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Soja e violência: Gigantes dos EUA alimentam conflitos no Cerrado brasileiro

Investigação da organização Global Witness aponta responsabilidade da Cargill, Bunge e ADM nas violações sócio-ambientais na área que ocupa 20% do Brasil. Texto do Brasil de Fato.
Área de abastecimento de grãos da Bunge, uma das multinacionais do agro-negócio. Unidade de Santa Filomena. Foto: Rosilene Miliotti/FASE/Flickr
Área de abastecimento de grãos da Bunge, uma das multinacionais do agro-negócio. Unidade de Santa Filomena. Foto: Rosilene Miliotti/FASE/Flickr

Multinacionais com sede nos Estados Unidos têm responsabilidade nas violações sócio-ambientais que se agravam ano a ano no Cerrado. Ao comprarem soja de produtores desmatadores ou envolvidos em conflitos fundiários, gigantes como a ADM, a Bunge e a Cargill financiam a violência e a destruição no segundo maior bioma do Brasil.

Esta é uma síntese das denúncias apresentadas pela organização Global Witness no relatório Semeando conflitos, divulgado em português na passada terça-feira, dia 23. A publicação vem à tona no momento em que se debate, na União Europeia, o veto a importações de alimentos de áreas desmatadas, incluindo soja e carne.

O Cerrado abrange uma área de cerca de dois milhões de km² – mais de 20% do Brasil. O crescimento do agro-negócio em zonas como o oeste da Bahia fez a região ficar conhecida como a "Fronteira da Soja". É nessa área que se concentram as principais violações levantadas pela Global Witness.

Entre os municípios do Cerrado, 25 são considerados prioritários para a compra de soja pelos membros do Soft Commodities Forum, iniciativa criada em 2019 no âmbito do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD). Cinco deles estão no oeste da Bahia.

A área agrícola naquela região cresceu 3,17 milhões de hectares nos últimos 30 anos. As principais culturas são soja e algodão.

O agro-negócio é responsável por um terço das emissões globais de poluentes e, segundo o relatório, impacta cada vez mais a vida de comunidades tradicionais no Cerrado.

Um exemplo emblemático é o da comunidade baiana de Capão do Modesto, que enfrenta ameaças de morte e despejo, violência e criminalização.

A intenção dos fazendeiros, responsáveis pelos ataques, é expandir a produção de monoculturas como a soja e o algodão, que são prejudiciais ao meio ambiente, mas extremamente lucrativas – ainda mais com a desvalorização do real em relação ao dólar.

“A nossa investigação revela que ADM, Bunge e Cargill, empresas globais de comércio de commodities, estão a trabalhar com soja fornecida por produtores ligados a esses conflitos. Ao fazê-lo, estas empresas contribuem para o agravamento dos conflitos fundiários e para supostos abusos de direitos humanos”, ressalta a organização Global Witness.

A partir de relatos e documentos, o relatório mostra que a violência na região de Capão do Modesto se aprofunda desde 2017. Numa ação judicial, os fazendeiros caracterizam a comunidade ancestral como "invasora" e destruidora do meio ambiente.

Apesar do assédio e ameaças, nenhuma das três multinacionais citadas suspendeu a compra dos fazendeiros envolvidos no conflito.

Os investigadores revelam ainda que parte da soja das fazendas em questão é exportada para a Europa sob um esquema de certificação de carbono "sustentável".

Cargill, ADM e Bunge informaram que a soja brasileira é quase totalmente rastreável, mas nenhuma divulgou a sua lista de fornecedores.

"O setor continua pouco transparente e sem prestar contas a ninguém. Apesar de haver políticas que supostamente comprometem estas empresas a defender os direitos humanos e fundiários nas suas cadeias produtivas, a nossa investigação revela deficiências estruturais de longa data e negligência na implementação dessas políticas", ressalta o relatório divulgado nesta terça-feira.

“Estas grandes empresas, todas com atuação na Europa, também estão expostas a um risco regulatório considerável, na medida em que a Comissão Europeia avança com um novo projeto de legislação para responsabilizar as empresas pelas suas cadeias de abastecimento. No futuro, as empresas que atuam na UE podem ficar cada vez mais sujeitas a processos judiciais e sanções por contribuírem para danos ao meio ambiente e aos direitos humanos", completa o texto.

Cerca de 41% da soja importada pela União Europeia vem do Brasil.

Confira o relatório na íntegra.


Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.

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