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Total e o imperialismo francês: uma fonte permanente de conflitos

Em vários países, a multinacional TOTAL provoca violência e aproveita os conflitos para ampliar o seu poder capitalista. Artigo do Collectif Ni Guerres Ni état de Guerre.
Foto de Tostaki1, Wikimedia.

A 25 de março de 2021, em frente à entrada da torre do grupo Total em La Défense, cerca de vinte ativistas da ONG Info Birmanie e da Extinction Rebellion afixaram dezenas de fotos da violência cometida pelo exército contra manifestantes na Birmânia. Desta forma, denunciaram o apoio da Total ao regime militar birmanês.

As empresas multinacionais Total e Unocal exploram, há mais de 30 anos, o campo de gás Yadana na Birmânia. Ambas foram acusadas ​​de serem cúmplices de violações dos direitos humanos, devido à violência exercida pelos soldados birmaneses responsáveis pela segurança no local. A Unidade de Investigação em Direitos Humanos da Universidade Católica de Lovaina observa que, em 2006, sob a ditadura militar: “Os batalhões militares exercem contra os denunciantes uma ‘restrição permanente e decisiva que os priva de toda liberdade’”. Eles foram levados à força para o local para realizar trabalho não remunerado e forçados a residir lá...

O projeto Yadana gera receitas consideráveis ​​para a estatal MOGE, diretamente ligada ao governo birmanês, que afeta metade do orçamento governamental em gastos militares. Por outras palavras, o investimento da Total e da Unocal ajudam a manter o governo birmanês no poder com as receitas geradas pela exploração do gás do campo de Yadana.

Após o golpe militar de 1 de fevereiro de 2021, quando o número de vítimas da repressão ultrapassa mil mortos e feridos, a Total recusa-se a retirar-se da Birmânia e suspender todos os pagamentos à junta birmanesa, por exemplo, colocando os milhões de euros em causa numa conta bloqueada, conforme alegado pela Attac France, Greenpeace France, Les Amis de la Terre France, la Ligue des droits de l’Homme, Info Birmanie, Notre Affaire à Tous, Sherpa e 350 organizações. Isso prova que a Total não hesita em apoiar poderes militares e autoritários para se estabelecer em vários países do mundo.

Em 12 de abril de 2021, a Association Survie relata que Patrick Pouyanné, CEO da Total, está no Uganda para assinar três acordos importantes com os governos do Uganda e da Tanzânia para o seu projeto de gasoduto gigante EACOP (1.445 km de comprimento), qualificando o dia como “histórico” para a empresa e os dois países. Les Amis de la Terre France e Survie confirmam que estão a recorrer para o Supremo Tribunal no chamado caso "Total Uganda": “As nossas associações lamentam que mais uma vez a multinacional francesa pareça mais preocupada com a sua imagem do que com os impactos destrutivos que as suas operações têm sobre os direitos humanos, o meio ambiente e o clima”.

Em outubro de 2020, as associações escreveram no seu relatório intitulado "Um pesadelo chamado TOTAL":

“Hoje, dezenas de milhares de pessoas estão total ou parcialmente privadas das suas terras, antes mesmo de receberem qualquer indemnização. […] Tanzânia e Uganda estão entre os piores países do mundo no que respeita à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. Defensores de direitos humanos e ativistas que trabalham com direitos humanos e meio ambiente são vigiados, assediados, ameaçados, intimidados, presos ou agredidos [...]

Para dar apenas um exemplo, em junho de 2020, sete advogados foram presos enquanto investigavam as circunstâncias que envolveram a expropriação forçada de mais de 35.000 pessoas. […] A polícia do petróleo impede as associações de organizarem reuniões públicas, vigiam e intimidam os funcionários para forçá-los a deixar as suas aldeias”.

Ainda hoje, a Total ignora os alertas lançados por defensores dos direitos humanos, como sempre fez ao longo da sua história. Desde a fundação da Compagnie française des pétroles (ancestral da Total) em 1924, durante o período colonial, a petrolífera continuou a cruzar o planeta e a conquistar territórios através da intervenção militar. Num livro bem documentado de 500 páginas, intitulado "Qual é a soma TOTAL?", Alain Deneault, doutor em Filosofia pela Universidade Paris-VIII, conta-nos, com provas, como a Total, “uma autoridade soberana, capaz de competir com os Estados e de gerar uma nova relação com o direito”, se impôs aplicando as seguintes ações: "conspirar, colonizar, colaborar, corromper, conquistar, reassentar, pressionar, poluir, negar, escravizar e governar".

Em 1962, no final da guerra da Argélia, Charles de Gaulle declarou: “A nossa linha de conduta é aquela que garante a proteção dos nossos interesses e que tem em conta as realidades. Quais são os nossos interesses? Os nossos interesses são a livre exploração do petróleo e do gás que descobrimos ou que iremos descobrir”. Este é o prelúdio de “Françáfrica” que queria ficar no Sahara após os Acordos Evan para continuar a explorar petróleo e gás.

