Dentro do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte, foi selado na manhã desta quinta-feira o acordo entre a mineradora Vale S.A., governo de Minas e instituições da Justiça, enquanto do lado de fora as pessoas atingidas pelo crime se manifestavam contra a negociação. O acordo teve o valor final de 37,6 mil milhões de reais [5.8 mil milhões de euros].
Segundo o governador Romeu Zema, dá-se assim por encerrado o débito que a mineradora tem para com o Estado de Minas Gerais, pelos prejuízos sociais e económicos do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho. Exceto se vier a aparecer um novo prejuízo, como problemas de saúde ainda não identificados.
O governo mineiro tem comemorado o acordo como inédito – “o maior conjunto de medidas de reparação da América Latina” – pela sua complexidade e pelo seu valor. O documento foi celebrado pela Vale, Estado de Minas Gerais, Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e os Ministérios Públicos Federal e Estadual.
Ausência de atingidos marcou todo o processo
Porém, os atingidos, que protestaram inúmeras vezes à porta do Tribunal de Justiça em Belo Horizonte, asseguram que o acordo não leva as suas necessidades em consideração, visto que eles foram excluídos como parte na negociação. Esse é o principal motivo pelo qual o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) pretende questionar o acordo no Supremo Tribunal Federal.
“Foi um bom acordo para o governo do Estado e um péssimo acordo para os atingidos. Fica claro que o Estado alcançou seu objetivo, de conseguir quase 27 mil milhões de reais, em troca de apenas 9 mil milhões para os atingidos. Isso descontando o pagamento de emergência já feito durante estes dois anos, o que é um absurdo”, declara Joceli Andrioli, da direção do MAB.
Foi um bom acordo para o governo do Estado e um péssimo acordo para os atingidos
“Isso mostra claramente porque foi impedida a participação dos atingidos: porque eles foram prejudicados com esse tipo de negociação. O acordo viola os direitos da população atingida”, diz Joceli. O MAB afirma que estudará a melhor forma de recorrer ao Supremo pedindo a nulidade do acordo.
O bispo dom Vicente, que integra o Grupo de Trabalho sobre mineração da CNBB e é bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, divulgou um vídeo lamentando o pacto. “Causa muita indignação ver tanta gente comemorando como um acordo histórico, bilionário. Nós que acompanhamos as comunidades atingidas vemos os testemunhos das comunidades de que os atingidos e atingidas não participaram desse acordo”, indigna-se.
O mesmo é referendado pela assessoria técnica Aedas, que relata que as comissões de atingidos só ficaram a saber da existência do acordo em outubro de 2020, e solicitaram o apoio das assessorias técnicas para compreender o processo e reivindicar a participação. Segundo a assessoria, até hoje os atingidos não puderam ter acesso aos documentos da negociação.
26 prefeituras devem receber 4,7 mil milhões de reais em projetos
“A pressa em fechar um acordo, com a alegação de iniciar a reparação, sem que a dimensão dos danos seja medida, pode também prejudicar que a justiça seja feita”, avalia a advogada Ísis Táboas, coordenadora institucional da Aedas na região de Brumadinho. “Além disso, existem dispositivos jurídicos que também podem acelerar a reparação, o acordo não era o único caminho”.
Onde serão gastos os 37 mil milhões de reais
Outro forte questionamento diz respeito aos projetos apresentados pelo governo de Minas Gerais para o uso de 9 mil milhões em obras e melhorias que não possuem relação direta com Brumadinho ou a Bacia do Paraopeba.
Cerca de 5 mil milhões serão destinados à mobilidade, como a construção do Rodoanel e melhorias no metro de Belo Horizonte, assim como a recuperação de estradas e pontes, em local não identificado. Outros 4,3 mil milhões irão para melhorias nos serviços públicos na área da saúde, combate à dengue, atendimento hospitalar em hospitais de Belo Horizonte e modernização dos Bombeiros, Defesa Civil e Polícias.
Acordo não deve influenciar na tramitação das ações individuais e das ações criminais na Justiça
Marcelo Barbosa, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e morador de Brumadinho, defende que Vale e governo de Minas beneficiaram do acordo. “Com a entrada de recursos, o governador vai fazer uma série de obras no estado, já pensando na próxima disputa eleitoral. E quem saem prejudicadas são as comunidades atingidas”.
O planeamento das obras será, agora, enviado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais para receber a aprovação ou não dos deputados mineiros.
Outros pontos do acordo
O pagamento do auxílio de emergência aos atingidos deve continuar, incluído no tópico “Transferência de Renda e demanda dos atingidos”, que ficou com 9,17 mil milhões. O auxílio como existe hoje será pago por mais três meses e será elaborado um novo programa, com regras ainda não definidas. Serão descontados desse valor 1,7 mil milhões já pagos pela Vale em auxílios.
As prefeituras, Brumadinho e outros 25 municípios, devem receber 4,7 mil milhões em projetos como restauros em escolas, conclusão de obras de postos de saúde, fortalecimento da rede de cuidado psicossocial e incentivo à geração de emprego. Outros 6,5 mil milhões devem ser investidos em reparação socio-ambiental, 2 mil milhões em segurança hídrica e 5,9 mil milhões em reparações já iniciadas.
O documento apresentado pelo governo de Minas garante que o acordo não irá influenciar na tramitação das ações individuais e das ações criminais na Justiça.
Artigo de Rafaella Dotta publicado no Brasil de Fato. Adaptado pelo Esquerda.net para português de Portugal.