Quem é Javier Milei, o novo presidente da Argentina?

19 de novembro 2023 - 23:29

Perfil de um fanático ultra-liberal que repete todos os temas habituais da extrema-direita mundial e da sua estranha vertente mística que agora está à frente do país de mais de 46 milhões de pessoas. Notícia em atualização.

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Milei este domingo na sua sede de campanha. Foto de ENRIQUE GARCIA MEDINA/EPA/Lusa.
Milei este domingo na sua sede de campanha. Foto de ENRIQUE GARCIA MEDINA/EPA/Lusa.

Ainda antes de serem divulgados os primeiros resultados oficiais, Sergio Massa reconhecia no seu quartel-general eleitoral a sua derrota. Sabia-se já que o seu opositor, Javier Milei, vencera por uma margem maior do que a esperada numas eleições em que as sondagens diziam que se estaria no patamar do empate técnico.

Pouco depois, a rápida contagem confirmava a vitória do candidato da extrema-direita. Com 91,8% dos votos contados, Milei tinha 55,86% dos votos contra 44,15% do candidato do Unión por la Patria.

Quem é Javier Milei?

Javier Milei é um economista de 53 anos. Mas é conhecido sobretudo por ser mais uma daquelas coqueluches mediáticas a saltar dos ecrãs e dos microfones para a política de um momento para o outro e a aí prosperar com a conversa de ser “anti-sistema”. Tendo, como tantos outros, por detrás e apoiando-o figuras muito “sistémicas” e trabalhando para interesses também eles bem sistémicos.

A sua apresentação peculiar ganhou tração nas televisões e nas redes sociais quer pelo aspeto físico peculiar com o seu típico casaco de couro e penteado quer pelo estilo insultuoso e grosseiro. E os seus jovens apoiantes, que com isso se encantaram e que foram seu suporte eleitoral, recuperam a velha palavra de ordem de rejeição da política herdada da crise de 2001: “Que se vayan todos”, acreditando que ele encarna a oposição à “casta política”, expressão que lhe é habitual.

Em campanha eleitoral, este “boneco” invulgar foi potenciado com números como aparecer com uma moto-serra para cortar no Estado e nos políticos tradicionais.

Nascido em dezembro de 1970, é filho de um motorista de autocarro que se tornou empresário. Terá crescido num ambiente familiar abusivo, segundo o seu biógrafo, Juan Luis González, declarou até que, para si, os seus pais estavam mortos. O penteado fora do comum e o seu comportamento agressivo como resposta ao bullying ter-lhe-ão valido o apelido de “El loco”, título do best-seller daquele. Aí se conta ainda como está convencido que comunica “telepaticamente” com Conan, o seu cão morto, tendo ainda mais outros quatro mastins ingleses, clonados a partir deste, numa operação que segundo o The New York Times terá custado 50.000 dólares. Batizou-os com nomes de economistas ultraliberais e acredita que o “aconselham” na campanha conta González. Importantes para o convencer disso, afirma, foram um “bruxo anarcocapitalista”, chamado Gustavo, e uma veterinária “médium” que contratou para comunicar com Conan e que treinou a irmã dele, Karina, para o fazer também.

Se é verdade que não vem do “sistema” político tradicional argentino, tem passado confortavelmente por vários outros dos seus sistemas de poder. Foi professor universitário, economista do banco HSBC e da Máxima empresa privada de fundos de pensões, consultor para um conhecido economista do país e assessor económico do ex-deputado Antonio Domingo Bussi que acabou acusado de crimes “contra a humanidade” cometidos na altura em que foi governador de Tucumán. É ainda membro do B20 (Business 20), um lóbi dos patrões das economias do G20, economista do Grupo de Política Económica da Câmara de Comércio Internacional e do Fórum de Davos.

Entre aparições mediáticas e candidatura política, chegaram acusações de plágio nos seus livros Pandenomics e El camino del libertario, no prólogo do livro“4.000 años de controles de precios y salarios e em vários artigos que foi escrevendo para o Infobae e El Cronista.

O mesmo González conta como a transição dos meandros pouco famosos da carreira económica para a ribalta dos palcos mediáticos não se deu por acaso. Milei trabalhou durante mais de uma década para o multimilionário Eduardo Eurkenian, dono de vários meios de comunicação social e terá sido este quem promoveu as suas participações televisivas e terá financiado a primeira campanha eleitoral. Atualmente de costas voltadas um para o outro, os envolvidos negam esta versão da história.

De qualquer forma, o que é certo é que politicamente, Milei trepou rapidamente usando o Partido Libertário e fundou em seguido um partido à sua imagem, o La Libertad Avanza. Em 2021, na sua primeira campanha eleitoral tornou-se deputado federal. Neste cargo, não apresentou nenhum projeto mas continuou a veia populista: sorteia o salário a cada mês porque “é dinheiro sujo” já que “o Estado é uma organização criminosa que se financia através de impostos cobrados das pessoas pela força”. O sorteio é transmitido em direto em várias estações de televisão.

É conhecido pelo extremismo “anarco-capitalista”, com propostas como a dolarização da economia, a privatização de todas as empresas públicas e do sistema de pensões, a ausência de controlo de movimentos de capitais, o fim dos programas de proteção social do Estado, a redução radical de impostos e a abolição, na verdade a dinamitização, do banco central. Assim como o fim de Ministérios como os da Educação, Saúde, Trabalho, Cultura, Desenvolvimento Social e Infraestruturas. Também é negacionista dos crimes da ditadura militar, afirmando que os números de desaparecidos comprovados ao longo de anos são exagerados, e da crise climática que diz ser “uma invenção socialista”, ao mesmo tempo que defende que existe um direito de poluir para as empresas criarem riqueza. Na altura da pandemia da Covid-19, opôs-se a um prolongamento do confinamento, tendo apelado a uma manifestação nesse sentido. Ultra-conservador e de extrema-direita, tem-se posicionado contra o aborto, o feminismo e a educação sexual nas escolas. Defende ainda a liberalização do uso de armas e do consumo de drogas. E é conhecido ainda por defender propostas aberrantes como a venda livre de órgãos humanos e ter aberto a possibilidade de um dia no futuro seja autorizada a venda de crianças.

Várias das propostas mais fora da caixa deixou-as para trás nesta segunda volta das presidenciais, depois de ter negociado com os políticos do “sistema” da direita o seu apoio. Nas palavras de Gonzaléz, em entrevista ao El Diário, “castificou-se” perdendo “um dos seus grandes ativos que era a sua honestidade brutal”.

A dulcificação de Milei poderá ter desiludido alguns dos seus apoiantes mas isso não foi suficiente para lhe custar a vitória. Em Portugal, além das congratulações do líder do Chega, Milei também contou com o apoio do ex-candidato presidencial da Iniciativa Liberal, Tiago Mayan.

 

Na segunda volta destas eleições presidenciais, enfrentavam-se o medo da conquista do poder pela extrema-direita e da destruição do Estado Social e a rejeição do kircherismo, o peronismo de centro-esquerda que tem governado o país, e da situação económica e social de um país com uma taxa de inflação anual de 142,7%, situando-se os juros em 133% ao ano e estando 40% da população abaixo da linha da pobreza. Nestas circunstâncias, a escolha de um discurso de continuismo e de um candidato, Sergio Massa, que era o Ministro da Economia parecia estar longe de ser suficiente para os peronistas se manterem no poder. O que se veio a comprovar neste domingo.