Está aqui
Self Made Man sem memória!
Nunca como agora se falou tanto de ser capaz, de conseguir, de alcançar, de almejar um sonho, um projeto, um prémio, uma benesse.
Nunca como agora se colocou tanto o enfoque na vontade, na capacidade de querer. E de crer. Em algo exterior, superior, externo, mas também no próprio, no eu, no individual, no gajo sozinho, no fura-vidas, no bate punhos, no empreendedor, no que porfia e consegue, no que luta e conquista, no que trabalha e merece, no que tem boa vontade e recebe retorno.
Tudo parece tão fácil!
Ele é os livros de auto-ajuda a merecerem lugar de destaque nas fnacs. Ele é o facebook com os quero, posso e mando. Ele é as publicidades com o sonha e terás.
Tudo parece tão fácil! E tão simples!
Afinal, basta querer! E crer! Acreditar. Acreditar muito e com muita força que tudo mudará. O teu bairro fica na mesma, a tua rua também, a tua cidade não se altera em nada, o teu País afunda-se e, na Europa, a Grécia é chantageada. No entanto, basta acreditar que no teu horizonte de medida tudo se transforma. Continuaremos desempregados e precários e pobres e, no entanto, brada-se aos céus: "Acredita Portugal!".
A lógica que faz depender tudo do homem isolado e a ideia de que a realidade é suscetível de ser alterada com base no pragmatismo, na fé e em passos de mágica, são assustadoras.
São, porém, ideias muito bem enraizadas no senso comum, no nosso dia-a-dia, nas conversas de café, em artigos de jornais moralistas, em concursos imbecis e também em campanhas a nível nacional de instituições de renome.
Acredita Portugal mais não é do que um desses casos gritantes de promoção do voluntarismo e insuflação barata dos egos. Esta empresa, que utiliza as bases de dados do IEFP, enviou-me, no passado dia 19 de Dezembro, um email ao qual deveria responder no prazo de 2 dias. Tratava-se, nada mais, nada menos do que um convite para aderir a um concurso de empreendedorismo, sendo que a empresa disponibilizava 500 mil euros em prémios que permitiriam transformar a minha eventual ideia num plano de negócios.
Consultando o manual percebemos que a empresa é assente em premissas, no mínimo, curiosas. “O nível de empreendedorismo em Portugal é muito limitado pela cultura nacional, na medida em que a população portuguesa é bastante relutante ao risco. Prevalece o medo social da falência e a recusa no desenvolvimento de carreiras pessoais independentes. Os portugueses continuam a eleger a estabilidade de trabalharem por conta de outrem em vez de optarem por um negócio por conta própria. O medo de falhar fala mais alto, uma vez que a cultura portuguesa ainda penaliza bastante o insucesso. Neste contexto nasceu a Associação Acredita Portugal, uma organização sem fins lucrativos, políticos ou religiosos que tem como missão 'Fomentar uma cultura da possibilidade para libertar o potencial empreendedor dos portugueses'. Centramos a nossa atividade em dois eixos de atuação: a promoção de uma atitude positiva e disponibilização de ferramentas de capacitação”, afirmam à laia de apresentação.
Gosto especialmente da parte esotérica da "libertação" do potencial empreendedor. Também é interessante e muito científica "a promoção da atitude positiva" ou a ideia de que a cultura nacional se resume a medos, insucessos e pré-conceitos vagos como estabilidade.
Esta associação, Acreditar Portugal, ignora o contexto: os 598 mil desempregados do país (dados oficiais) e faz do empreendedor o herói, aquele que arrisca para ser patrão, dono, chefe.
Também aqui parece que basta querer, basta colocar a questão de forma pragmática. O eu no centro de tudo, quais doses de coaching que ignoram os restantes e a memória e vivem apenas o momento e o agora.
A curiosidade reside em que os idiotas, ou seja, aqueles que tiverem ideias de negócio, se submetem a um concurso para ganhar dinheiro que lhes é emprestado ficando, assim, endividados para o resto das vidas. Ganha-se um empréstimo do parceiro do Novo Banco.
Como se fosse fácil a um desempregado montar um negócio a juros altíssimos. Como se fosse este o cerne da questão, a receita para acabar com o desemprego à custa do endividamento.
Nunca como agora a vida esteve tão difícil para tantos portugueses e nunca a vida se nos foi e é apresentada como sendo tão fácil. Um paradoxo que dá que pensar.
Artigo de Maria de Baledón
Comentários
e uma leitura aprofundada do tema?
Muito me espanta a Maria Baledón ter embarcado num artigo destes sem pelo menos se dignar a uma pesquisa mais avançada que uma mera indisposição na leitura do email que recebeu (tal como eu) permitiu. Tecer comentários destes de ânimo leve é duro. Para quem lê, mas sobretudo para quem (ainda) Acredita!
