipadamente? E até quando?

Para votarem antecipadamente devem dirigir-se, entre os dias 22 e 24 de Setembro, as representações diplomáticas consulares ou as delegações externas dos ministérios e instituições publicas portuguesas previamente definidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (informação disponível), devendo indicar o seu número de eleitor, identificar-se e apresentar um comprovativo do impedimento de deslocação a Assembleia de voto no dia da eleição. Após isso, vota e é-lhe entregue um recibo."

Anexei o próprio folheto informativo.

Posteriormente reforcei o meu e-mail enviando uma nova mensagem com a resposta que obtive diretamente da Comissão Nacional de Eleições, que vinha ao encontro do que eu tinha apurado previamente. Continuava sem resposta. Tentei, sem sucesso, ligar. Finalmente, ao fim de três semanas, informaram-me através de correio eletrónico de que para votar não precisava de fazer marcação prévia, sendo esta também uma das minhas dúvidas.

Chegava a Inglaterra dia 23 de setembro e programei a ida a Londres para dia 24 de setembro, o último dia em que podia votar. Levava comigo os documentos que sabia iria precisar: o cartão de cidadão; levava até o próprio cartão de eleitor e uma carta da universidade em que dizia que eu estava aqui inscrita, com os pormenores do meu percurso académico (quando me inscrevi, em que ano estou, orientador, etc.). Ao chegar o porteiro encaminhou-me para “a sala grande”. Nunca tinha estado no Consulado, desconhecia o que era a sala grande, mas resolvi entrar. Ao fundo, de facto havia uma sala grande, onde todas as cadeiras estavam ocupadas, e mais ainda estariam se as houvesse. Muitas pessoas encostadas às paredes, aos balcões de informações. Percebi que um grupo de jovens estava a ser dirigido para uma área onde havia um elevador, seguindo um funcionário. Percebi que o funcionário dissera qualquer coisa que não consegui ouvir, mas resolvi perguntar. Disse-me “para o voto antecipado” e juntei-me ao grupo. Não sei se o deveria ter feito porque já iam 3 pessoas para cima, 4 comigo, e mais tarde reparei que só queriam grupos de 3 pessoas de cada vez para ir votar. Aliás, enquanto aguardava na sala de cima, várias pessoas subiram e pediram-lhes que descessem até à sala grande, enquanto aguardavam que os chamassem. Houve piadas sobre se caberíamos todos no elevador, talvez para que eu ficasse para trás. No final de contas não houve grande problema porque dois dos jovens, após uma conversa com o funcionário durante a viagem de elevador, tiveram de ir embora. Não tinham trazido o documento da universidade a dizer que estavam inscritos. Ou melhor, tinham trazido, mas era uma versão impressa de um ficheiro PDF que lhes tinha sido enviado e que não ia servir para o Consulado Português. Lidando com a FCT já há uns anos precavi-me desta situação e tinha pedido a ‘hard copy’ ou versão em papel do documento que a minha universidade me ia enviar. Mas é verdade que por terras de Sua Majestade há alguma tolerância relativamente aos documentos oficiais. Na verdade, tudo funciona muito através destas cartas que são enviadas por e-mail, que talvez demonstre um certo nível de confiança nos cidadãos que em Portugal nos escapa. Faz-me lembrar a estranheza que senti ao entrar pela primeira vez num supermercado em Inglaterra, com sacos de outras lojas, sem me pedir à entrada para os selar. Estranha-se não haver bilhetes de identidade ou até aceitar-se um comprovativo do multibanco para determinadas situações, em vez do velhinho documento impresso em papel timbrado e carimbado com selo branco.

Relaxei. Sabia que o meu documento ia ser aceite. Ia também munida com a troca de correspondência do mês anterior com o Consulado e a Comissão Nacional de Eleições, determinada a que nada nem ninguém me detivessem no meu direito de voto. Conclusão, éramos dois a ter os documentos necessários para votar sendo que o outro rapaz, pelo que percebi um professor, estava a voltar após se ter deslocado ao Consulado no dia anterior e ter sido mandado embora por essa mesma razão.

Um grupo de quatro cadeiras encostadas à parede, uma rapariga sentada na cadeira da ponta, olhava para o seu computador portátil. Duas secretárias em frente ao conjunto de cadeiras. Na da esquerda, o rapaz que foi buscar todos os que queriam votar uns minutos antes e na da direita, um outro rapaz de volta de uns papéis, com um ar muito ocupado. Não me passou despercebido o facto de não haver mulheres a trabalhar neste sector do Consulado.

