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Quem especula contra o euro?

Quem se esconde por detrás dos chamados “mercados financeiros”? É interessante saber isso no momento em que eles exercem uma terrível pressão sobre os governos europeus através das condições de financiamento da dívida pública.
Euros - Foto Public Domain Photos/Flickr

Foi a esta questão que dois economistas da banca procuraram esclarecer a partir de um trabalho de sobreposição de fontes, que eles próprios qualificam de “desafiante”1. Este artigo utiliza os dados que provêm do Eurostat e do Joint External Debt Hub (JEDH) do Banco Mundial e que revelam uma grande opacidade e uma relativa ausência de coerência.

Os dados abrangem nove países para o ano de 2008. De um lado, cinco países não atingidos (por agora) pelos ataques às dívidas soberanas (Alemanha, França, Itália, Holanda, Reino Unido) e, do outro, os famosos PIGS2 (Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha).

Nada se sabe da evolução registada desde então, mas pode-se pelo menos completar a informação pela progressão das percentagens das dívidas públicas em relação ao PIB entre 2008 e2009. (Fonte: Comissão Europeia, base de dados Ameco). A primeira constatação (última linha do quadro 1) é que a variação da relação dívida/PIB foi particularmente importante nos PIGS (+51,1% para a Irlanda) e menos marcada nos cinco países não-PIGS, com a notável excepção do Reino Unido (+41,4%).

Quadro 1

Detentores da dívida pública em 2008

Detentores da dívida pública
* em % do PIB
(Clique no quadro para ver imagem maior)

As principais conclusões dos dados do quadro 1 são as seguintes. Recordamos que estes dados se referem a 2008 e reflectem portanto a situação existente antes da crise.

1) A parte da dívida pública detida pelos não-residentes é muito variável de país para país. É quase total para Portugal (98,7%) e reduzida no Reino Unido (34,7%). Mas representa a maior parte das dívidas dos cinco países (61,6%) e ainda mais dos PIGS (74,5%). Deste ponto de vista, a França, com 70,8% da dívida detida por não-residentes, aparece como um dos país mais dependentes.

2) Entre os não-residentes, é preciso distinguir entre os países europeus e os outros. No primeiro caso, a gestão das dívidas continua a ser uma questão interna à Europa. A França e a Alemanha distinguem-se por uma proporção importante (42%) da dívida detida por não-residentes fora da Europa. Entre os quais, os Estados Unidos e o Japão representam apenas 7% e 8%, estando o essencial nas mãos de outros países com excedente: provavelmente os países emergentes e os petrolíferos. Em todos os outros países, a parte dos não-residentes fora da Europa é claramente menos importante, pois que ela oscila entre 13,7% na Holanda e 27,7% em Portugal.

3) A particularidade importante dos PIGS é que a sua dívida é em grande parte detida por não-residentes europeus. Esta proporção varia entre 47% na Espanha e 73% em Portugal. Mas esta dependência dos credores europeus é ainda mais forte se considerarmos apenas a dívida detida pelos não-residentes. Tomemos o caso da Grécia: 78% da sua dívida era detida por não-residentes, dos quais 56% por não-residentes europeus, o que dá uma proporção de 71%.

O quadro 2 dá uma proporção semelhante para os PIGS: ela aproxima-se ou ultrapassa os três quartos.

Quadro 2

Proporção da dívida detida pelos não residentes europeus em 2008
Proporção da dívida detida por não-residentes europeus
* em % do PIB
(Clique no quadro para ver imagem maior)

Esta constatação confirma o que escreveu Jean Quatremer: “Os 'mercados' que desestabilizam a Irlanda, Portugal ou a Grécia são, na maioria dos casos, estabelecimentos financeiros instalados em Estados membros da união monetária”3. Entre estes países, os cinco de que se dispõe dados (Alemanha, França, Itália, Holanda e Reino Unido) detêm mais de metade das dívidas não-residentes dos PIGS.

Tendo em conta estas informações, conclui-se que o sentido político da ofensiva dos “mercados” é o seguinte: a “batata quente” das dívidas privadas foi num primeiro tempo passada para as finanças públicas, agora deve passar para os povos europeus,através dos planos de austeridade drásticos4.

Tradução de Carlos Santos para esquerda.net


1 Sylvain Broyer et Costa Brunner, «Qui détient les dettes publiques européennes ?» Flash Economie n°124, Natixis, 24 mars 2010, http://gesd.free.fr/flas0124.pdf

2 Este infame acrónimo só foi conservado por comodidade.

3 Jean Quatremer, «Dettes : la zone euro rongée de l'intérieur», Libération, 27 novembre 2010.

4 Ler Michel Husson, «Un passif de trente ans», Regards, janvier 2010.

Sobre o/a autor(a)

Economista francês. Investigador no IRES (Instituto de Investigações Económicas e Sociais)
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