Refugiados na fronteira da Europa: “Quem chegou aqui não vai desistir”

18 de setembro 2015 - 16:53

Em partes do Iraque e da Síria, viver tornou-se um pesadelo: “Estás na tua casa, na tua cidade, a ter uma vida normal. De repente, começa uma guerra”. Por Sandro Fernandes, de Budapeste para o Opera Mundi.

PARTILHAR
Somente na Síria, aproximadamente 11 milhões de pessoas são refugiados internos ou foram para os países vizinhos ou para o continente europeu. Foto de Sandro Fernandes / Opera Mundi
Somente na Síria, aproximadamente 11 milhões de pessoas são refugiados internos ou foram para os países vizinhos ou para o continente europeu. Foto de Sandro Fernandes / Opera Mundi

Todos os dias, pelo menos três mil refugiados passam pela fronteira entre a Grécia e a Macedónia, uma das rotas usadas pelas pessoas que fogem dos conflitos no Médio Oriente e na África em direção à Europa. A ACNUR, agência da ONU para os refugiados, estima que, somente na Síria, aproximadamente 11 milhões de pessoas sejam refugiados internos ou tenham ido para os países vizinhos ou para o continente europeu.

“Eu era professor em Deir ez-Zor (Síria), mas tive de fugir com meu irmão porque a cidade começou a ser destruída pelo Estado Islâmico”, relata Ahmed, de 22 anos, num inglês perfeito.

Deir ez-Zor, no leste da Síria, está controlada pelo Estado Islâmico desde julho de 2014, depois de três meses de intensos combates.

Ahmed não esconde a sua frustração com o resultado da chamada Revolução Árabe. “Apesar de todos os problemas do governo (Bashar al-) Assad, vivíamos uma estabilidade. Agora, o país já não existe. É triste pensar que era menos pior antes. Mas era”.

O jovem deixou os pais na cidade por causa dos altos valores necessários para empreender a travessia para a Europa, mas pretende juntar dinheiro para tirar a família da Síria.

“É caro. A gente gasta quase 3 mil dólares somente com os traficantes de pessoas. Nunca pensei que estaria nesta situação. É estranho ver-me como um refugiado. Estás na tua casa, na tua cidade, a trabalhar, uma vida normal. De repente, começa uma guerra, não longe do teu local de moradia. A guerra avança, chega ao teu bairro... e tens de fugir”.

Ahmed tem medo de ficar com o estigma de refugiado e insiste que eles não são “pobres coitados”, mas que precisam de ajuda.

“As pessoas veem-nos como coitadinhos. A primeira vez que os voluntários me deram comida e água, eu quis chorar. Quis chorar por estar agradecido, mas também quis chorar por imaginar como a minha vida tinha mudado em tão pouco tempo”.

Até então, Ahmed diz que só tinha visto imagens de refugiados pela televisão. Agora, é ele um refugiado.

“Somos todos pessoas normais, muitos com bons trabalhos. Na verdade, tínhamos bons trabalhos”, corrige. “Agora, não temos nada. A minha vida é esta mochila”.

O jovem sírio espera que os europeus tenham “compaixão” e se lembrem da sua própria história.

[caption align="left"]Ahmed tem 22 anos e vem de Deir ez-Zor, na Síria: “Tive que fugir porque a cidade começou a ser destruída pelo Estado Islâmico”. Foto de Sandro Fernandes / Opera MundiAhmed tem 22 anos e vem de Deir ez-Zor, na Síria: “Tive que fugir porque a cidade começou a ser destruída pelo Estado Islâmico”. Foto de Sandro Fernandes / Opera Mundi[/caption]

“Europeus já foram refugiados. Agora somos nós, do Médio Oriente e da África”.

Estima-se que pelo menos 25 milhões de europeus tenham cruzado o Atlântico entre 1880 e 1930 para se estabelecer no continente americano.

Contrabandistas cobram até pelo colete salva-vidas”

Ali tem 34 anos, nasceu na cidade de Mosul, no Iraque, e sempre trabalhou na loja da família. A sua vida, segundo ele, “nunca teve muitas emoções”. Em junho de 2014, o Estado Islâmico ocupou a cidade.

“A minha vida deixou de ser calma e previsível e passou a ser um pesadelo. Tive de sair da minha cidade com a minha esposa. Queremos somente ter uma vida normal. Quero que meus filhos estudem. Não é justo. Porque é que uns têm estas oportunidades e outros não? Somente pela sorte de ter nascido neste ou naquele país?”

