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Sérvios do Kosovo continuam em protesto

Confrontos entre sérvio-kosovares, a polícia e as forças da NATO provocaram 80 feridos na segunda-feira. As manifestações prosseguem sem incidentes numa região onde chocam os interesses geo-estratégicos russos e norte-americanos.
Soldados da Nato em frente a uma bandeira sérvia. Foto de GEORGI LICOVSKI/EPA/Lusa.
Soldados da Nato em frente a uma bandeira sérvia. Foto de GEORGI LICOVSKI/EPA/Lusa.

Continuam a ocorrer protestos consecutivos por parte de elementos da comunidade sérvia do Kosovo depois de confrontos entre manifestantes, polícias e soldados da NATO, na segunda-feira, em Zvecan, terem provocado 80 feridos, as manifestações dos últimos dias têm decorrido sem sinais de violência. Para além desta localidade, também em Leposavic e Zubin Potok, no norte, há agitação. Por sua vez, a comunidade albanesa kosovar reagiu com manifestações em pontos também no norte como a cidade de Mitrovica, onde é esmagadoramente maioritária.

A motivação imediata é a eleição de presidentes de Câmara, em abril, em quatro cidades, que foi boicotada pelos sérvios, comunidade que é maioritária nestas localidades mais perto da fronteira, tendo a taxa de participação eleitoral sido de apenas 3,5%. O braço de ferro que levou a este boicote começou com o ultimato do governo para os sérvios do Kosovo trocarem as matrículas dos carros que fossem do país vizinho por matriculas nacionais num espaço de dois meses. Em protesto, presidentes de Câmara, juízes e cerca de 600 polícias da comunidade sérvio-kosovar demitiram-se.

Albin Kurti, o primeiro-ministro do país, mantém o apoio aos autarcas contestados e insistiu no confronto. Elementos sérvio kosovares tentaram impedir a entrada destes nos edifícios municipais para a tomada de posse e a polícia forçou a sua entrada com disparos de gás lacrimogéneo. Foi depois disso que se deu a tentativa de invasão do edifício municipal em Zvecan que deixou feridos também 19 militares húngaros e 11 italianos do lado da Kfor, a “força de manutenção da paz” da NATO estacionada no terreno. O comandante da missão, Angelo Michele Ristuccia, justificou que a sua força apenas “respondeu aos ataques não provocados de uma multidão violenta e perigosa, enquanto cumpria o seu mandato na ONU de forma imparcial” e instou “ambas as partes” a “assumir a total responsabilidade pelo que aconteceu e evitar qualquer agravamento, em vez de se esconderem atrás de falsas narrativas”.

Do lado do tradicional aliado do Kosovo, os EUA, chegam críticas à postura do chefe de governo. O secretário de Estado, Antony Bliken, veio a terreiro defender que “a decisão do Governo do Kosovo de forçar o acesso a edifícios municipais fez aumentar desnecessariamente a tensão”. Para o governo norte-americano, o seu homólogo kosovar devia “assegurar-se de que os autarcas eleitos levam a cabo os seus deveres como interinos noutros locais que não os edifícios municipais e retirar as forças policiais de perto destes edifícios”. Para além disso, cancelaram simbolicamente um exercício militar.

Também a União Europeia se pronunciou, através de Josep Borrell, alto-representante para a Política Externa e de Segurança, que diz esperar que “as autoridades do Kosovo suspendam as operações policiais focadas nos edifícios municipais no Norte do Kosovo, e os manifestantes violentos parem as suas ações”.

A NATO, por seu turno, anunciou que mais 700 soldados irão ser enviados para o país, juntando-se aos 3.700 que ainda lá estavam desde 1999.

Kurti, citado pelo The Guardian, defende-se destas críticas, alegando estarem em causa “multidões com a letra Z que disparam contra soldados e policias, atiram granadas, e gritam “mata, mata”.” Classifica os manifestantes como “bandos fascistas” comandados pela Sérvia para desestabilizar a região e contrapõe: “se pedirem eleições antecipadas com protestos pacíficos, terão um primeiro-ministro mais do que disposto a ouvi-los e quem sabe concordar com eles”.

A letra Z é uma referência ao símbolo utilizado na invasão da Ucrânia. A Rússia é um apoiante tradicional da Sérvia e Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, fez questão de o recordar, afirmando: “oferecemos o nosso apoio incondicional à Sérvia e aos sérvios”. Isto para além de junto com vários países, como China, não reconhecer a a independência do Kosovo, obtida, de facto, em 2008.

Do outro lado da fronteira, a Sérvia, que também não reconhece a independência do Kosovo, voltou a colocar as Forças Armadas em estado de alerta máximo e anunciou ainda o envio de mais militares para a zona da fronteira. O ministro sérvio da Defesa, Milos Vucevic, citado pela Reuters, garante que quer paz, mas  “sem comprometer a nossa capacidade de defender a soberania da República da Sérvia e todos os seus cidadãos”, o que inclui do seu ponto de vista os sérvios do Kosovo.

Já a comunidade sérvio-kosovar, composta de cerca de 50.000 pessoas e concentrada nas zonas de fronteira com a Sérvia, teme a absorção pelo Estado do Kosovo. Há quem exija maior autonomia dos municípios de maioria sérvia e quem recuse de todo colaborar com o Kosovo. Recorde-se que os sérvios do Kosovo que vivem nesta região recebem benefícios sociais da Sérvia, como as pensões que são mais do dobro do que as kosovares, e utilizam o seu sistema de saúde público, ao invés do sistema privado kosovar. Na zona, há também funcionários públicos, médicos e professores pagos pelo Estado vizinho e são muitos os que não pagam impostos ou eletricidade.

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