Há dias em que me deparo com a realidade da vida e fico com um sabor agridoce na boca. Há momentos em que me sinto grata, outros em que me invade uma tristeza profunda perante as situações que testemunho. Não, não sou bipolar — apenas recuso ser indiferente.
Ao longo da vida, aprendi que muitos de nós caminhamos em busca desse conceito etéreo de "ser alguém no mundo". Mas o que significa, afinal, ser alguém? Ter impacto? Alcançar a excelência profissional? Acumular riqueza?
Creio que a resposta, ou melhor, as respostas, são múltiplas. E não me atrevo a formular verdades universais. Cada um que o faça por si. Por mim, cheguei a uma conclusão simples: ser alguém basta ter três partes do corpo em pleno funcionamento — coração, nariz e cabeça.
O coração, para sentir e humanizar; o nariz, para respirar não apenas por nós, mas pelos outros, colocando-nos nos seus sapatos; e a cabeça, para pensar, questionar, criticar e, sobretudo, não repetir erros do passado.
Poderia parecer suficiente. Contudo, ser alguém no mundo, nos dias que correm, é um exercício cada vez mais complexo, quase temerário. Talvez até, atrevo-me a dizer, um ato de resistência. Vivemos tempos em que essas três partes vitais estão em risco de se tornarem meros acessórios.
Olhamos demasiado para o umbigo — esse órgão sem grande utilidade, símbolo de uma egolatria estéril — e esquecemos o essencial. Perdemo-nos em dores de cotovelo fúteis, ignorando as dores certas, aquelas que realmente merecem ser convocadas e debatidas.
Refiro-me, por exemplo, à erosão galopante do espírito crítico nas redes sociais, onde a superficialidade substitui a reflexão. À escassez gritante de empatia, substituída pela raiva desmedida e pelo ódio fácil. À perigosa normalização da mentira, da intolerância e da exclusão, esquecendo os valores que nos foram transmitidos — honestidade, tolerância, inclusão.
Falo também da ilusão de realização pessoal medida em números — mais dinheiro, mais bens, mais visibilidade — sem nunca pararmos para perguntar o que, de facto, nos falta.
Preocupa-me a banalização da violência, a indiferença perante violações de direitos básicos, a aceitação de um sistema que protege poucos em detrimento de muitos. Assusta-me o modo como transformámos a humildade em fraqueza e a arrogância manipuladora em sinal de liderança.
E, claro, a confusão entre causas nobres e histerias coletivas, em que um certo wokismo mal digerido transforma princípios humanos básicos em armadilhas ideológicas. Como dizia a minha mãe: "Trata os outros como gostarias de ser tratado". Porque o wokismo que hoje diriges aos outros poderá, amanhã, virar-se contra ti. Ninguém escapa.
Estas, sim, são as dores certas. E se queremos tratá-las, há que começar por diagnosticá-las. Informarmo-nos em fontes credíveis. Questionarmo-nos junto de quem sabe, e não de quem só ruge em manada. Aproximarmo-nos do outro, sobretudo daqueles que evitamos. Ousar entrar em espaços onde não somos convidados.
E, acima de tudo, empreender um exercício profundo de desconstrução psicológica, porque as nossas histórias e dores merecem ser escutadas, cuidadas e transformadas.
Só assim, talvez, nos levem a sério. Todos. Incluindo nós próprios.
Se continuarmos a ignorar estas dores, de que serve então o coração, o nariz e a cabeça? Seremos apenas mais alguém que respira. Deixaremos de ser alguém no mundo.