O processo de voto antecipado é complicado. Numa primeira fase fornecemos os dados e apresentamos os documentos que são primeiramente validados pelo funcionário do Consulado. Ouvi vezes sem conta a frase “não sei se vão aceitar isto”. Depois assinamos um documento que confirma os nossos dados. A seguir aguardamos que um senhor de bigode nos chame para uma sala pequena, fechada. Enquanto esperava, chegou uma rapariga que foi informada que o documento dela não iria servir para votar. Provavelmente com razão, ela estava indignada! E depois disse “pois, compreendo”. Foi nesta altura que eu disse que talvez não devêssemos compreender, por vários motivos. Principalmente porque, apesar do processo de voto antecipado ser complicado, o Consulado devia dispor de informação rigorosa acerca do que é necessário para o fazer. Os seus funcionários deviam estar esclarecidos e aptos a prestar informações corretas. Por exemplo, sabendo como funciona a provisão de documentação num país como o Reino Unido, devia fazer um parêntesis e explicar que documentos que sejam enviados por e-mail ou que não estejam assinados e carimbados, não serão aceites. Também eles residentes no país, os funcionários do Consulado certamente têm a mesma experiência que os restantes cidadãos portugueses em território estrangeiro. Sabem, certamente, que se precisarem de uma qualquer carta de um determinado serviço, provavelmente lhes vão dar um papel que respeita diferentes trâmites daqueles que encontramos em Portugal. O Consulado devia saber explicar, por exemplo, que tipo de documento pretende das universidades, relativamente aos estudantes no estrangeiro. E digo isto porque no final de contas e apesar de ter entregue todos os documentos necessários e o meu processo não ter sido complicado, cheguei à conclusão que não sei se o meu voto vai ser válido! A rapariga sentada na ponta da fila de cadeiras já tinha passado pelo processo de voto e aguardava agora que a Senhora Cônsul decidisse se ela poderia votar ou não. Parece que é estudante de doutoramento financiada por uma instituição estrangeira (ou seja, não portuguesa) e já se encontra no território há algum tempo, mas não está registada. Depois de uma conversa animada entre nós (meros cidadãos) e os funcionários do Consulado, em que tentávamos perceber porque é que uma folha de papel impressa a preto tinha menos valor do que uma folha de papel com a mesma informação impressa a cores, percebi que afinal de contas a entrega de documentos não era tão linear e também o meu voto estaria em risco! Disse-me então o funcionário que esta situação do voto antecipado está prevista para situações como a minha, em que estou deslocada ao abrigo de uma bolsa nacional, mas que se prevê que ao fim de 4 anos o cidadão português esteja registado no Consulado, qualquer que seja a situação. Quando entrei para a sala do senhor de bigode, que falou comigo com aquele típico ar autoritário de funcionário público que tem muito que fazer e não está para me aturar, pus-lhe a minha questão. Ora, estou em Inglaterra há quatro anos, ao abrigo de um programa da FCT; trouxe todos os documentos que me foram requeridos para poder votar, incluindo a carta da universidade, mas em nenhum lado há quem é a minha instituição financiadora, que é portuguesa. E nesta altura diz-me o senhor do bigode que o meu voto nem devia ser aceite. Que cada vez que mudamos de residência temos de notificar a quem de direito. Até concordo com isto, mas porque hei-de me registar no Consulado em Inglaterra se a minha residência oficial continua a ser a casa dos meus pais em Portugal? E nunca me foi dito, nem percebi pelo que li da informação disponível, que teria de entregar uma carta da minha instituição financiadora. O que percebi, inclusive pelo folheto informativo, é que uma vez estudante e ao abrigo de uma bolsa poderia usufruir do voto antecipado, desde que as instituições universitárias sejam reconhecidas pelo ministério competente. Ora, para me terem atribuído uma bolsa de estudo para uma universidade estrangeira, certamente reconhecem o seu estatuto de instituição de ensino. O meu voto foi aceite. O senhor de bigode saiu da sala, eu escrevinhei a minha cruz no quadrado que queria, fechei o boletim de voto num envelope branco, enquanto estava sozinha na sala. Disse-me o senhor do Consulado que aceitam os nossos votos, uma vez que por causa de pressões políticas foram instruídos a aceitar os votos de todos os estudantes, mas no final de contas não sei se o meu voto será validado. Esta parte do processo passa pelo presidente da junta onde estou recenseada, que vai autorizar ou não, consoante as justificações que foram enviadas, que o meu voto seja incluído na tombola. Desconheço se o senhor presidente da junta está devidamente informado acerca destas questões e também não sei qual o seu nível de inglês para decifrar o que está escrito na carta da universidade endereçada ao Consulado de Portugal em Londres, onde diz que estou inscrita no curso de doutoramento, motivo pelo qual não me poderei deslocar a Portugal para votar.

Tivesse eu sido devidamente informada e atempadamente esclarecida pelo Consulado, ou até se tivessem atendido os meus telefonemas, talvez me pudessem ter dito que tipo de documento pretendiam, embora eu tenha levado comigo um “comprovativo do impedimento de deslocação à assembleia de voto no dia da eleição” que segundo a Comissão Nacional de Eleições seria o “comprovativo da Universidade onde está a realizar o Doutoramento1.

Mas como me disseram por lá, o número de emigrantes em Londres (presumo que seja sinónimo de Reino Unido) aumentou exponencialmente nos últimos quatro anos e o número de funcionários do Consulado diminuiu. Não se fazem omeletes sem ovos, bem sei. Mas sinto-me lesada e preocupada que, depois desta odisseia, o meu voto vá parar ao caixote do lixo.


1 Excertos do e-mail que recebi da CNE, resposta ao meu pedido de esclarecimentos relativamente ao voto antecipado.

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