Quem manda no FMI é a Goldman Sachs

21 de abril 2011 - 0:19

Retórica de lado, as políticas do FMI ainda reflectem o ponto de vista dos credores. E do ponto de vista dos credores, um país como a Grécia precisa de ir primeiro ao inferno. Por Mark Weisbrot/The Guardian.

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Quem manda no FMI é o Comité Executivo, governado primariamente pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e por autoridades europeias. Mas no comando do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos está a Goldman Sachs.

No momento em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial se reúnem em Washington para os seus encontros anuais da Primavera, surgem debates sobre quanto mudou o FMI. O director-geral Dominique Strauss-Kahn citou John Maynard Keynes no seu discurso de quarta-feira na Brookings Institution:

“As falhas mais aparentes da sociedade económica em que vivemos são a sua incapacidade de dar pleno emprego e sua distribuição arbitrária e desigual de riqueza e rendimentos.”

No seu discurso inaugural nos encontros do Outono do ano passado ele foi mais além, tratando o aumento da dívida pública nos países mais ricos com termos que deveriam ser de leitura obrigatória para os jornalistas económicos dos Estados Unidos:

“Não se enganem: este aumento de 35 pontos percentuais [na dívida pública dos países mais ricos] é devido ao baixo crescimento, aos gastos ligados ao resgate do sector financeiro, à falta de acumulação por causa da baixa actividade económica. Apenas um décimo vem directamente do estímulo. Assim, a lição é clara: a maior ameaça à sustentabilidade fiscal é o baixo crescimento.”

Naturalmente, houve algumas mudanças significativas no FMI nos anos recentes, a maior parte na área da pesquisa, onde o Fundo admite que o controlo da entrada de capitais é uma ferramenta legítima. Houve alguns empréstimos limitados, sem pré-condições. E embora o FMI tenha incluído condições “pró-cíclicas” — isto é, políticas macroeconómicas que aprofundaram a recessão — na maior parte dos seus acordos durante a recessão mundial, sendo optimista é preciso considerar que o FMI mudou de linha em vários casos, depois do agravamento da situação económica.

Mas, infelizmente, as práticas do FMI ainda não coincidem com a sua retórica ou mesmo com o que diz o seu próprio departamento de pesquisa. Na Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal, Letónia e outros países, o Fundo ainda está envolvido na implementação de políticas “pró-cíclicas” que vão adiar a recuperação destes países por um longo tempo. Para a Grécia, Irlanda e Letónia, por exemplo, serão de 9 a 10 anos antes que eles atinjam o nível de PIB pré-crise.

De um ponto de vista económico, não há absolutamente desculpa para isto. Qualquer política que exija um período tão extenso de desemprego e estagnação é por definição errada. Se isso é o que eles precisam para assegurar pagamento da dívida, então o país se dará melhor simplesmente deixando de pagar. A Argentina enfrentava uma dívida insustentável e declarou moratória no fim de 2001. A economia encolheu por um trimestre e então cresceu 63% nos próximos seis anos, recuperando-se ao nível pré-crise do PIB em apenas três anos.

Retórica de lado, as políticas do FMI ainda reflectem o ponto de vista dos credores. E do ponto de vista dos credores, um país como a Grécia — que os próprios mercados financeiros reconhecem que em algum momento terá de reestruturar a sua dívida — precisa de ir primeiro ao inferno. As autoridades europeias e o FMI têm tanto dinheiro agora (750 mil milhões de dólares do FMI, 635 mil milhões de dólares da Autoridade Europeia de Estabilização Financeira, 87 mil milhões do Fundo de Estabilização Financeira da Europa) que seria relativamente simples resgatar pequenas economias como a Grécia, Irlanda, Portugal ou Letónia — ou mesmo uma economia muito maior como a espanhola — de forma indolor. Por outras palavras, restaurar crescimento e emprego primeiro, e preocupar-se com a dívida depois da economia estar de volta nos trilho.

Mas, do ponto de vista dos credores, isso seria recompensar “mau comportamento”. Assim, os povos destes países precisam desofrer anos de desemprego (20% na Espanha, 15% na Irlanda, 11% em Portugal, 14% na Grécia, 17% na Letónia).

Sem mencionar as privatizações e as reformas contra os sindicatos a que estes países são submetidos para que atendam às demandas do FMI e da União Europeia.

Para ser justo com Strauss-Kahn e com os economistas do departamento de pesquisa do FMI, que gostariam de adoptar políticas mais iluminadas, eles não governam a instituição. A palavra final fica com o Comité Executivo, que é governado primariamente pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e por autoridades europeias (os últimos tem a palavra final na Europa, inclusive no Leste europeu).

E no comando do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos está a Goldman Sachs.

O FMI acaba de divulgar o “World Economic Outlook” (WEO) que pede “implementação de consolidação fiscal e reformas de direitos” nos países mais ricos, dizendo que “a necessidade é particularmente urgente nos Estados Unidos” onde “medidas amplas de reforma da Segurança Social e do sistema tributário” serão essenciais. O fundo está certo sobre “reforma tributária”, já que os cortes de impostos de Bush para os mais ricos, que continuaram sob o governo Obama, são uma contribuição significativa para o problema do deficit de longo prazo.

Mas a Segurança Social não contribui para o deficit de agora, nem a longo prazo. A Social Security [Segurança Social americana] pode pagar os benefícios prometidos pelos próximos 26 anos, e precisaria apenas de pequenos ajustes para manter a sua solvência indefinidamente. Por contraste, é o nosso sistema privado de saúde falido o responsável pelo deficit projectado a longo prazo.

O Fundo projecta crescimento anual de 2,5% para os países mais ricos nos próximos dois anos e 6,5% para os “países emergentes e de economias em desenvolvimento”. Ao pedir consolidação fiscal nos países ricos, o FMI parece acreditar que eles estão destinados a ter baixo crescimento e alto desemprego no futuro próximo; eles querem que os países em desenvolvimento, com a economia em crescimento, apreciem as suas moedas e dêem um empurrão nos países ricos ao importar mais. Ao mesmo tempo o FMI está preocupado que os países em desenvolvimento estejam “superaquecendo” e diz que muitos precisam de “políticas de aperto macroeconómico”.

Mas as mudanças reais — aquelas que contribuíram para a recuperação do crescimento económico em países menos ricos e pobres ao longo da última década — foram resultado da perda da influência que o Fundo tinha há dez ou vinte anos. Isso é especialmente verdadeiro para os países de renda média — na Ásia, a maior parte da América Latina, Rússia e outros, embora muitos países de baixa renda ainda sejam dependentes do Fundo e dos seus empréstimos. O valor dos empréstimos do Fundo caiu precipitadamente entre 2003 e 2007, e embora recentemente tenha voltado ao nível de 2003, o FMI não tem mais a influência que já teve em países de renda média. Assim, espera-se que menos e menos países serão obrigados a escutar os conselhos do FMI — a não ser que queiram focalizar a retórica keynesiana de Strauss-Kahn.

 


Artigo de Mark Weisbrot/The Guardian, traduzido por www.viomundo.com.br.