Todo o mundo saúda o novo poder de Luanda (cinco ideias sobre as eleições em Angola)

11 de setembro 2017 - 9:17
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Ao darem o seu aval aos resultados das eleições, classificando-as como livres e justas, os observadores internacionais que acompanharam as eleições angolanas (onde se incluem deputados portugueses) estão a compactuar com práticas que seriam inaceitáveis num Estado de Direito Democrático. Postado por Ricardo Paes Mamede em Ladrões de Bicicletas

Foto de Joost de Raeymaeker, EPA/Lusa
Foto de Joost de Raeymaeker, EPA/Lusa

A Comissão Nacional Eleitoral angolana confirmou agora a vitória do MPLA nas eleições gerais de 23 de Agosto com 61% dos votos, assegurando assim mais de 2/3 dos lugares do Parlamento. Ficam aqui cinco ideias sobre este processo.

1) O MPLA emerge como vencedor indiscutível destas eleições aos olhos da comunidade internacional. É verdade que os partidos da oposição e as iniciativas cidadãs que se constituíram para acompanhar o processo denunciaram várias ilegalidades ocorridas antes, durante e após o acto eleitoral. No entanto, as reclamações apresentadas e as provas que as acompanharam foram, até aqui, todas recusadas pelas autoridades. Tais irregularidades mostram que as eleições foram menos justas e transparentes do que o governo afirma, e sugerem que a vitória real do MPLA pode ser bastante inferior à anunciada (que, convenientemente, dispensa o MPLA de qualquer diálogo com a oposição, até para rever a Constituição). No entanto, apesar de as actas das assembleias de voto terem sido supostamente tornadas públicas no próprio local, nem a oposição nem as iniciativas da sociedade civil apresentaram até aqui uma contabilidade alternativa dos resultados finais. Isto, obviamente, enfraquece a contestação às eleições por parte da oposição, mesmo que não retire legitimidade às reclamações apresentadas.

2) A vitória do MPLA é particularmente notável no actual contexto (mesmo que se viesse a demonstrar ter sido substancialmente inferior aos dados oficiais hoje anunciados). É difícil para qualquer partido em qualquer parte do mundo assegurar vitórias eleitorais sucessivas. Ainda o é mais depois de três anos de uma crise económica profunda, com forte aumento dos preços dos bens essenciais e do desemprego, e a degradação evidente dos serviços colectivos (saúde, educação, fornecimento de electricidade, etc.). A isto se junta o facto de nos últimos anos, graças às redes sociais, se ter generalizado o conhecimento na sociedade angolana acerca da sistemática apropriação indevida de recursos públicos por parte da elite do regime (as imagens [ver vídeo abaixo] de Danilo dos Santos, filho do velho presidente, a comprar um relógio por 500 mil euros no festival de cinema de Cannes é apenas um exemplo entre os casos mais badalados do despudor da cleptocracia instalada). Apesar disto tudo, o MPLA foi provavelmente o partido mais votado nestas eleições. Não é de somenos.

3) Há bons motivos que explicam o desempenho eleitoral do MPLA. Comparado com os partidos opositores (e não só), o MPLA é um partido altamente disciplinado e organizado, assegurando uma presença efectiva em todo o país, desde os musseques de Luanda às regiões mais interiores de Angola. O MPLA conta também com uma quantidade significativa de quadros experientes e bem preparados, tanto do ponto de vista político como técnico (o que em boa parte se explica pelo facto de ser o único partido com experiência de governo e capaz de assegurar o acesso a cargos técnicos no aparelho de Estado). O MPLA tem também a seu favor o facto de surgir aos olhos dos cidadãos como responsável pela paz e a reconciliação nacional desde o fim da guerra civil em 2002.

4) Por detrás do bom desempenho eleitoral do MPLA há razões muito menos honrosas (confirme-se ou não a existência de fraude generalizada na contabilização dos votos). Os principais órgãos de comunicação social angolanos (a televisão pública, a principal televisão privada, a rádio nacional, o principal jornal diário, etc.) funcionam como extensões do governo e do partido do regime (e não, não é comparável ao que acontece em Portugal). Isto reflecte-se não apenas na fraca cobertura das iniciativas da oposição, mas acima de tudo numa manipulação descarada das notícias (um caso marcante nestas eleições foi a deturpação pela televisão pública de uma entrevista a Marcolino Moco – antigo primeiro-ministro e crítico aberto do regime actual – que obrigou este militante histórico do MPLA a denunciar publicamente o ocorrido no dia seguinte). O desequilíbrio de meios não é apenas mediático, é também financeiro. Utilizando indevidamente os recursos do Estado angolano, o MPLA mobiliza meios para a campanha que estão vedados a outros partidos. A um mês das eleições as principais cidades angolanas estavam completamente repletas de bandeiras e cartazes do partido do regime, quando os partidos da oposição ainda não tinham sequer tido acesso à subvenção pública prevista na lei. Por fim, e seguramente não menos importante, o MPLA usa sistematicamente os meios de propaganda à sua disposição para instigar o medo entre a população com uma mensagem tão simples quanto estarrecedora: se a oposição ganhar vai haver guerra. Para quem a viveu na pele ou ouviu os familiares descrevê-la, é motivo de sobra para pensar duas vezes. E, no entanto, o MPLA é hoje a única força política com acesso aos meios necessários para fazer a guerra.

5) Ao darem o seu aval aos resultados das eleições, classificando-as como livres e justas, os observadores internacionais que acompanharam as eleições angolanas (onde se incluem deputados portugueses) estão a compactuar com práticas que seriam inaceitáveis num Estado de Direito Democrático. Esses observadores têm seguramente conhecimento do processo eleitoral em todas as dimensões acima descritas. Os motivos que os levam a silenciar as práticas ilegítimas podem ser vários: estão economicamente comprometidos com o regime; acreditam que num país africano não é possível fazer melhor; ou consideram que nenhuma das alternativas está em melhores condições para assegurar um futuro de paz e desenvolvimento para Angola (acredite-se ou não, estes mesmos observadores estrangeiros apelidam de neocolonialista e paternalista quem se atreve a questionar o processo eleitoral angolano a partir do exterior). Seja qual for o motivo para se prestarem ao papel que desempenham neste processo, uma coisa é certa: ao fazê-lo, esses observadores estão a revelar pouco respeito pelos eleitores angolanos, por quem luta pela democracia naquele país e também pelos cidadãos do seu país de origem.

Postado por Ricardo Paes Mamede em Ladrões de Bicicletas