Uma pesquisa básica, pelo regulamento que seria o mínimo indispensável para quem produz opiniões para outros (tal como eu, mais uma vez) lerem, perceberia que:
> Esta entidade, Acredita Portugal, trata-se de uma associação sem fins lucrativos (e não de uma empresa, como nos faz crer), que trabalha diariamente e que assenta muitas das suas actividades em voluntários e parcerias;
> Para a primeira fase deste concurso, de facto tinha, dois dias para se inscrever. A inscrição (muito pouco intrusiva por sinal) necessita apenas de escrever 300 caracteres onde deve descrever sucintamente a sua ideia de negócio - temo que dois dias fosse mais que suficiente para a Maria descrever a sua ideia empreendedora caso tivesse, caso contrário, isto não era para si;
> O prémio final, de facto, é de 500.000€, mas um email para a instituição para confirmação do formato dos mesmos perceberia que estes 500.000€ são em prémios "Bolsa de alavancagem do projecto que contempla o necessário para o inicio de uma actividade" - palavras exactas do que me foi enviado. Adianta ainda no mesmo email, que o Novo Banco trata-se de um patrocinador e em nada interfere na organização do dito concurso.
> Não sei onde terá lido (entenda-se: crido ler) o tal empréstimo para eternos devedores com "juros altíssimos"
> Teria percebido ainda que ao inscrever-se neste concurso, com os ditos 300 caracteres em 2 dias, terá acesso a uma ferramenta online, uma tal de Dreamshaper, que nos acompanhará ao longo das várias etapas até à finalização do concurso e por conseguinte do plano de negócios (inclusivamente o donwload do mesmo), ainda que fique fora dos critérios de avaliação do concurso
> Se se interessasse mesmo, teria percebido ainda que tudo isto é Gratis! Isso mesmo Grátis do principio ao fim! E tem acesso a detalhar a sua ideia num plano de negócios sem auxilio de nenhumas dessas empresas que se dizem sabedores de planos de negocio e que no final só querem é ficar a conhecer a sua ideia e passar facturas (se forem praticantes) sem se quer se preocuparem se realmente o seu cliente tem ali uma ideia de negocio que poderá dar proveitos (ao ponto de pagar, se quer o trabalho dos mesmos)
Tenho o maior apreço por esta página, que consulto com alguma frequência, mas nos últimos tempos tenho vindo a ser presenteada por artigos, cada vez menos profundos e menos justificados. É certo que não procuro aqui uma trabalho de jornalista mas pelo menos um esclarecimento válido é o indispensável.
Bem sei que já vai longo o comentário, ainda mais para mim, que não sou dada a estas coisas, mas Maria Badelón esperava mais de si, mais deste site.
Eu Acredito e continuo a Acreditar em Portugal (que ao fim e ao cabo é isso que aqui está em jogo)!
Olá Maria de Baldeón. O seu
Olá Maria de Baldeón. O seu artigo é muito interessante. Porém, não me referindo ao caso particular da associação que refere, nem questionando o quanto difícil é nos actuais termos sócio-económicos ser empreendedor, discordo em alguns aspectos gerais com a sua análise. Eu penso que não é justo associar empreendedorismo necessariamente à egocentrismo e à vaidade. Eu sei que no passado existia muito forte uma cultura de culto da personalidade dos patrões. As coisas têm vindo a mudar, mesmo que não da forma que idealizamos. Por outro lado, eu penso que, apesar dos fortes constrangimentos sociais, a preponderância da falta de espírito empreendedor nos portugueses não pode ser ignorada. Deixemos de lado aqueles que mesmo tendo capacidades não têm meios e pensemos naqueles que têm meios e podem ter capacidades mas estão sobretudo interessados em gozar a vida e não no empreendimento do que quer que seja produtivo e socialmente benéfico... Para mim o empreendedorismo é essencial para a criação de emprego. Um desempregado que, mesmo por sorte, consiga criar uma empresa de sucesso, poderá eliminar dezenas de postos de desemprego.
sandro
Também penso assim. o empreendedorismo, faz um país crescer muito mais, isso já vemos se formos analisar o passado e presente, dos países desenvolvidos
A cegueira de quem não quer ver
Cara Maria de Baldéon, o seu artigo demonstra tamanha falta de conhecimento acerca desta Associação e da sua actividade, que escrever mais uma palavra sobre isto era estar a dar um falso sentido de credibilidade ao que escreveu. Infelizmente este nosso país continua carregado de pessoas que acham que a expressão da sua liberdade individual consiste em poder mandar "postas de pescada" infundadas, com o simples objectivo de serem ouvidas.
Adicionar novo comentário