Num estudo publicado esta segunda-feira e assinado pelos economistas Miroslav Palanský e Alison Schultz, a ONG Tax Justice Network faz as contas à proposta de aplicação de uma taxa sobre a riqueza extrema para combater a desigualdade em 172 países. O ponto de partida é o da taxa de solidariedade sobre grandes fortunas aprovada em Espanha no fim de 2022 e a conclusão é de que uma medida semelhante faria crescer a receita fiscal anual em cerca de sete por cento nos países que a aplicassem.
Os contribuintes afetados pela medida proposta são os 0,5% mais ricos de cada país, que possuem em média 25% da riqueza total da respetiva nação e que nos últimos 25 anos viram também em média a sua fortuna aumentar 2,7 vezes. Segundo os autores do estudo, a aplicação de uma taxa entre 1,7% e 3,5% a este universo de contribuintes corresponderia a cerca de 7,3% do total da receita fiscal atual. Ou seja, cerca de 2,2 biliões de dólares (quase dois biliões de euros).
Mas nem toda a riqueza destes milionários seria taxada. Segundo os autores, para a medida ser politicamente viável, a fasquia a partir da qual se aplica a taxa teria de ser muito elevada, tal como se aplica em Espanha. A proposta é de uma taxa de 1,7% a aplicar sobre a fortuna acima da fasquia dos 0,5% superiores de cada fortuna - ou seja, acima dos 2,6 milhões de euros no caso português, afetando cerca de 42 mil pessoas segundo a simulação do estudo -, uma taxa de 2,1% à riqueza que ultrapasse a fasquia dos 0,1% - 6,1 milhões de euros em Portugal, a pagar por 8.388 pessoas - e uma taxa de 3,5% sobre a fortuna que ultrapasse a fasquia mais alta, a de 0,05% - 9,9 milhões de euros em Portugal por parte de 4.194 pessoas.
Contas feitas ao caso português, a receita fiscal anual desta taxa seria de 3.587 milhões de euros (6,6% do total da receita fiscal). Ajustando esse valor aos potenciais efeitos migratórios da medida, a diferença é pequena: 3.472 milhões e 6,4% do total da receita fiscal. Os autores apoiaram-se em estudos que concluíram que apesar de algum clamor da imprensa sobre a partida dos milionários por razões fiscais, a introdução de taxas sobre os mais ricos têm um efeito pequeno na sua migração. Assim, resolveram fixar esse impacto em 3,2% dos afetados por esta taxa, o valor máximo apontado por um estudo sobre a reforma fiscal no Reino Unido em 2017. Nos países nórdicos, o impacto migratório das medidas fiscais sobre os super-ricos foi de apenas 0,01%. O maior problema continua a ser o seu recurso a jurisdições que privilegiam o segredo bancário para ali esconderem parte da riqueza.
Embora inspirada na taxa espanhola no que respeita às elevadas fasquias do rendimento a partir do qual ela se aplica, a proposta deste estudo distancia-se daquele modelo ao não isentar diversos tipos de riqueza que ultrapassem as fasquias, como os recheios de casas, jóias, obras de arte, mas também barcos e aviões, ações de empresas cotadas em bolsa ou direitos de propriedade intelectual ou industrial. Na proposta da Tax Justice Network, é simplesmente isenta toda a riqueza abaixo da fasquia dos 0,5% superiores da fortuna, mas a que está acima é taxada independentemente da sua forma, para assim evitar a canalização da riqueza para bens isentos desta tributação.
“Hoje em dia o mundo não se sente mais rico apesar de haver mais riqueza que nunca”.
Para a Tax Justice Network, o objetivo desta taxa é também contrariar o que diz ser os dois pesos e duas medidas usados no tratamento fiscal sobre a riqueza ganha e acumulada, com os rendimentos de capitais a serem beneficiados face aos do trabalho e assim os bilionários a pagarem taxas de imposto que são metade das que os trabalhadores pagam. Tudo isso contribui para a acumulação extrema da riqueza que é depois canalizada para fins improdutivos, como a especulação em produtos financeiros em vez de bens e serviços da economia real. É por essa razão, diz a ONG, que “hoje em dia o mundo não se sente mais rico apesar de haver mais riqueza que nunca”.
Apesar do apoio público à taxação da riqueza extrema e das propostas em cima da mesa do G20 nesse sentido, uma das autores deste estudo, Alison Schultz, diz que “uma minoria de países ricos parece ainda estar a travar o apoio a uma convenção-quadro robusta em matéria fiscal - apesar de esta ser a melhor oportunidade que alguma vez tivemos, e uma oportunidade que os seus próprios povos exigem que seja aproveitada com urgência”. E acrescenta que alguns destes países são os mesmos que “estão a bloquear os verdadeiros progressos na COP29 sobre o clima - impedindo o mundo de recuperar biliões em impostos dos paraísos fiscais numa reunião, e depois afirmando na outra reunião que não há dinheiro para a crise climática. Esta situação tem de mudar já - o clima não pode esperar e os povos do mundo também não”, defende a economista.