Protestos contra Viktor Órban ganham força na Hungria

16 de abril 2017 - 12:56

A ameaça de encerramento da Central European University (CEU), lançada pelo governo húngaro de Viktor Órban, despoletou uma sucessão de protestos em defesa da instituição nos últimos seis dias. Por Tiago Ivo Cruz

PARTILHAR
Praça do parlamento húngaro em Budapeste, via @beckerbastian
Praça do parlamento húngaro em Budapeste, via @beckerbastian
A ameaça de encerramento da Central European University (CEU), lançada pelo governo húngaro de Viktor Órban, despoletou uma sucessão de protestos em defesa da instituição nos últimos seis dias, com dezenas de milhares de pessoas a ocuparem as principais praças de Budapeste. 
 
Os protestos foram lançados por grupos de estudantes contra um decreto do governo que definia novos critérios para uma universidade operar no país. Em específico, a licença de atividade passa a depender de um acordo assinado entre a Hungria e os Estados Unidos da América, que só poderá acontecer em fevereiro de 2018, e a universidade teria de ter um pólo de atividade em solo americano. Considerando que, das 27 universidades estrangeiras a CEU é a única sem o referido pólo, o decreto obriga ao encerramento da universidade.
 
80 mil pessoas em manifestação em Budapeste, via @tenaprelec
80 mil pessoas em protesto a 10 de abril, via @tenaprelec
 
Fundada em 1991 por George Soros, a CEU foi desenhada para promover políticas liberais e mantém-se como a universidade estrangeira com mais financiamento a operar na Hungria. Longe de ser uma plataforma de oposição ao governo ou de promover políticas remotamente de esquerda (os apoios que procura agregar em sua defesa - visíveis na página de internet da CEU - são quase exclusivamente conservadores), as posições críticas de George Soros contra Viktor Órban e a guerra de palavras dos últimos dois anos suscitou mais este ataque direcionado à CEU. 
 
Órban tem lançado diversas acusações a Soros, algumas de caráter conspirativo onde Soros é apresentado como um financiador de grupos que tentam influenciar a política nacional na Hungria. O que não deve ser falso mas faz esquecer que o próprio Fidesz, partido que Órban levou ao poder, foi financiado durante vários anos por Soros através da Open Society Foundation
 
George Soros e Viktor Órban em 2010, foto de Csaba Pelsoczy via Hungarian Spectrum
George Soros e Viktor Órban em 2010, foto de Csaba Pelsoczy via Hungarian Spectrum 
Desde 2011, quando Viktor Orban lançou uma nova lei da comunicação social que objetivamente lhe delegou poder de censura sobre todos os órgãos de comunicação social, que o governo tem progressivamente cerceado a independência jornalística, cultural e intelectual do país. 
 
A lei definiu então multas de até 750 mil euros aos autores de notícias que "não sejam politicamente equilibradas", ofendam a "dignidade humana", "o interesse público" ou a ordem moral". Ofensas vagas que então uma nova entidade reguladora - e aos seus membros, todos nomeados pelo Governo - podiam interpretar, aplicando a respectiva punição a televisões, jornais, rádios e até blogues, mesmo aos que operam fora do país. Os reguladores passaram também a ter acesso às notícias antes da sua publicação e os jornalistas ficam obrigados a revelar as suas fontes quando esteja em causa a "segurança nacional”. 
 
Além disso, Órban centralizou todos os meios de comunicação públicos numa única direção editorial controlada pelo governo, objetivamente lançando um controlo político sobre qualquer voz dissidente. 
 
Esta iniciativa não tinha precedentes na União Europeia, suscitando na altura críticas da Comissão Europeia mas nenhuma pressão efetiva sobre o governo húngaro, protegido ainda hoje pelo Partido Popular Europeu de que Viktor Orban faz parte, a mesma família política europeia de PSD e CDS. 
 
 

 

Seis anos passados, a Hungria é um país onde de facto se pode dizer que existe claustrofobia democrática. 

Ainda em 2011, com a força da nova lei, o Klubrádió - um canal de televisão crítico do governo - perdeu a licença para transmissão (que voltou a ganhar após uma batalha nos tribunais, mas sem recuperar a força anterior). 
 
Manchete em janeiro de 2011 do jornal Népszabadság contra a Lei da Censura
Manchete em janeiro de 2011 do jornal Népszabadság contra a Lei da Censura
Em outubro de 2016, o Népszabadság, o principal diário na oposição ao governo, encerrou, apagando o seu arquivo digital sem deixar qualquer rasto. A decisão deveu-se, segundo a acionista Mediaworks, a dificuldades comerciais. No entanto, a Mediaworks comprou uma participação de 27,7% apenas em 2015, ostensivamente como forma de influenciar o diário que permanecia sob a alçada do partido socialista húngaro. E a decisão de fechar o jornal surgiu imediatamente a seguir à publicação de suspeitas de corrupção de um ministro do governo e do governador do banco nacional da Hungria. 
 
Em 2014, Viktor Órban assumiu objetivamente o seu projeto político. Para ele, a crise financeira de 2008 mostrou que as “democracias liberais não podem permanecer competitivos à escala global”. Por isso, propunha abandonar a democracia liberal a favor de um “estado iliberal”, citando a Rússia, a China e a Turquia como exemplos de nações “bem sucedidas, nenhuma das quais é liberal e algumas das quais não são sequer democracias”. 
 
Para George Szirtes, poeta húngaro que organizou uma carta pública de 400 intelectuais apresentada ontem em Budapeste, a “democracia húngara está em perigo”. “Dirigimo-nos para um regime semelhante ao de Putin.” 
 
As violações ao estado de direito e a redução do espaço político de oposição foi de tal forma consistente que, hoje, o maior partido político de oposição com representação parlamentar - o Jobbik - está ainda mais à direita do que o Fidesz de Órban, sendo abertamente anti-semita e neo-fascista com uma ala paralimitar bem armada. 
 
Apesar da mobilização social em torno das manifestações apresentar um discurso pela tolerância e liberdade democrática, não é claro se vai reforçar um campo político alternativo à extrema-direita seja no governo ou na oposição do Jobbik. 
 
Por seu lado, a Europa pouco tem feito para afrontar o problema, com o PPE a servir de protetor político a todos os níveis das instituições europeias.