[caption align="left"]Ali tem 34 anos e vem de Mosul, no Iraque: “Minha vida deixou de ser calma e previsível e passou a ser um pesadelo”. Foto de Sandro Fernandes / Opera MundiAli tem 34 anos e vem de Mosul, no Iraque: “Minha vida deixou de ser calma e previsível e passou a ser um pesadelo”. Foto de Sandro Fernandes / Opera Mundi[/caption]

Segundo Ali, a travessia de barco (da Turquia para a Grécia) foi o momento mais difícil de toda a viagem, quando achou que ia morrer.

“No barco, eles colocam três ou quatro pessoas mais do que a capacidade. Mas a gente não tem escolha. Eles cobram por água, por cigarros, cobram até por coletes salva-vidas. Tudo vira um negócio. Foi um turco que me abordou em Bodrum (cidade costeira da Turquia, de onde partem muitos barcos com refugiados rumo à Grécia), mas eu sei que também há sírios a ganhar dinheiro com o sofrimento de outros sírios”.

Cada pessoa paga em média 1,2 mil dólares pela travessia da Turquia para a Grécia. Crianças menores de 10 anos não pagam.

Alemanha: esperança

No fim de agosto, a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciou que o país concederia asilo a 800 mil refugiados em 2015. A Alemanha tornou-se o objetivo da maioria das pessoas que fazem o périplo pela Europa.

“Durante toda esta travessia, eu só sei que tenho de tirar forças de algum lugar para chegar à Alemanha”, contou Amir, contabilista de Aleppo (Síria), 29 anos. “Entendo que não posso cansar-me nem desistir. Chegar à Alemanha é a minha única saída. Agora falta pouco, falta muito pouco”.

Amir levou oito dias para ir da Turquia à fronteira da Macedónia com a Sérvia. “O pior já passou, que foi o barco para chegar à Grécia. Mas eu sei que a Hungria está a criar-nos problemas. Aqui na Macedónia e na Sérvia, os polícias estão até a ajudar. Eles sabem que queremos ir para o norte da Europa. Para que dificultar? Quem chegou aqui não vai desistir agora. Quem chegou aqui está muito determinado a salvar as suas vidas”.

[caption align="left"]Amir tem 29 anos e vem de Aleppo, Síria: “Quem chegou até aqui está muito determinado para salvar as suas vidas”. Foto de Sandro Fernandes / Opera MundiAmir tem 29 anos e vem de Aleppo, Síria: “Quem chegou até aqui está muito determinado para salvar as suas vidas”. Foto de Sandro Fernandes / Opera Mundi[/caption]

O parlamento húngaro aprovou na semana passada uma lei que classifica como crime a danificação da cerca de arame farpada que o país construiu na sua fronteira. A travessia ilegal pelas fronteiras do país também passa a ser considerada crime. A nova lei entra em vigor no dia 15 de setembro e a punição prevista é de até três anos de prisão.

“Nunca pensei em sair da Síria. E quero voltar. Mas como?”, questiona Amir. “Agora, parece um sonho distante. Mas se os países da Europa não gastassem tanto dinheiro a vender armas que alimentam a guerra, não haveria nem esta guerra nem outra”.

Segundo relatório publicado pelo Parlamento alemão, o país dobrou a faturação com a venda de armamentos de guerra em 2014, atingindo o valor de 1.800 milhões de euros, contra os 957 milhões de euros do ano anterior.

“Há muita gente a aproveitar-se da situação. Há gente a ganhar dinheiro, como os traficantes de pessoas, os taxistas e também gente que não é refugiada de guerra, mas está a tentar chegar à Europa. Mas as pessoas precisam entender que o erro de uns não invalida o sofrimento da maioria”.

12/09/2015

Publicado no Opera Mundi

Adaptado para português de Portugal por Luis Leiria

Ahmed tem 22 anos e vem de Deir ez-Zor, na Síria: “Tive que fugir porque a cidade começou a ser destruída pelo Estado Islâmico”. Foto de Sandro Fernandes / Opera Mundi
Ali tem 34 anos e vem de Mosul, no Iraque: “Minha vida deixou de ser calma e previsível e passou a ser um pesadelo”. Foto de Sandro Fernandes / Opera Mundi
Amir tem 29 anos e vem de Aleppo, Síria: “Quem chegou até aqui está muito determinado para salvar as suas vidas”. Foto de Sandro Fernandes / Opera Mundi