Na passada quarta-feira, um imigrante indiano em Itália, de 31 anos, morreu num acidente de trabalho depois de uma máquina agrícola lhe ter decepado um braço e partido as pernas. Satnam Singh foi depois abandonado à porta de casa pelos patrões com o membro mutilado dentro de uma caixa de frutas.
Este sábado, a indignação saiu às ruas na Piazza della Libertà em Latina, no centro de Itália, com milhares de pessoas a lembrarem a sua memória e a exigir condições de segurança no trabalho agrícola. A manifestação foi convocada pela Confederação-Geral Italiana do Trabalho e nela participaram os dirigentes do Partido Democrático, Elly Schlein, e da Aliança Verdes e Esquerda, Nicola Fratoianni. A primeira comprometeu-se a apresentar no parlamento um projeto de lei para resolver a situação dos trabalhadores imigrantes na agricultura do país, acabando com a lei Bossi-Fini. Para ela, em declarações citadas pela agência Ansa, a irregularidade que ela causa, “como nos ensina este homicídio, causa precariedade, exploração e chantagens contra pessoas como Satnam Singh”.
E o secretário-geral da AVS, nas suas redes sociais, criticou a parte do país e do patronato que “não tem em conta a dignidade do trabalho”, contribuindo a mobilização “para dizer basta aos massacres nos locais de trabalho, mas sobretudo basta a um sistema que alimenta a precariedade e a chantagem”.
Ao mesmo tempo, acontecia uma greve dos trabalhadores agrícolas às últimas duas horas do seu turno, o que permitiu a muitos marcarem também presença ainda equipados para o trabalho. Está ainda em marcha uma recolha de fundos para ajudar a família, iniciada pelos sindicatos, e a comunidade indiana de Latina marcou também uma manifestação própria para a próxima terça-feira na qual vão exigir ao autarca local medidas para combater as condições de trabalho miseráveis nos campos.
Na manifestação, o secretário-geral da CGIL, Maurizio Landini, fala numa situação “de gravidade sem precedentes”. E a sua camarada Maria Grazia Gabrielli usa os mesmos termos para sublinhar que o acidente foi resultado “da irregularidade para a qual relegamos milhares de migrantes que chegam ao nosso país em busca de esperança”. Estes acabam por ser “escravos da sociedade contemporânea” e, sem documentos, ficam “suscetíveis à chantagem por parte daqueles que consideram que o trabalho só existe para lucrarem e os direitos, como o direito à assistência, apenas são obstáculos”. A situação é de “salários de fome, ritmos de trabalho inseguros e desumanos e condições de violência psicológica e física que infelizmente conduzem a acontecimentos como este em Latina”.
Há três anos que este trabalhador vivia no país junto com a mulher, a trabalhar numa empresa agrícola sem a sua situação estar regularizada a ganhar cinco euros por hora. O patrão, Antonello Lovato, está a ser investigado por homicídio, omissão de auxílio e violação de normas de segurança. E o pai dele, dono da Agrilovato, veio em sua defesa culpando o trabalhador por ter morrido: “eu tinha avisado o trabalhador para não se aproximar da máquina, mas ele foi mesmo assim. Uma irresponsabilidade, infelizmente, que custou caro para todos”. Pouco depois, soube-se como explica o Il Fatto Quotidiano, que está a ser investigado por crimes relacionados com o caporalato, o sistema ilegal de exploração do trabalho migrante nos campos italianos. A acusação aponta ainda para violações dos “regulamentos sobre horário de trabalho, segurança e higiene no local de trabalho” e para obrigar os trabalhadores “a condições de trabalho e situações de habitação degradantes”.
Caporalato, o nome italiano de uma forma de exploração que nos é próxima
A propósito desta caso, a BBC traça uma síntese do caporalato, um sistema “mafioso” que “faz com que intermediários contratem ilegalmente trabalhadores que são depois forçados a trabalhar por salários muito baixos”. Por causa do papel destes, “mesmo os trabalhadores com documentos regulares recebem frequentemente salários muito inferiores ao salário legal”. Para além disso, são obrigados a pagar pelo transporte para os campos e cobram-lhe pelo alojamento em lugares sem o mínimo de condições de habitabilidade.
Um estudo do Instituto Nacional Italiano de Estatística de 2018 dizia que cerca de um quarto da mão-de-obra agrícola em Itália foi empregada a partir deste esquema que, aliás, não se limita à exploração dos migrantes nos campos agrícolas mas também afeta trabalhadores da indústria, dos serviços e da construção. E a CGIL, em 2018, indicava a existência de 230.000 trabalhadores irregulares na agricultura.
A prática só foi oficialmente abolida em 2016, depois de uma mulher italiana ter morrido de ataque cardíaco a seguir a turnos de doze horas na colheita de uvas. Mas continua. O dirigente sindical Hardeep Kaur, secretário da FLAI CGIL Frosinone-Latina, afirma se mantêm hoje “muitos fantasmas, muitos homens e mulheres que trabalham no campo em toda a Itália sem direitos”.