Com o apoio do Ministro das Forças Armadas e a intervenção dos serviços secretos, o Gabão tornar-se-á então “um petroestado cujo partido é controlado por um grupo oculto de franceses ligados à Elf (empresa herdeira da Compagnie française des Pétroles), e encomendado pelo Élysée. O exército francês interveio em 1992 para reprimir uma revolta contra as instalações da Elf em Pointe-Noire.

Em 1997, foi novamente a companhia Elf que se envolveu numa violenta guerra civil no Congo Brazzaville. “As armas foram entregues. Homens morreram. E todos os meses, quando o óleo é vendido, os congoleses veem parte do dinheiro ir direto para a Elf para reembolso das armas”. A Federação dos Congoleses na Diáspora fala de uma “Guerra Elf”, visto que o petróleo francês está profundamente envolvido neste conflito através de Sassou Nguesso, o seu soberano no Congo. Sob condição de anonimato, um deputado socialista francês resumirá a situação com esta famosa declaração: "Todas as balas foram pagas pela Elf".

A Total foi uma das primeiras empresas a investir na África do Sul em 1954, estado que praticava a segregação racial. Em 1964, quando o Partido Trabalhista britânico impôs o embargo à África do Sul, a França tornou-se o principal fornecedor de armas da República. Apesar da Resolução 181 do Conselho de Segurança (agosto de 1963) exortar todos os Estados a "acabar imediatamente com as vendas e remessas de materiais e acessórios para o fabrico ou a manutenção de armas e munições para a África do Sul, “a França continua a fornecer a Pretória helicópteros, mísseis, aviões e veículos blindados”, escreve Alain Deneault.

Na Nigéria, Rodésia, Angola, Líbia, Birmânia, onde a Total é acusada de "cumplicidade em assassinatos e trabalhos forçados" em 2010 pela ONG Earth Right International, em todos os lugares, a política de extensão da petrolífera lucrará com as guerras e a intervenção dos exércitos. Mais recentemente, no Líbano, onde a Total inicia, em 2020, a exploração offshore de petróleo no Mediterrâneo, numa área disputada por Israel, país ainda em guerra com o Líbano.

É interessante, para finalizar, sublinhar a presença da Total no Mali, onde os exércitos franceses estão envolvidos numa guerra sem fim contra o terrorismo. Alain Deneault escreve: “Hollande decidiu em 2013 lançar a operação militar Serval. Se oficialmente se tratava, a poucas semanas do inverno de 2013, de expulsar terroristas islâmicos e instalar cerca de 5.000 soldados para proteger a região, os planos de exploração da Total estão potencialmente ligados a esta decisão: a empresa está interessada na bacia de Taoudéni, com um milhão e meio de quilómetros quadrados de largura, e localizado nesta parte do Sahel. Estamos a falar de uma importante fonte de petróleo".

O depósito está localizado na fronteira do Mali, Argélia e Mauritânia. A Total já obteve licenças de exploração das autoridades mauritanas e diz-se que está entre as empresas que pretendem posicionar-se na região. A luta contra o terrorismo tem a vantagem de "despolitizar o debate" em torno da ação militar, como escreve Christophe Boisbouvier, da Radio France Internationale (RFI).

A jornalista Elisabeth Studer escreveu, a 21 de janeiro de 2012, no Le blog finance:

“E ainda tentam que acreditemos que a situação no Mali não está relacionada com o petróleo? Advertimos aqui, mesmo antes do início do conflito no Mali, que o Sahel e a sua riqueza em petróleo e gás poderiam levar a região ao caos, como parte de uma nova maldição do petróleo - uma maldição que algumas potências mundiais tinham interesse em desenvolver para se apropriarem dos recursos locais ou, na melhor das hipóteses, para evitarem que caiam nas mãos dos seus concorrentes - as notícias parecem provar que estamos certos ... A França está a apoiar o Mali na luta contra o terrorismo e a oferecer a possibilidade de o país se equipar com os exemplares da indústria francesa DCNS, Thalès, Airbus, MBDA (mísseis), LH Aviation (drones)...”.

A imprensa do Mali acrescenta: "Tudo sugere que a região de Kidal não está a ser protegida "à toa", os lugares parecem atrair não só terroristas e bandidos ... mas também potências estrangeiras ansiosas por avançar com os seus peões. Alguns malianos ainda estão convencidos de que a derrota do exército para os rebeldes em Kidal não foi acidental. No Mali, como em qualquer outro lugar, a multinacional TOTAL provoca violência e aproveita os conflitos para ampliar o seu poder capitalista.


Artigo publicado na página de internet do Collectif Ni Guerres Ni état de Guerre.
Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net.

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